30 de janeiro de 2012

POBRE MUNDO

Ao abrir o blog encontrei um aviso sobre mudança nas regras de privacidade do Google. Sabe-se lá o que significa e quem sabe algum dia serei enquadrada em alguma coisa. Mas isso já não importa, com a vida correndo por um fio.
A cada momento o fio se rompe em algum lugar: a cidade grita. O edifício cai, o bueiro explode, o oleoduto fura, a terra desliza, treme, se transforma em lama, o navio naufraga, o poste, o gás, o avião, o gás, a estrada que se parte, os cabos, os guindastes, a fumaça, o arame que segura o parafuso, o bonde desgovernado, tudo acabado.
Cada vez mais ficamos marcados por uma tragédia que se não chegou a nós, esteve muito próxima. Até no teatro você está por um fio. Ou por um cabo. Não há tempo para fôlego. Ninguém é poupado de sumir, no meio de uma palavra ao telefone. Sem pensar que isso não está acontecendo. Sem tempo até para um último pensamento.
E se você ainda encontra a polícia? Deus do céu! É isso a vida? Isso é o progresso em nome do qual destruímos tanto? Estávamos destruindo o mundo pensando que o construíamos.
Agora os milagres acontecem às avessas. Não trazem epifanias, mas perplexidade e dor.
Lamento, com vocês, esse janeiro, que antes era uma estação tão propícia ao amor, às noites quentes, pesadas de estrelas, em que nos alongávamos nas conversas, sem medo do amanhã. Hoje em dia, por mais que abusemos dos superlativos, sabemos que o tempo encolhe. Não nos enganemos.
O mundo vai ficando cada vez mais cinza.
.....
..........
POBRE MUNDO

Idea Vilariño
trad. de Sérgio Faraco

Vão desfazê-lo
vai voar em pedaços
no fim rebentará como uma bolha
ou explodirá glorioso
como um paiol de pólvora
ou mais simplesmente
será apagado
como se uma esponja molhada
apagasse seu lugar no espaço.
Talvez não o consigam
talvez venham a limpá-lo
E perderá a vida como a uma cabeleira
e ficará girando
como uma esfera lisa
estéril e mortal
ou menos belamente
andará pelos céus
apodrecendo lentamente
como uma chaga só
como um morto.



...

16 de janeiro de 2012

O CRIME DA FURADEIRA

Ao povo, nada. Eis o critério de justiça no nosso estado "de direito". Entre um policial, que é "dos nossos"
e que está vivo, a um politicamente pobre, que inclusive já morreu, fiquemos com o primeiro. Sai a sentença: o policial é inocente. A viúva não fala em recorrer. Recebe uma pensão do Estado e foi indenizada. De novo a mesma premissa: Hélio (o marido) está morto e ela está viva.
Ninguém diz quanto custou a vida de Hélio Barreira Ribeiro, de 46 anos, morto por um tiro de fuzil quando pregava uma lona no terraço de sua casa, no Andaraí, usando uma furadeira. Convenhamos, não é comum morrer assim. Ele estava no terraço de sua residência, diz a notícia. O policial estava a aproximadamente 30 metros de distância, segundo laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, quando atirou contra a vítima. O fiscal de supermercado foi atingido no pulmão e no coração.

Quem era Hélio Barreira Ribeiro? A quem interessa esse personagem de bastidores que aparece apenas para mostrar que até disso, uma coisa inverossímel, a polícia é capaz?


Lá se foi - um brasileiro - estava pregando uma lona. Estava na sua folga. Ou era fim de semana. A mulher tinha insistido para colocar a lona. Ele se dispôs, tudo bem, vamos lá. Quem poderia supor?

E qual foi a arma do crime? Uma furadeira, amigos. Uma prosaica furadeira levou (eu ia escrever deu cabo) o cabo do BOPE a atirar contra Hélio.
O juiz diz que a justiça foi feita. Que o cabo estava nervoso.
Não é o único caso de brasileiro que morre pelas mãos do Estado. Não será o último. A polícia está alerta para que casos assim se repitam.


O inusitado do caso é a furadeira.

Mas a culpa, a culpa mesmo, foi dos vasos de xaxim.



A FATALIDADE
Murilo Mendes

Quem me conduz meio tonto
Sobre esses campos noturnos
E as florestas de cristal?

Inventaram minha infância
Nas asas da proporção
Por isso aqui neste mundo
Não cheguei a me destruir.

Por isso aqui neste mundo...
Mas o outro mundo, quem sabe?

Batem-se ângulo e esfera
Na minha cabeça azul:
Guerra ou paz, quem vencerá?

Sairei despovoado
Deste amor e desencanto,
Desta amargura sem véu.

...
...