27 de novembro de 2010

A MAIORIA É BURRA

Os militares também revistam carros e até crianças. No momento, não há confrontos na região. O comércio na Penha está aberto, e o clima é de aparente tranquilidade. No início da manhã, traficantes trocaram tiros com militares.

Assim começa o sábado no Rio de Janeiro, onde o sol não quer nem espiar.
Assim seguimos nós prisioneiros das nossas escolhas. A maioria acha que Sérgio Cabral é o melhor para governar o Rio? Lula apoiou Sérgio Cabral. É a maioria, certo?

Pois essa guerra não tem fim. A maioria apóia. A maioria não sabe o que faz. A maioria se queixa dos impostos mas não se importa que eles sirvam para matar e prender. A maioria não sabe a quem serve o tráfico.
Nelson Rodrigues disse um dia que "A unanimidade é burra". E estava certíssimo. Que me permita avançar dizendo que a maioria também é burra quando pensa que só há uma solução para tudo. Justamente por isso é burra.
Há outras, mas a maioria ignora porque não foi educada para pensar com a própria cabeça. Fica gravando as mensagens massacrantes ou subliminares do poder constituído. Aprende só um pouquinho.
Há outras soluções, mas nem se fala nelas. As autoridades militares, os "consultores de segurança", os estrategistas na arte de matar discutem com aquele ar de quem sabe tudo. Mas as crianças estão sendo revistadas. Jamais serão crianças de verdade. O olhar amoroso, o alimento, a possibilidade de descobrir o mundo em suas inesgotáveis atrações. Piscinas para a população pobre, mas o pobre não pode entrar. Quer jogar tênis? Tênis é esporte de burguês, vai jogar uma pelada, otário.
Hoje é sábado, amanhã é domingo. Vinicius nem imaginava.
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26 de novembro de 2010

A QUEM INTERESSA A GUERRA?

Cheguei de São Paulo toda lampeira, entusiasmada com a intensa movimentação literária, mas a situação no Rio conseguiu esmorecer esse entusiasmo. Não há entusiasmo que resista aos transtornos e tragédias da guerra. Tragédias pequenas, pessoais, de pequena repercussão. Filhos perdidos, vidas marcadas.

Os arrastões freqüentes em vários pontos da cidade já surgiam como resultado da política de "pacificação" das favelas cariocas, onde os pobres vivem acuados, entregues à lei do mais forte, seja polícia ou bandido.
Seria uma ingenuidade pensar que depois de perder mercado os traficantes não fossem buscar outras fontes. Aliás, se não fosse contra a lei isso tudo seria chamado de "empreendedorismo".

A televisão, o governo, grande parte da população apóia as ações belicistas e mostrou isso nas urnas, mas eu sigo pensando que ante a impossibilidade de impedir o avanço das drogas (a todo instante uma droga é inventada) a única solução pacífica é legalizá-las, e não fazê-lo, se não é burrice, é puro interesse pelo dinheiro (que não é pouco), que sustenta a corrupção.
A legalização seria o verdadeiro golpe no reinado do tráfico. É claro que não impediria o crime, mas certamente a lei serviria para organizar o mercado, captar recursos e investir em educação, que é o de que mais precisamos.

A operação de guerra montada pelas polícias do Rio e as forças armadas desencadeada no dia 25 e considerada um SUCESSO REPRESSIVO, não impediu, no entanto, que cinco veículos fossem incendiados durante a noite e não impedirá que o monstro criado com migalhas por uma sociedade racista e desigual tenha crescido, em força e raiva, e agora jogue seus tentáculos sobre a cidade que o ignorou. Tudo era previsível, e até demorou.

Durante toda a cobertura sobre os episódios assustadores que a cidade enfrenta não se ouviu uma única voz (sim, elas existem e são muitas) falando sobre a possibilidade de um novo modelo de política relativa às drogas. Parece que a guerra também dá barato. Tudo é feito como se confronto, repressão, prisão e morte fossem as únicas soluções para a segurança.
E vocês sabem que a gente colhe o que semeia. Querem guerra, aí está. Quanto estará custando? E quanto valem as vidas já perdidas?

PS. Ao recomendar que a população da Vila Cruzeiro se protegesse nos momentos da ação da polícia o jornalista da Globo disse que as pessoas não ficassem nas janelas e fossem para os corredores das casas.
Corredor, meu filho? Nunca subiu uma favela e não sabe em que espaço habitam os pobres.
Talvez seja isso que assegure uma política equivocada. Tratam do que não conhecem. E quando conhecem, é só teoria.
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16 de novembro de 2010

A INCONSCIÊNCIA BRANCA



Desculpem, mas me causam agonia essas comemorações específicas. Qualquer dia dedicado a qualquer coisa: condição, profissão, homenagem. Agora temos o dia de Zumbi, que é feriado em alguns estados, noutros ainda não. Penso que todo o dia dedicado é fruto de alguma culpa. Daí a questão das cotas, por exemplo.
Há movimentos que emergem vagarosamente, reconheço, mas poucos, muito poucos em relação à infame escravidão.
Fiquei contente, por exemplo, com o curta que assisti num festival no cine Odeon, o IV Encontro de Cinema Negro Brasil África e Caribe. Um dos participantes, Carlos Maia, frequentou uma oficina de poesia que fiz uma ocasião, no morro do Cantagalo. Dos oito que se inscreveram, só ele ficou. E fez um trabalho muito bom, sabe Deus com que sacrifício. Mas é um que se preserva. E os outros?
Há cadeias repletas, imundas, indignas, ocupada principalmente por negros. A chocante campanha institucional para o Censo (alguém viu?); novos quilombos na Bahia (novos!), construídos para que os negros se protejam da polícia (negra).
Soube, e mostro a ação da polícia numa tentativa de remoção na Vila Taboinha, na zona oeste do Rio, na tarde do dia 09 de novembro de 2010. Uma ação cruel e desnecessária, engendrada pelo "choque de ordem" do governo.

http://www.youtube.com/watch?v=R3T9c0fNBP0


Agora, finalmente, descobre-se que o Brasil sofre do maior dos preconceitos, que é o de acreditar que não tem preconceito. Somos preconceituosos, sim. E muito mais do que pensávamos. E pior: estamos nos tornando ainda mais. A raiva está aumentando, as pessoas estão mais agressivas, o medo faz com que tenhamos reações que humilham os nossos diferentes. Os arrastões diários, as explosões que se sucedem aqui e ali, entre crianças ou adolescentes, nas brigas de trânsito, na vida doméstica. Onde quer que se apresente um motivo, por mínimo que seja, ou mesmo sem motivo algum, alguém pode agir de maneira brutal, como nunca pensamos que seria possível.


Relutei em falar no fato que mais me impressionou nos últimos tempos: a cabeça de um homem jogada no meio de uma rua movimentada de Madureira. A cabeça de um homem!


Já não esperamos a invasão dos bárbaros, como no livro de Cotzee. Eles já chegaram, estão em todas a parte e crescem ante o nosso medo. Se bobear, seremos as próximas vítimas, ou quem sabe faremos parte deles. A extrema violência é o resultado da extrema violência. Já sabíamos no que ia dar. Apenas aguardávamos.


Pela consciência sem cor, deixo aqui um poema de 2001. O que mais posso fazer?



pena


122 anos de abolição e não estamos muito longe das práticas anteriores os negros carregam nossas cadeiras recolhem nosso lixo varrem nossa sujeira trazem mate mate-limão coca light se queremos trazem também a preta ou a branca se queremos se preferimos matar seguir matando eles nos trazem as armas e fazem o serviço sujo e se por acaso alguma coisa não der certo se por azar ou se Deus não permitir escapar do flagrante do inquérito do esquema eles vão mais uma vez pelo crime cometido por nós cumprir a pena 122 anos.


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11 de novembro de 2010

MOVIMENTO LITERÁRIO: UMA PROMESSA?

Tenho observado uma grande movimentação em torno da literatura nos últimos tempos. Há vários eventos literários acontecendo quase ao mesmo tempo, o que faz supor uma nova onda para a literatura.


Queixam-se os poetas de que a poesia não tem público, e de fato quem freqüenta com mais assiduidade os eventos verifica que o público é sempre de poetas, e dependendo dos lugares, os mesmos.


Por isso resolvi criar o blog do panorama da palavra, que não substitui o jornal, mas que pretende oferecer, num tom de reportagem, informações sobre semelhanças, diferenças, participações e organização dos encontros literários.


Claro que os livros merecerão lugar, bem como os poetas e poemas, além dos acontecimentos. Assim poderei responder com mais agilidade àqueles que buscam divulgação do seu trabalho ou do alheio que mereça.

Mas para isso conto com você, caro leitor, que já me acompanha neste blog. Não poderei estar em todos os lugares e não quero que minha opinião (somente ela), sirva para informar o que é, quem é, como é, onde e quando.

Assim como o blog, também eu estou sempre em processo.


Combinados assim, veja lá: http://www.panoramadapalavra.blogspot.com/
e me ajude na empreitada que, sabemos, não é fácil.

Esta postagem é madrinha do blog que nasce, e para dar-lhe força chamo um poeta imbatível:

Fernando Pessoa.


Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
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3 de novembro de 2010

O OUTRO LADO DO DIA



Pronto. Acabou-se a disputa. Dilma Roussef venceu e foram inaugurados novos mortos no feriado de Finados.
A experiência não me permite mais grandes arroubos em se tratando de política, embora eu ainda sinta o gosto efêmero das vitórias. As decepções sempre caminham juntas.
Vi algumas entrevistas, e percebi que a capa da candidata foi afrouxada. Digamos que foi retirado o espartilho. Está menos tensa, e encara com segurança os novos dias. O equilíbrio emocional a ser mantido numa campanha é tarefa difícil. Ainda mais num jogo tão pesado. E mais a televisão com suas exigências
Dilma, digam o que disserem, é uma mulher admirável. Não domina a oratória, como Marina, mas mesmo assim ela se saiu bem, ninguém precisa ser bom em tudo.
Nunca se distanciou dos objetivos a que se propôs ainda na juventude e aprendeu na luta por uma ideologia um caminho a seguir. Foi secretária de dois partidos diferentes no Rio Grande do Sul. Convidada por Alceu Collares, do PDT, para o secretariado do município e depois do governo do Estado, permaneceu com Olívio Dutra, do PT. A competência fica evidente aí, quando duas cabeças diferentes em partidos diferentes, reconhecem numa terceira pessoa condições de tê-la no governo na certeza da honestidade e do respeito ao serviço público. Yeda Crusius não tinha sido inventada.
Depois, já em Brasília, disseram que ela era mão de ferro, que o baixo clero (o que estará armando nesse momento?) a odiava porque ela não recebia ninguém. Tinha suas razões.
Foi o ex-marido, o ex-deputado Carlos Araújo, a testemunha mais marcante que falou sobre ela. Disse que em casa não havia soco na mesa. Como ser delicada com os canalhas?
Não há nada que a desabone, no público ou no privado. As alianças fazem parte da política, e também do mundo dos negócios. Não sejamos inocentes.
Dilma é de Minas, passou por São Paulo, aprendeu no Rio Grande do Sul? Nada disso importa muito. Importa que é competente, é mulher e agora é Presidente. Uma brasileira. Um quadro, para falar no jargão, que cresceu na militância por uma ideologia.
Isso, meus amigos, não é para qualquer um, ou uma. O dedo do destino não aponta para a classe operária. Aponta para Lula. Não aponta para um negro, mas para Barack Obama. E nem para a mulher brasileira. Escolhe Dilma.
O que será daqui para a frente? Alguma coisa vai mudar? Tudo muda todos os dias.
Será para melhor? O que é o melhor? São 190 milhões de respostas. Quem poderá escutá-las?...
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