31 de agosto de 2010

O QUE HÁ DE NOVO - Parte 1

Foto: Reinaldo Cardoso da Cruz

Cheguei de Recife, de onde trago boas notícias. E antes fui à Bahia, de onde também trago boas notícias. Não sei o que há em todo o Brasil, mas posso testemunhar que a literatura nunca esteve tão viva, pelo menos nos lugares por onde andei.

O que tenho a contar é que fui a Maracás, interior da Bahia, para participar do projeto "Uma prosa sobre versos", que mensalmente convida um autor de poesia. O poeta convidado envia a sua obra antecipadamente e essa obra é selecionada para ser recitada pelo grupo Concriz, dirigido por Vitor Nascimento Sá. À frente do projeto, Edmar Vieira de Almeida, diretor de cultura da Secretaria Municipal de Educação que conta também com a colaboração sobre todas as coisas do poeta José Inácio Vieira de Melo.

O evento acontece no Auditório Municipal, que dá para a praça. O autor chega e pensa que está sonhando, vendo tanta gente querendo ouvir poesia. E quando começa o espetáculo, e aquelas crianças e adolescentes começam a oferecer, como se fosse algo totalmente novo, a nossa própria poesia, isso é emoção que dificilmente se esquece, e que dificilmente é contida. Grandes poetas estiveram lá, e todos eles ficaram marcados pela maravilha que é não só o trabalho, mas o fato de que existe uma cidade onde a poesia é lida constantemente, acariciada, transformada pelas vozes e a força de cada um dos membros do conjunto. Dessa maneira a poesia passa a ser algo natural, familiar, e todos se encontram aptos a conversar depois sobre ela, a fazer perguntas, dissipar dúvidas, matar curiosidades sobre o autor. E com que carinho, com que sinceridade fomos tratadas, eu e Luiza Viana, que estava comigo. Por isso digo que vim cheia de esperança. Porque a coisa mais bonita que eu conheço é ver que a gestão pública se movimenta no objetivo de oferecer ao povo não o que a televisão impinge, não o que o modismo aponta, mas a oportunidade do conhecimento da obra dos autores brasileiros que estão aí, vivos e acessíveis, além de proporcionar a expressão da sensibilidade dos jovens em formação.

No dia 11 de setembro estará lá Astrid Cabral. Tenho certeza de que também irá se emocionar. Tenho certeza de que irá emocionar o povo de Maracás. Existe coisa melhor para o poeta?

Acima, uma foto do grupo em cena. E a idéia deu tão certo que foi criado também um outro grupo, o Renascer, da cidade de Planaltino, que trilha o mesmo caminho: intimidade com a poesia, intimidade com cada pessoa que está ligada à realização de um projeto tão bonito, bom para o Brasil, para a literatura, para a cidadania, que é o que alcançam crianças bem nutridas e bem formadas. É sonho? Não é não, gente, é grandeza.
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5 de agosto de 2010

A MACONHA OUTRA VEZ

Andei pelo Brasil, e vim cheia de esperança. Vou contar. Mas aí me deparei com esse rascunho, que estava lá esperando sem ficar velho. E para não perder o fio da fumaça, reproduzo aqui o texto de Carlos Fialho, http://blogdofialho.wordpress.com/, que se animou com a marcha que aconteceu em Natal no último dia 30 de julho.

A verdade é que a coisa anda. E as verdades estabelecidas estão sendo contestadas por brasileiros em geral. Vai chegar uma hora que dizer não à legalização terá um péssimo efeito eleitoral, ao contrário dos ainda tímidos movimentos a favor. Mas a luta continua.

A MARCHA DA MACONHA
Carlos Fialho

Os jovens que marcharam na UFRN na última sexta-feira (30.07.2010) em defesa da liberação da maconha talvez nem saibam, mas foram protagonistas de um episódio histórico para Natal. Até bem pouco tempo, um ato semelhante a este seria impensável por aqui. Nessa capital com alma interiorana, temos o velho hábito de observar a vida alheia a partir das calçadas e janelas simbólicas da vida, verdadeiros tribunais sem direito a recursos ou instâncias posteriores, de onde tecemos juízo de valor sobre tudo e todos.

Um ambiente hostil como este resulta numa sociedade preocupada em excesso com opiniões alheias, seguindo hábitos e atitudes padronizadas pela maioria, pelos ditames de modas e frivolidades coletivas. É preciso manter certas aparências para ser aceito. Quem deseja transitar incólume pela zona de conforto da aprovação consensual não pode quebrar regras estabelecidas. Dos interesses culturais ao modo de vestir, tudo precisa seguir a cartilha.

O problema é que a cartilha em vigor faz de nós verdadeiros agentes da caretice. Homens e mulheres conservadores, assustadiços e frontalmente avessos a mudanças. Ela condena opiniões originais e ovelhas desgarradas, fazendo de Natal a cidade mais preconceituosa, machista, repressora e (o horror! O horror!) careta do Brasil. Nossa elite falida e, por extensão, nossa classe média odeia negros, pobres, mulheres com personalidade, gays e maconheiros. A mesma cidade que cultua a contravenção chique do lança-perfume, condena à fogueira os que se atrevem a experimentar a erva maldita.

Tudo isso, somado à boa e velha passividade do Natalense, cria uma situação de letargia e imobilidade difícil de reverter. No entanto, a sociedade, assim como você, o design automotivo e o vírus da gripe, pode evoluir. E esta evolução, que deixaria até Darwin surpreso, chegou até nós.

Algumas vozes tímidas e eventuais ergueram-se em meio a tirania do mesmo e manifestaram publicamente seu gosto musical “alternativo”, sua opção sexual distinta ou qualquer outra forma de subversão, levando à loucura os bastiões da elite natalense.

Porém, a primeira marcha da maconha vai mais longe ao reivindicar a liberação de uma substância proibida pela Constituição Brasileira. Um evento que eu julgava impossível de acontecer na terra dos magos reacionários. O próprio fato de as autoridades policiais terem ensaiado uma repressão e depois permitido, por pressão da opinião pública, é emblemático.

Demonstra que já admitimos opiniões diferentes. A marcha da maconha recupera em boa medida minha fé numa Natal melhor no futuro, com mais gente defendendo idéias e menos janelas para a vida alheia, com mais diversidade cultural e menos trios elétricos, com mais Casas do Bem e menos individualismos. Porque pra frente é que se anda. Ou se marcha.




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4 de agosto de 2010

O MEU VOTO É PARA MULHER

Dizem que a campanha política está frouxa. O que é que vocês querem? Depois que candidato precisou registrar CNPJ tudo ficou claro. Com isso fica estabelecido o jogo de interesses a que chamamos comumente de negócios, e mais modernamente, em virtude da invasão, de business, que mesmo assim todos insistem em chamar de política. Posso dizer que fiquei estarrecida, mas pelo visto mesmo quem soube não pareceu se importar.

De qualquer forma acho que a campanha está quente. Há duas mulheres na parada, e digam o que disserem eu as acho lindas. As duas. Duas mulheres concorrem ao cargo de presidente do Brasil e isso não é fácil, meus amigos. Não é fácil enfrentar o machismo, o cinismo, as abusadas práticas masculinas "no trato" com as mulheres.

São capazes e corajosas, as nossas candidatas.

Ao contrário do que dizem, a campanha não está fria, está quente. Alguma coisa está em ebulição porque estamos no Brasil, esse maravilhoso e atrasado país e ainda assim há duas candidatas. E elas vão ganhar!

Valem ainda os costumes, e os costumes nunca favorecem a mulher. Existem as leis, mas leis são insuficientes. Existem os serviços, mas os serviços não são eficazes. As mulheres precisam de tudo o que lhes foi negado. Há muito tempo que eu acho, e até escrevi sobre a criação de um partido das mulheres, onde elas se organizassem de modo próprio, sem o modelo masculino. O partido não aconteceu, mas aí temos duas candidatas.

Lula venceu um dia e era operário. Quem diria? Um negro venceu nos Estados Unidos. Decepcionou? Não interessa. Sempre é um avanço. O próximo passo é a vitória de uma mulher. A história é assim, lenta, cansativa, só responde de geração em geração. Não é para ver. É só para avançar.


O título da postagem não é meu. Foi como respondeu o André, moço bonito que vende quiche na praia, ao ser perguntado sobre em quem ia votar. Não teve dúvida: Meu voto é para mulher. Gostei da resposta e lhe disse: Isso é que é voto de homem!

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MACONHA, PORTA DE ENTRADA?

Desculpem se insisto, mas quero compartilhar com meus persistentes leitores esse texto primoroso que por acaso se refere à maconha.
Marcos Rolim é advogado e político gaúcho. Lembro dele, dos meus tempos de Assembléia Legislativa no Rio Grande do Sul como um quadro novo do PT que se dedicou, no primeiro mandato, à questão (ou ao imbroglio) da segurança pública. Lembro das discussões que conduzia, dos interrogatórios...e dos resultados. Achava-o um pouco autoritário, mas muito inteligente e muito rápido no raciocínio. Bom orador.
Pois o tempo passou, e eis que aquele valente militante, depois representante do PT está agora às voltas com o assunto que é mais grave que o caos da segurança pública e o tráfico de traficantes. Trata-se do crack - a peste.
Não posso convencê-los? Fiquem com Marcos Rolim. Garoto inteligente. E como escreve bem!
E ó, não é propaganda não. Nem sei se ele é candidato. Nem mesmo se ainda é deputado. Me interessam as idéias.

MACONHA PORTA DE SAÍDA?
por Marcos Rolim*


A epidemia de crack é um dos fenômenos mais sérios na interface entre saúde pública e segurança. O que a faz particularmente grave é a reconhecida dificuldade de superar a dependência química. Pois bem, a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) realizou pesquisa com 50 dependentes químicos de crack que foram submetidos a um tratamento experimental de redução de danos. Sob a coordenação do psiquiatra Dartiu Xavier, o grupo foi tratado com maconha. Daquele total, 68% trocou o crack pela maconha. Ao final de três anos, todos os que fizeram a troca não usavam mais qualquer droga (nem o crack, nem a maconha). Anotem aí: todos.
Imaginei que, com a divulgação destes resultados por Gilberto Dimenstein, na Folha de S. Paulo em 24 de maio, haveria grande interesse sobre o estudo. Nada. A resposta ao mais impressionante resultado de superação da dependência de crack no Brasil foi o silêncio. O uso medicinal da maconha tem sido admitido em dezenas de países, inclusive nos EUA. Por aqui, o tema segue interditado pela irracionalidade. É evidente que o consumo de maconha pode produzir efeitos danosos. Sabe-se que o abuso pode conduzir o usuário a problemas de concentração e memória e que em determinadas pessoas o uso está correlacionado à precipitação de surtos esquizofrênicos. Daí a criminalizar seu consumo e impedir experiências destinadas ao uso medicinal vai uma distância que tende a ser percorrida pela intolerância e pelo obscurantismo.
O psicofarmacologista Eduardo Carlini sustenta que o princípio ativo da maconha pode ser útil no combate à depressão e ao estresse. O mesmo tem sido dito por cientistas quanto ao tratamento do glaucoma, da rigidez muscular causado pela esclerose múltipla, ou como apoio aos pacientes com Aids, aos que sofrem do mal de Parkinson e aos que se submetem à quimioterapia em casos de câncer. Estudo da USP com pacientes que ingeriram cápsulas de canabidiol, um dos compostos encontrados na erva, demonstrou resultados positivos no tratamento da fobia social e na redução da ansiedade.
As oportunidades abertas por estudos do tipo, entretanto, assim como a necessária pesquisa, estão impugnadas no Brasil por um discurso preconceituoso e por uma legislação ineficiente e estúpida. Seguimos repetindo que a maconha é “a porta de entrada” para o consumo de drogas mais pesadas, o que pode traduzir tão-somente uma “falácia ecológica” (quando se deduz erroneamente a partir de características agregadas de um grupo), vez que o universo de consumidores de maconha é muitas vezes superior ao grupo dos dependentes de drogas pesadas que se iniciaram pela cannabis. Em outras palavras: é possível que a maconha seja mais amplamente uma opção alternativa às drogas pesadas e não uma droga de passagem. Independentemente disto, é possível que a maconha seja uma porta de saída para a dependência química por drogas pesadas. O que, se confirmado, será uma ótima notícia.

marcos@rolim.com.br

*Jornalista

Texto publicano no Jornal Zero Hora de Porto Alegre, RS
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