18 de fevereiro de 2013

O CARNAVAL DO PAPA

E então, quando menos se esperava, no meio de um desfile sofrível que levantou até a questão se o carnaval deve continuar como está ou piorar, eis que entrou um bloco não inscrito e roubou a cena: na comissão de frente, sem comissão, sozinho, único e infalível, o Santo Papa mudou o rumo do carnaval e dividiu o noticiário. Muito mais interessante porque afinal, digamos que vestir-se com luxo, aparecer na janela, abanar para o rebanho não é lá uma coisa muito exaustiva. O que deve ter cansado foram as intrigas palacianas. E então, o que não acontecia há 600 anos: a renúncia.
O Papa, absolutamente contemporâneo, fez um cópia, incluiu uns elementos novos (a corrupção, sempre) e agradou aos fiéis. Os fiéis são tão fiéis que não importa quem vista as vestes papais. Eles serão sempre fiéis. Serão humildes. Mas só para as câmeras.
O problema maior será decidir se daqui para a frente o Papa usará vestes brancas, vermelhas ou pretas. Ora veja! Eu me lembrava de Roma, de Fellini, e daquela cena genial do desfile de moda para o clero. Nunca pensei que um dia o desfile ia rolar. Claro, as roupas do desfile eram apenas a tendência. Nenhum padre ousaria tanto, por mais que desejasse. Embora ousem para outras, mais secretas, mas desculpáveis.
O reacionarismo do Papa incomodou muita gente mas não chegou ao sucesso. Sucesso é assim, aparecer em todas as mídias, mesmo que seja para desaparecer. 
Sempre de fantasia.


Escrevo isso porque é um fato realmente inusitado, tão inusitado quanto a queda de um meteoro.
Tão inusitado quanto, ao que parece, é o tráfico de pessoas, incluindo meninos que vão para jogar futebol sabe-se lá onde. Tão inusitado quanto a polícia escoltar traficantes ou ficar com a metade da droga apreendida para vender. Tão inusitado quanto tortura na prisão. Tão inusitado quanto o Brasil.


Mas o Papa me deu uma boa idéia. Também me demito. 

Tudo o que tinha para escrever, já escrevi. Todos os assuntos que merecem denúncia, já denunciei. Tudo o que pude defender, defendi. Não quero começar a me repetir, e não sou assim tão criativa para escrever diariamente sobre a mesma coisa. Olho o mundo e a impressão que tenho é de que perdi todas as lutas, sempre uma voz dissonante que não encontrou eco, nadando contra a corrente, buscando a fonte.
Agora será diferente. 
Melhor viver o dia inteiro, o minuto inteiro, esperar que a flor se abra, que a aranha teça, incansavelmente, a sua obra-prima, esperar, como Joaquim Cardozo



Quando a luz surgir de novo, quando amanhecer
E o primeiro sol nascer
Sobre o dilúvio



16 de fevereiro de 2013

A RELIGIÃO E A FÉ

Não me incomoda a saída do Papa. Não me incomoda nem um pouco. Gostaria até que não houvesse outro. Nunca gostei de papas. Nada pessoal. É porque nunca gostei que o cristianismo se fizesse representar com tanta pompa, luxo e decadência. Nem admito que alguém venha dizer que representa Deus na Terra. Por quem me tomam?
Os fiéis acreditam. Para isso são fiéis. Os padres, os bispos, os cardeais - poucos são os que se dedicam a ajudar os pobres e os perseguidos. E omitem-se com soberba, vestidos com aqueles modelitos que inspiraram Fellini a criar um genial desfile de modas de vestes para o clero, do coroinha ao papa.
Todas as hierarquias se mantém por um fio. Intrigas, comprometimentos, traições - eis o alto escalão da Igreja. E agora mais essa, de contratar um banqueiro nos últimos minutos, antes de ir, demissionário, para Castelgandolfo passar uns dias.
A verdade é que se diz muita bobagem nas táticas de exploração. Uma delas mantém o povo cego e ignorante  usando dogmas e regras para o poder tentacular da igreja, que muitas vezes é suporte de governos arbitrários e violentos. Em outra a igreja mantém-se a si mesma ignorando os cegos e ignorantes.
O Papa nunca foi santo, e isso todo o mundo sabe. É preciso ser muito cínico para fazer de conta que não não existe vida sexual no clero. Talvez se os padres pudessem casar. Mas não. Preferem ir contra a natureza, desonrar e desonrarem-se e permanecerem padres pela glória da Igreja. E não há só isso. Há muito mais coisa na política palaciana.
A corrupção na Igreja é tão antiga quanto o tráfico de pessoas, tema que o novelão da Globo vem apresentando como grande novidade. Nem uma nem outro acabarão porque assim é o mundo, o mundo da exploração. Explora-se o corpo e o imaginário das pessoas. Pode-se apresentar provas e o fiel não lhes dará crédito. A fé é inabalável.

5 de fevereiro de 2013

RUBENS PAIVA (1929-1971)

É estranha a notícia de que afinal foi provada a tortura seguida de morte do Deputado  Rubens Paiva, nas dependências do DOI-CODI, em 1971. Parece estranha porque é uma verdade antiga. Um dia alguém disse: Rubens Paiva morreu torturado nos porões da ditadura. E não só eu soube, vocês também, todos, até aqueles que não estavam ligados ao movimento militar, nem sabiam que existia, souberam simplesmente porque leram no jornal. E foi manchete, obrigatoriamente, porque se tratava de um homem importante. E investigava coisas que não deviam ser investigadas.  
A verdade, todos souberam em seguida. O corpo desapareceu. Mas sempre tem alguém que vê, alguém que escuta, alguém que sabe. Só assim a notícia teria se propagado tão rápido, tão alto. Rubens Paiva foi preso, torturado e morreu. Não há corpo. Não há pistas sobre o seu desaparecimento. Mas alguém soube. O médico do Exército, por exemplo, soube. Terá dito a quem? Ou foi uma morte deduzida? Quem sabe algum torturador não tenha agüentado o peso na consciência. Quem sabe outro preso, esperando a vez, ligado nos movimentos, nas vozes, nos gritos, nos silêncios, de novo os movimentos, os passos, as chaves, as vozes, as botas, os olhos vendados, os ouvidos bem abertos, os golpes, a brutalidade. Tudo por causa do "avanço comunista". 
Nunca houve dúvidas em relação a esse fato. Só a justiça precisava de provas. Vejamos agora o que irá fazer com elas. Prenderá os algozes? Conseguirá levá-los a um tribunal que os condene ou ao menos humilhe-os e desmascare publicamente, do primeiro ao mais alto escalão? 
Talvez não. Com sorte, contam com as manchetes atuais, novíssimas, onde policiais armados jogam spray de pimenta e balas de borracha em presos seminus, ajoelhados, de costas. É uma imagem aterradora.
Mas os policiais não se importam nem com câmeras de segurança. Eles têm as armas. E é com elas que fazem justiça. Sempre foi.
Uruguai e Argentina, com ditaduras muito mais sanguinárias pagaram seus pecados. Nós não, nós não temos pecados. Cada um estava fazendo o seu dever.


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