28 de março de 2012

MILLÔR - UM PENSADOR



Há poucos dias morreu Chico Anysio e foi praticamente endeusado pela mídia global. Fiquei quieta.
Reconheço o talento de Chico Anysio na captação dos múltiplos tipos dessa babel que se chama Brasil. Mas um dia ele resolvoeu casar com Zelia Cardoso de Mello o que, na minha opinião, foi um deboche. ZCM - uma malfeitora. Devia estar na cadeia pagando por todos aqueles que ficaram sem dinheiro, pelas perdas de projetos e sonhos que estavam prestes a se realizar, pelo golpe baixo de mexer na poupança. Uma mulher perigosa que armou todo um plano para roubar - legalmente. Ela não ignora que muitas pessoas adoeceram, outras morreram, outros ficaram falidos. Ele, certamente, também não ignorava. Mas passou por cima de tudo e ofereceu-lhe a segurança do nome, o dinheiro do nome, o conforto da fama. Tudo por amor? Por favor. É um amor sem destino o que nasce na traição. Teve filhos, no entanto. Assegurou que uma mulher sem escrúpulos parisse filhos sem pátria.
Agora sim - morreu um humorista. De outro nível. De superior inteligência, de convicções firmes, de espírito livre - um pensador.
Adolescente eu já intuía aquela genialidade nas páginas de "O Cruzeiro", com o Pif Paf. Depois veio o Pasquim, a resistência única, apesar do reconhecido machismo. E junto com tudo a grande produção de desenhos, textos, peças de teatro, roteiros e traduções.
Os tempos mudaram, os pasquins se acomodaram. Mas Millôr não. Millôr era superior às acomodações, aos rapapés, aos tapinhas nas costas. Era grande amigo dos amigos de sempre, mas até aí. Trabalhou em muitos outros jornais, mas sempre com independência.
Onde teremos outro Millôr, que não se entregou às delícias da corte?
Hoje a morte é assim. Apenas sabemos a notícia, engolimos em seco. Logo outra virá. Há muito mais espanto do que luto. Não há nem tempo de chorar.
Quase no mesmo dia se foi Ademilde Fonseca, a Rainha do Choro, e então sufocamos, porque sabemos que há pessoas que são, de fato, insubstituíveis. E faltam poucas para que não tenhamos mais ninguém pensando com liberdade. Tomados pela massificação, nós, os sobrantes, corremos o risco de nos transformar, cada um, num elefante no caos.
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23 de março de 2012

O TERRORISTA E A AUTORA

Foi o poeta Alcides Buss quem me informou sobre a morte da poeta polonesa Wislawa Szymborska, no dia 1º de fevereiro. E eu só conhecia os poemas selecionados por Carlos Machado, no poesia.net Mas eis que morre, pouco depois de traduzida e publicada pela Companhia das Letras.
Assim é com os poetas. Morrem, e então vamos ler o que escreveram. Quem foi? Alguns têm uma segunda chance, outros se vão de fato para sempre. Daqui a 40 anos um deles será descoberto pelo pesquisador e terá sua obra reavaliada e divulgada. De que vale, pensam os autores, ansiosos por reconhecimento?
Vale muito, porque o que importa é a poesia, e é ela que ressurge, já que o autor não pode mais ressurgir.
Foi-se a poeta, aos 88 anos. Fumou o quanto quis. Se não fumasse talvez chegasse aos 90? E em que isso mudaria a sua vida? divertiu-se, ao menos. E morreu tranqüila, em casa, conforme dizem os jornais.
São dela os dois poemas que seguem, e com isso faço a minha homenagem. Logo eu, que gosto de homenagear os vivos. Mas é também como uma reverência, um abraço que seja, a todos aqueles que se sentem poetas, não sabem por que são e não viveriam se não fossem. Aqueles, os diferentes, que trazem uma faixa invisível e inútil de que são, nem sabem ao certo o que seja - poetas.
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O TERRORISTA, ELE OBSERVA
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Wislawa Szymborska
(1923-2012)
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A bomba vai explodir no bar às treze e vinte.
Agora são só treze e dezesseis.
Alguns ainda terão tempo de entrar;
alguns de sair.
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O terrorista já passou para o outro lado da rua.
A distância o livra de todo mal
e a vista, bom, é como no cinema:
Uma mulher de jaqueta amarela, ela entra.
Um homem de óculos escuros, ele sai.
Uns jovens de jeans, eles conversam
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Treze e dezessete e quatro segundos.
Aquele mais baixo tem sorte, sai de lambreta,
e aquele mais alto entra.
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Treze e dezessete e quarenta segundos.
Uma moça, ela passa de fita verde no cabelo.
Só que aquele ônibus a encobre de repente.
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Treze e dezoito.
A moça sumiu.
Se foi tola de entrar ou não
vai se saber quando os carregarem pra fora.
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Treze e dezenove.
Parece que ninguém mais entra.
Aliás, um gordo careca sai.
Mas remexe os bolsos como se procurasse algo
e às treze e vinte menos dez segundos
ele volta para buscar a droga das luvas.
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São treze e vinte.
O tempo, como ele se arrasta.
Deve ser agora.
Ainda não.
É agora.
A bomba, ela explode.
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RECITAL DA AUTORA
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Musa, não ser um boxeador é literalmente não existir.
Nos recusaste a multidão ululante.
Uma dúzia de pessoas na sala,
já é hora de começar a fala.
Metade veio porque está chovendo.
o resto é parente. Ó Musa.
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As mulheres adorariam desmaiar nesta noite outonal,
e vão, mas só ao assistir a uma luta colossal
Só lá as cenas dantescas.
E o ascenso aos céus. Ó Musa.
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Não ser boxeador, ser poeta
estar condenado a duras florbelas,
por falta de musculatura mostrar ao mundo
a futuro leitura escolar - na melhor das hipóteses -
Ó Musa. Ó Pégaso,
anjo eqüestre.
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Na primeira fila um velhinho sonha docemente
que a finada esposa ressuscitou e
assa para ele um bolo com passas.
Com fogo, mas não alto, para o bolo não queimar,
começamos a leitura. Ó Musa.
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