21 de dezembro de 2014

ARMAS PARA TODOS

Acanhada entre as novidades lavadas (e mal lavadas) a jato sobre a Petrobras, eis que aparece lá embaixo, na página do jornal O Globo, disfarçada em rodapé, uma noticiazinha que diz: Congresso reduz imposto para armas de fogo.
Isso não é nada. Se você se der ao trabalho, verá que a MP 656 é uma bomba cujo estopim está aceso e vai ser jogada para Dilma.
A notícia diz: "A Medida provisória 656 foi aprovada pela Câmara e pelo Senado com mudanças que interessam a diferentes setores. Os parlamentares introduziram 43 temas no texto original. Uma das propostas reduz de 45% para 20% a alíquota do IPI cobrada sobre armas de fogo. Também prevê a isenção total para integrantes das Forças Armadas, policiais federais, policiais civis e militares dos estados". Mas esta é apenas uma das coisas que ela regula. O resto também é escabroso.
Em resumo, enquanto Bolsonaro late para a mídia, as medidas da direita vão passando no Congresso.

E aquela campanha toda do desarmamento? Que palhaçada foi aquela?
Deduz-se agora que as armas são objetos de absoluta necessidade para toda a família, que volta e meia está às voltas com algum tipo de seqüestro, assalto, estupro ou abuso de menor. A mensagem, no bom estilo norte-americano, é que importa. E a mensagem que o Congresso nos dá é: virem-se. Comprem suas armas, aprendam a atirar e saiam matando porque nós realmente não conseguimos proteger vocês.
E nem nos dizem onde estão indo as verbas para segurança, sempre mais gordas.
Ao aprovar essa medida o governo estará sinalizando com um evidente (e já constatado) fracasso na área de segurança.
Também fracassou no combate às drogas. E não está fazendo nada a respeito. Nem mesmo lendo.
Recomendo à Presidente e à sua equipe O Fim da da Guerra, de Denis Russo Burgierman, para que tenha uma visão mais realista do problema, pare com esse papo de pacto contra a corrupção e faça algo concreto.
Tenho pena, muitas vezes, de Beltrame, o herói(?) da segurança. Há tempos que ele vem dizendo que só a polícia não adianta. A Justiça também tem que ajudar. 
Beltrame quer que o major Edson dos Santos e o tenente Luiz Felipe de Medeiros (comandante e vice-comandante) da UPP da Rocinha onde foi morto Amarildo sejam demitidos da polícia Militar. Conseguirá? Ou será mais uma decepção para o Secretário?
Além disso, foi solto ontem, por força de habeas corpus,  o coronel Alexandre Fontenelle e mais 19, acusados de formação de quadrilha. O cel. Alexandre era o chefão.
A Justiça Militar revogou ontem a prisão do tenente coronel Dayzer Maciel, detido em outubro, acusado de receber propina para não reprimir o tráfico de drogas na Ilha do Governador, onde comandava o 17º BPM. A juíza achou que não havia evidências de que ele "traz riscos à ordem pública ou à conveniência da instruções criminal.
Tudo bem, eu sei que a corrupção não está só na polícia. Mas eles têm as armas. E ninguém sabe quantas vezes usaram, quantas venderam, quantas facilitaram. 


Eu devia estar contente, como dizia o Raul (não o Castro,  mas o Seixas) com o fim do bloqueio econômico dos Estados Unidos sobre Cuba, mas sei que um tanto ainda vai demorar para que se realize o sonho dos cubanos: trabalho e liberdade. A Revolução, a coragem de Fidel, o papel do Che, a luta do povo cubano. Tudo isso para voltar ao que era? 
Que nome dar a esses sonhos que o tempo tratou de diluir? 


11 de dezembro de 2014

(N)ATIVIDADE

Uns vão às compras, outros viajam, ou lavam as cortinas, os tapetes, emplumam as árvores de algodão falso. Eu também estou em franca atividade. Fui às estantes. Da última vez que mudei não arrumei direito o que devia. É tempo de fazê-lo. Que alegria abrir esses livros há tanto intocados, folheá-los e sentir outra vez, e então trazê-los à luz, jogá-los no universo, animar a festa.
Quem arruma estantes de livros sabe que isso não é trabalho rápido. A cada livro, uma olhada, a cada olhada, um apego que às vezes vai até o fim. E então separar alguns, novamente lê-los, novamente abraçá-los, desarrumando tudo.

E estou apenas na letra A.

ADELE WEBER

O cubo

A viagem não é vã
sente o estrangeiro que há em todo homem.

Em cada canto do mundo
alguém sempre percorre um quarto
sangrando gota a gota
o ato de preencher o cubo
com o seu tamanho.

(in Inversão Íntima, 2010)

ANTÔNIO BRASILEIRO

Para que os dias não sejam apenas breves

Porque viver é mesmo o necessário
e o que fazemos é só uma passagem
entre a beleza e o tédio,

mister reconhecer nossas fraquezas:
viver é que é mesmo necessário,
o resto é invencionice de poetas.
O resto - poesia e morte, sossego
e abandono  é o que inventa a ociosidade
                                               para que os dias não sejam apenas breves /

                                               para que os dias não sejam apenas breves.

                                              (in Cantar da Amiga, 1989)

ÂNGELO ALFONSIM


Rio X

Incorporo o incômodo
O modismo me incomoda
e não tenho bons modos
Rasgo rótulos
e receitas
e não saio na foto
Minha revolta sai pelos poros
Minha palavra vaza pelos olhos
A solidão não suporta meu isolamento
Minha sombra assusta o medo
Deus reza para não me encontrar
O diabo me engole
mas devolve

(in /colecionador de infinitos, 1994)




ARICY CURVELLO



toda quimera se esfuma 

janelas abertas par em par,
entra o ar
que vem dos longes do oceano,
o alto mar amanhecendo
altas, altas campinas de nuvens.

em mínimo chão te arrastas
por elas:
sem asas,
te alimentas é de palavras e réstias.

brancas, brancas sombras da manhã,
mais branco é teu coração recomeçando.
ser é uma invenção constante.

(in Mais que os nomes do nada, 1996)



ARMANDO FREITAS FILHO

a felicidade pode ser de carne
de pele apenas - corpo sem cara
perna musculosa, clavícula
omoplata, ventre liso esticado
peludo no lugar certo do sexo
e mais o cheiro preciso, exasperado
da axila, virilha, pé
tudo chegando junto, de uma vez
ou aos poucos, esquartejado
(in Números Anônimos, 1994)

ASTRID CABRAL

Cave Canem

Dentro de mim há cachorros
que uivam em horas de raiva
contra as jaulas da cortesia
e as coleiras do bom senso.
Solto-os em nome da justiça
tomada de coragem homicida.
Mas sabendo que raiva mata
à míngua de domar meus cães
vacinei-os. Ladrem mas não mordam
e caso mordam, não matem.

(in Lição de Alice-1986)

AUGUSTO SÉRGIO BASTOS



Desde pequeno
me fiz ouvinte.
Rezo quando preciso
ouço todos os conselhos.

Não tenho a crisma
o batizado não recebi.
Das minhas igrejas
há muito me perdi.

Da vida e da missa
sei metade
 por inteiro só o canto dos pássaros
e esse pé cravado na infância.

(in À luz da estante, 2010)


8 de dezembro de 2014

POESIA FALADA (2) - Wislawa Szymborska

Wislawa Symborska (1923-2012)
Nasceu em Bnin, na Polônia. Em 1931 mudou-se para a Cracóvia, onde viveu até morrer.
Prêmio Nobel de Literatura  em 1996.
O poema falado faz parte do livro [poemas] editado pela Companhia das Letras em  2011 com tradução de Regina Przybycien



https://soundcloud.com/helena-ortiz-poesia-falada/ocaso-do-seculo-poema-de-wislawa-szymborska