30 de abril de 2010

OUTRO BASEADO


Aí pessoal, eis que nasceu. Eu poderia quem sabe acender um charuto pela chegada do filhote. mas vocês sabem: não fumo charuto. Tampouco sou homem.

Apresento-lhes a mais recente criação, chegada na véspera do dia marcado, ou seja, sábado, quando se comemora o Dia do Trabalho. Feriado roubado. Mas o meu trabalho é abrir espaços para discutir a causa polêmica que é a legalização das drogas. Já conheço os argumentos contra e a favor e resolvi que sou a favor. Da mesma forma que você conhece os candidatos e já se resolveu por algum. Escolha, preferência, afinidade.
Ouço muito dizerem: por que discutir isso se há tantas coisas mais importantes? Mas eu ainda não conheço nada mais importante que a liberdade de escolha, e acho que todas as desavenças vêm do fato de uns quererem decidir pelos outros. E quando não são obedecidos, proibir.
Vocês devem ter lido por aí que a justiça vai soltar presos porque não pode mais mantê-los nas cadeias. Nem eu imagino a quantidade de jovens presos porque foram pegos com um baseado, uma trouxinha, uma ponta de cigarro de maconha. Outros bobinhos, quase idiotas, se metem em confusões que nem são deles: cana. O Estado paga 700 reais para a família do preso que tem filho. A esposa, naturalmente, até gosta. Só preso o homem pode sustentar a família. Ativo na sociedade talvez não possa.
As prisões estão cheias de pessoas cujo crime foi portar um baseado. Um só, às vezes. Outras vezes se envolvem numa parada sinistra e se dão mal. Mas não são criminosos, não são perigosos, ninguém mata porque fumou maconha, e sobre isso não há dúvida.
É por isso que convoco a todos que fumam ou não para comparecerem ao movimento pela legalização. Têm medo? Têm vergonha? Tudo bem, usem uma máscara de Fernando Henrique ou de Gabeira. Existem motivos muito mais feios para se ter vergonha.
Amanhã é a Marcha da Maconha, Jardim de Alah, 14h. Vai chover? E daí? Talvez não chova, a lua acendeu.
Se a maioria silenciosa não ficasse só esperando para ver o bicho que vai dar, talvez muitos jovens não tivessem morrido ou enchendo as cadeias por causa da guerra contra as drogas.
E tudo isso baseado em quê?
Aproveitem para conhecer o livro, que está lindinho e abrange um ano de comentários sobre o assunto.
Aceitem, pois o convite do IUPEPULC - Instituto Universal Para o Estudo, Plantio, Uso e Legalização da Cannabis e vamos - aí sim - pedir: Chega de guerra!


27 de abril de 2010

O VÍCIO DA GUERRA E OUTRAS PAIXÕES


Tarso Genro foi um dos quatro ministros — os outros foram Temporão, Carlos Minc e Paulo Vannuchi — que receberam ontem o inglês Mike Trace, ex-czar do combate às drogas na Inglaterra e presidente da International Drug Consortium (IDPC). Isso é o que disse a coluna do Alcelmo, hoje.

Vai ter reunião da grossa, pelo visto.

O que é o IDPC, vocês sabem? Eu não sabia, fui conferir. Só em inglês. A tradução da web, um horror, claro, mas dá pra entender. E do que li tive medo. Muita palavra, muita enrolação, um site todo empoado, excessivamente sério, como é preciso ser para tratar de assuntos sérios como a repressão. Proibir o ópio no Afeganistão ou a folha de coca na Bolívia é objetivo (é preciso estabelecê-lo), mas também é um jogo que os senhores sérios gostam de jogar com o objetivo de manter a moral e os bons constumes. De quem? Deles, naturalmente. Direitos humanos sim, mas só com alguma desumanidade para dar mais finesse ao movimento.

Já os que são a favor da legalização das drogas, do fim da guerra, do fim da corrupção na polícia, do fim do tráfico de armas, pelo cultivo caseiro, pelo direito ao consumo - esses não estão com nada. São do tempo das danças circulares, do cachimbo da paz, da união à natureza. Já eram. São remanescentes de uma utopia. É fácil dominá-los. É fácil exterminá-los.

Os senhores da guerra têm raiva de não serem mais jovens, de não terem mais sonhos, de só acharem prazer na morte. Estão preocupados com os jovens? Mentira. Têm inveja dos jovens que não estão ainda submetidos. Esse é o combate a que se dedicam: manter o pensamento único mesmo que para isso tenham que matar todos os dias.

Não ter vícios nada acrescenta à virtude.
- Poeta espanhol

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22 de abril de 2010

SALVE 23 ABRIL !




É feriado por São Jorge. Tudo bem. Viva São Jorge! Mas por mim seria feriado por outros motivos. Porque é dia de aniversário de Jorge de Lima e Pixinguinha. Dois brasileiros ilustres, dois artistas universais. Certamente não fazem parte do "Viradão Carioca". Viradão me lembra um pouco virado à paulista, sei lá. Andarão os paulistas mexendo na programação cultural (?) do Rio de Janeiro. Já não bastam os pastores da Igreja Universal mexendo no trânsito? Mas deixemos de bairrismos. Não percamos a viagem.

Jorge de Lima completa 117, Pixinguinha 106. Um é alagoano; o outro, carioca. Os poetas, como os santos, ficam para sempre. Estão nos livros e vamos a eles sempre que precisamos ou queremos. Estão vivos em nós, apenas não os conhecemos pessoalmente.

Não por acaso é também o dia em que rodou pela primeira vez o panorama da palavra, já lá se vão 13 anos. Pouco tempo? Um bocado. Trata-se de um jornal, não de uma pessoa ou de uma instituição. E o panorama da palavra, ainda bem, nunca foi uma instituição. Os milagres não têm cartório para registrá-los. A não ser os do Vaticano, mas aí já seria entrar em terreno perigoso.

O dia 23 de abril, portanto, não é pouca coisa. Por isso eu o celebro pensando na poesia e nos amigos, em todas as pessoas que estiveram mais ou menos perto desde que tudo começou; no que aconteceu depois, na caminhada. Fazendo uma referência especial ao poeta Augusto Sérgio Bastos, parceiro de primeira hora, e ainda.

Caminhar, eis a vida. Um passo depois do outro, as retenções, os atrasos, as arrancadas, a estagnação e os avanço. Junto com tudo, as amizades que se fortalecem e agregam, e algumas boas risadas.

Estamos vivos, e essa constatação é o impulso de cada dia. Vamos lá, é a nossa parte.Mas não sozinhos. Vamos com o poeta.

Quanto a Pixinguinha, bom, ele tem os músicos para saudá-lo melhor do que eu; e que o cantarão na data, tenho certeza.

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SONO E DESPERTAR DO POETA

Jorge de Lima



O meu nascimento me acordou.

a minha morte me adormecerá.

Tu levas um cadáver para onde amigo?

A vida é cheia de guizos

Tapa os ouvidos dorme, dorme.

dorme, dorme, a noite é boa,

o dia é oco como um guizo.

A minha morte me adormecerá

O meu nacimento me acordou.

tu levas um cadáver para onde, amigo?

Sol, sê testemunha que o fim já chegou,

que a carne morreu,

que a alma está viva.

Antes de tu te extinguires, Sol

olha o espírito continuando.


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19 de abril de 2010

JACK HERER - MORRE O HOMEM SEGUE O SONHO



A comunidade canábica perdeu esta semana, no dia 15 de abril, um dos seus mais antigos ativistas. Jack Herer(1940-2010) dedicou a vida à luta pela liberdade das pessoas fumarem maconha. Começou na década de 70 declarando que iria trabalhar todos os dias de sua vida até que a maconha fosse legalizada ou que ele tivesse 84 anos.
A maconha não foi legalizada e Jack morreu aos 70 anos. Mas quanta coisa realizou! Seu livro The Emperor Wears no Clothes, foi traduzido para diversas línguas e vendeu mais de 600.000 cópias, tornando-se a publicação canábica independente mais vendida e lida em todo o mundo. Suas idéias ajudaram a formar gerações de ativistas e informar milhares de usuários de diversos países. Herer é um dos ativistas e autores mais respeitados na área, tendo sido homenageado em 2003 com uma variedade de cannabis que leva seu nome, desenvolvida pelo banco de sementes Sensi Seeds.

Tudo isso me ensinou o site http://www.growroom.net/, que os interessados também podem acessar, assim como outros sites (vocês não fazem idéia de quantos!) que lamentaram a perda. É tão difícil persistir!

Transcrevo isso porque a Marcha da Maconha está programada para acontecer no mês de abril em várias cidades do Brasil. Você ouviu falar nisso?
Pois vou falar o que eu pensei hoje: no dia da parada gay todo o mundo vai, tem mídia, tem famílias com suas crianças no colo, divertindo-se na maior paz, como disse a jornalista. Os segmentos dos hotéis e de entretenimento adoram. Mas no dia da Marcha da Maconha, que também trata de uma reivindicação de cunho pessoal e existencial, e mesmo que gays também fumem, não acontece muita coisa não é? Muita gente nem fica sabendo. Fumam o produto, mas não aceitam a ideologia. Qual é a diferença? Tinham medo dos gays? Agora pararam de ter. Ou engolem. Com a maconha é a mesma coisa. Têm medo? Ou será que ainda há quem acredite que o garoto matou mãe e irmã porque ele fumou maconha?
Os preconceitos estão todos entrelaçados. Luta-se por um enquanto o outro fica esperando?
Quando eu terminar de ser explorada pela família vou começar a lutar para não ser explorada pelo patrão?
Conta outra.

Então é isso: fiquei pensando que qualquer dia eu também desapareço desse mundo sem ter visto acontecer.
Ó tempos, ó costumes.
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17 de abril de 2010

GUERRA E LUTA






Uma das coisas com que sou agraciada nessa vida é a de encontrar bons amigos, tantos, por onde vá. Volta e meia eles aparecem, e é como se fosse ontem, como se fossemos os mesmos das diferentes épocas em que, por acaso, nos cruzamos.

Outra coisa a que sou muito grata é que meus amigos seguidamente se destacam não com o destaque espalhafatoso que o mundo espera, mas pelo que provocam em mim, no meu sentimento e na certeza de que não estou a pensar sozinha nesses assuntos. Organizam meu pensamento, me emocionam e tornam-se ainda mais importantes.

Estou falando de Victor Colonna, autor do texto que transcrevo abaixo, publicado em seu blog
GUERRA E LUTA
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É muito comum as pessoas se definirem e se elogiarem como “guerreiras”.

Percebemos esse hábito tanto no medíocre vencedor de um popular programa de reality show quanto na mais recente campanha de uma conhecida marca de cerveja.

Prefiro a palavra “lutador”.

Na luta há adversários; na guerra, inimigos. Na luta o objetivo maior é vencer; na guerra, destruir. Na luta, a violência até pode ser um caminho; na guerra, é sempre o fim.

Podemos ser amigos dos nossos rivais; dos nossos inimigos, quando muito, temos misericórdia. Mas é raro. O que se vê é o vale-tudo convalidado pelos ditados populares que falam de amor e guerra como se opostos complementares fossem.


Embora a maioria não chegue nem perto de saber o que é guerra e muito menos o que é amor.

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12 de abril de 2010

UMA BOA NOTÍCIA


Quanto mais inabitável, mais o mundo fica povoado. (Mia Couto)


Volto a vocês como volto a mim mesma, procurando sempre entender, buscando na memória saber o quanto mudou e mudei. Sempre as mesmas perguntas sobre o sentido de estarmos vivendo. Esse é o mundo? O amigo me liga preocupado de Paris: a escravidão na Mauritânia. Existem outras, dissimuladas e aceitas. A raça é apenas uma pele?

Agradeço de pronto a quem quis saber de mim no momento em que o Rio de Janeiro sucumbiu tão rapidamente como nem num filme se acreditaria. Mas eu fui poupada dessa desgraça, de viver e ver a cidade entre águas turvas, lixo e cadáveres.
Temos governo? Não nos valem de nada, vocês sabem.
Da janela, nessa segunda-feira, vejo que as flores se aprumam, não estão nem aí com o destino das verbas.
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E e a boa notícia?
Pois seja: andei pelo sertão. Esperava encontrar a paisagem agreste que marcou Graciliano, mas encontrei a exuberância de Jorge de Lima. Os pastos estão verdes. As vaquinhas pastam em pequenos lagos, as cidades estão limpas, as estradas estão boas. O pau-de-arara, agora, voa.
Piranhas, a cidade de onde se parte para viajar pelo canyon de São Francisco está lá, toda pintadinha, linda como uma maquete. Dizem que é uma das mais pobres do Brasil. A Chesf também está lá. Mas a CHESF é a Vale de Itabira. Não está interessada na cidade. Os funcionários da Chesf moram em outras paragens. Não se juntam com o povo. Entre as duas margens corre o São Francisco, já ferido mas incansavelmente belo.
De qualquer forma, nada de esqueletos marcando o caminho do cangaço, embora os bandos sigam assaltando. Não existe mais o cangaceiro místico que povoou a história. Os de hoje têm armas modernas, chegam em caminhonetes poderosas e não acreditam em nada. O que não mudou foi o crime.
Arapiraca, Piranhas, Canindé, Jacaré dos Homens, Limoeiro da Anadia - tudo outros campos. E em Cruz das Almas há uma Universidade Federal. É pouco?
É o Brasil, e queiram ou não, a paisagem é outra, embora Maceió estivesse sediando um encontro pago sobre Os novos rumos da direita. Tem de tudo. Até a escravidão na Mauritânia.
Mas tem também a Micareta, bonita de se ver, diferente da micareta baiana. Um bando de gente jovem (porque a resistência é absolutamente necessária) surge de repente, dançando e cantando muito rápido, cantando muito, cantando alto, uma letra quase ininteligível para mim, mas o que importa? Ali a alegria, a humanidade, a tradição do canto passando por gerações. A juventude iluminando tudo, mas também os maduros, os velhos que um dia cantaram e puxaram os blocos.
A CHESF patrocina a micareta alagoana? Não, mas isso tem o lado bom. Quando há patrocínio a cultura já foi cooptada.
O Brasil é grande, e a força da arte é maior ainda.
e para saudar o sol, deixo-lhes aqui o os versos imortais de Jorge de Lima, alagoano de União dos Palmares, muito, muitíssimo menos conhecido do que Lampião e Maria Bonita.
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ETERNIDADE
Jorge de Lima
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Ele reviu-se:
não era mais
nem corpo
nem sombra
nem escombros.
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Como foi isso?
tudo irreal:
um barco
sem mar
a boiar.
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Ele sentiu-se:
recomeçava.
Vivera
morrendo
numa estrela.
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Ele despiu-se
de quê?
De tudo
que amara.
Surdo-mudo
cegara.
Agora vê.
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