22 de maio de 2014

LARGANDO O VÍCIO

Ai ai ai como é difícil. Vocês sabem, ou não sabem, mas eu sim. É um esforço enorme entre o corpo e a razão, entre os argumentos sólidos e imagens insólitas e sedutoras.
As sensações, as chamadas. Querer saber, querer ir sempre mais, como vai ser a próxima, como será viver sem isso, sem isso que chamamos vício - aí está ela outra vez, a palavra fatídica.
Já são 8 dias.  É pouquinho, mas só eu sei como me custa. Passo por ali, olho, está ao alcance da mão. Dali saem sentimentos que nem são meus, idéias que não me apaixonam, em debate incessante entre o que se quer e o que não se quer mais. Mentiras, imprecisões. Mas eu pensava: preciso. Preciso disso, é de onde retiro a revolta que me impele, que faz sair de mim, ainda, um fiapo de voz, que mais do que isso não sou.  Os sonhos todos de uma vida pulam fragmentados e inúteis. E que faz uma velhinha depois das 19h, com todo o perigo nas ruas?
8 dias é pouquinho, mas é alguma coisa. Mais 24h. 
E não adianta não ter. Não quero mais, vou jogar no lixo. Não tendo é pior. Não ter traz um desamparo, uma sensação de que, agora sim, você está sozinha no mundo. Não há remédio, não há companhia. Você está sozinha e não tem ninguém para chamar. O que tem é essa muleta ostensiva, enganadora e comprometida que me engana e me destrói.
O que tem é a ignorância contra a qual não posso mais lutar.

Uma vez deixei. Foi tão bom! Foi a época mais criativa da minha vida. Depois caí de novo no engodo.


Ajudem-me, amigos, é preciso força.


Estou há 8 dias sem ver televisão.


E você aí, pensando bobagem, hem?


...

20 de maio de 2014

UM POUCO DE LITERATURA

Konstantinos Kaváfis
Há poucos dias li no jornal queixas do editor executivo da editora Record dizendo-se perplexo em relação aos autores convidados para a FLIP, relativamente à presença limitada de literatura brasileira.
Ora, ora. A primeira edição da FLIP foi em 2003 e desde então já mostrou a que vinha.  Nos anos seguintes (ou no mesmo, não sei) organizou-se a off Flip (tudo pelo idioma nacional) para quem não tinha conseguido derrubar as barreiras e chegar ao evento oficial, com alguma abertura para escritores que não tivessem mídia.  Algumas editoras abriam suas bancas à noite e com declamações e shows, de alguma forma vendiam. Mas logo a Livraria Cultura junto com a organização da FLIP criou mecanismos para impedir essas participações independentes e garantir o monopólio 
Em 2009, quando inaugurei este blog, o tema foi justamente a FLIP e suas boas intenções. Os autores, com os livros na mão, eram perseguidos pelos guardas (?) da Feira, que lhes tomavam até os livros e, para não perder o hábito, também corriam com os artesãos de sempre. Houve manifestações. Chico Buarque reclamou.

Portanto, onde esteve até hoje o senhor editor da Record, que só agora viu isso e resolveu fazer a sua manifestação?  

PS. Mesmo a off FLIP cobrou dos candidatos ao concurso de poesia deste ano a módica quantia de 90 reais, de onde se conclui que só é off porque não pode ser on.

Mas a idéia não é falar na FLIP, e sim de literatura, conforme a chamada.
Vai aqui, portanto, essa obra-prima em que nos reconhecemos na história de todos os tempos.


À ESPERA DOS BÁRBAROS

O que esperamos na ágora reunidos?

      É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

      É que os bárbaros chegam hoje.
      Que leis hão de fazer os senadores?
      Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

      É que os bárbaros chegam hoje.
      O nosso imperador conta saudar
      o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
      um pergaminho no qual estão escritos
      muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

      É que os bárbaros chegam hoje,
      tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

      É que os bárbaros chegam hoje
      e aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

      Porque é já noite, os bárbaros não vêm
      e gente recém-chegada das fronteiras
      diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.


* este blog não segue as regras do acordo ortográfico.

...

11 de maio de 2014

DIA DE APROVEITAR





1 º - Porque a Marcha da Maconha foi ontem e apesar da chuva que caiu bem na hora , tudo correu bem até que mais tarde choveu pra valer.
A concentração já prometia, com a moçada fumando livremente e aproveitando a vista da praia com um solzinho que se despediu rápido.
A Marcha agora, conforme constatamos eu e Luiza, está mais misturada. Não é só do pessoal da zona sul. A galera era diversa em origem, mas identificada na causa. E cada vez mais animada.
Essa sensação de liberdade, de poder fumar na rua, sem que ninguém incomode e sem incomodar ninguém, a alegria, a música, a criatividade dos modelos, dos cartazes, a beleza da juventude - viver isso é quase um fenômeno hoje em dia, numa época de medo e tensões.
Com essa gradual mudança de paradigma em relação às drogas, com o seqüestro do ônibus, com a grande movimentação dos sem teto, com o trânsito caótico - parece que a polícia tem mais o que fazer e não incomodou, a não ser, claro, para interditar um ônibus que vinha com a galera de Magé porque "acharam um baseado". Repetindo o refrão, se é para incomodar, incomodemos a periferia.
Dito isso, se não tinha polícia também não tinha muita mídia, já que a mídia gosta de confusão, preferencialmente com um pouco de sangue.

2º - sempre achei que esse dia das mães era só um apelo midiático para movimentar o comércio, embora não ignore que algumas mães só nesse dia têm os filhos por perto, e mesmo assim só por algumas horas.

Estou fora, portanto, de comemorações públicas ou privadas, feliz porque meu filho entende isso. E não me adiantaria nada ser mãe se eu não fosse contente com meu filho a quem declaro publicamente o meu amor e minha admiração pelos tantos talentos que, sendo que o maior deles (manifestado há cinco anos) é o de ser um pai de verdade. 

3º porque o poeta Marcus Fabiano Gonçalves postou no Youtube e em seu blog a gravação do meu conto Vulvera vitae, que apesar de assustar até hoje a mim mesma, não deixa de ser uma versão do que se passa em algumas intimidades, agravada pela liberdade da ficção.


Pelo carinho dos amigos, também de verdade, aproveito e reparto. 

* este blog não segue as normas do acordo ortográfico

9 de maio de 2014

MACHADO A MARTELO



A poesia é uma arma carregada de futuro. (Gabriel Celaya)






Na onda das adaptações literárias, com ênfase n´"O alienista", de Machado de Assis, em que podem ser identificados tantos outros alienistas, fico pensando que a coisa não é tão pior do que resumir livros. É apenas igualmente ruim.
Há muito tempo existem livros que "resumem" as obras consideradas mais difíceis ou muito longas. Já me ofereceram um resumo de "Dom Quixote" e de "Os Sertões". Isso foi há mais de 10 anos. 

"Facilitar a linguagem", no caso da obra de Machado de Assis, é irmã do "resumo" e ambos são filhos da preguiça. Quem não quer ler não quer ler e pronto, e isso não diz respeito apenas às pessoas sem privilégios. Tem muito garoto com acesso a tudo que também não lê.
O que se imaginava até agora é que há uma idade em que os adolescentes "não querem" saber de coisas que não digam respeito ao seu próximo e ainda pequeno universo. Mas sobre isso posso contar, também resumido, o caso recente de uma professora de escola pública que resolveu ler para seus alunos "Os Miseráveis". 
Não se sabe se foram as forças do universo harmonizadas ou se a professora soube ler no texto tudo o que ele contém, ajudando suas colegas a acreditar que nem tudo está perdido, o fato é que os alunos começaram a "adorar" Os Miseráveis, por cuja leitura, em partes, esperavam com ânsia e paixão. Não faltaram mais, chegavam cedo e ficavam em silêncio na hora da leitura. Depois debatiam sobre o tema. Na continuação, foi-lhes mostrado também o filme, do qual também gostaram.  
O que foi isso? Então não é preciso adaptar nem resumir a obra para leitores que, a princípio, não o são?
E o trabalho todo do escritor na busca da palavra exata, não vale nada? Centenas de páginas com miles de parágrafos meticulosamente escritos, pensados, substituídos, corrigidos à exaustão - isso não significa nada frente à necessidade de fazer com que o leitor entenda o livro? Ora, o livro só se fará entender se estiver obedecendo a escolha da palavra e da forma usada pelo autor. Fora isso, deixa de ser o livro, ou pelo menos "aquele livro", cujo título será usado não para divulgar a obra literária, mas para vender um trabalho alheio com a desculpa de "facilitar" o entendimento.
Mais fácil é pouco para quem quer aprender. O importante é despertar a curiosidade pelo difícil, informar (aí sim) aos alunos, que se lerem fácil serão medíocres, mas se dominarem o difícil serão outros, melhor formados. 
Vamos parar com essa bobagem de que o que vale é a informação e enfiar na cabeça de quem pensa que "pensa a cultura" que o que vale mesmo é o conhecimento. A informação é superficial e demasiada. O conhecimento é profundo, e sempre insuficiente.

O assunto vem à tona também para lembrar a morte do escritor português Vasco Graça Moura, posicionado desde o primeiro instante contra a reforma ortográfica que, na sua opinião, serviu apenas a interesses empresariais. A ela os brasileiros, vergonhosamente, aderiram sem maiores discussões.
Sobre o assunto, também se posicionou Mia Couto quando disse "Não faço guera contra a reforma, mas acho absolutamente absurdo o fundamento da necessidade de fazê-la. Evidente que é uma coisa convencional, não vai mudar a fundo as coisas, mas as implicações que isso tem do ponto de vista econômico acabam sempre por sobrar  para os países mais pobres. Com esse dinheiro pode se fazer coisas mais importantes. 

Há portanto, uma conspiração contra a língua, contra a literatura, contra a memória dos nossos grandes escritores, contra a liberdade dos escritores em ação e, principalmente, contra o Brasil que, a seguir assim, conseguirá apenas ser maior em relação ao número de miseráveis, com uma população cuja cultura é feita a martelo.

* este blog não segue as normas do acordo ortográfico   

8 de maio de 2014

UM ESTRANHO NO NINHO

Viajei. Fui ver o Brasil de perto. As informações passam ao largo da realidade e se vierem via Globo e seus tentáculos, aí vem a parte mais nefasta, porque a organização prima por combater o País. Por isso fui. Por não acreditar em informações duvidosas e, naturalmente, porque sei que este país continente é muito mais do que aqueles que não o merecem. Estava certa.
Foi durante a viagem que soube do crime. Terrível demais, absurdo demais para que a nossa razão alcance, mas a sensibilidade é golpeada de uma tal maneira que traz, até para quem não tem filhos, a dor da perda de um.
De lá, recebi de meu amigo e poeta Daniel Santos este desabafo

Eu sei, eu sei, está tudo uma merda, mas não dói especialmente saber da morte desse garotinho gaúcho? Gente, os detalhes são de uma solidão, de uma dor, que nem sei! Ele era tão rejeitado pelo pai e pela madrasta que procurou a Justiça para lhe arranjarem uma família adotiva. Arranjaram uma gente ótima, ele se deu maravilhosamente bem nesse novo lar, mas o pai conseguiu de novo a guarda do pequeno mártir que, muitas vezes, ficava do lado de fora da casa, pq não lhe abriam o portão, e ele tinha de pular o muro! Mal comia, mal vestia, mal se banhava, não ligavam para ele de jeito nenhum! Parece que o pai consentiu e a madrasta aplicou-lhe uma injeção letal com a ajuda de uma amiga. Que gente, que horror! Depois, enterraram seu corpo na mata e saíram pela cidade procurando por ele - uma cidade já cansada de saber que a família rejeitava inexplicavelmente o garoto tão querido por todos. Segundo a delegada, a madrasta chegou a sorrir ao confessar que se livrara dele!!! O que somos nós, ao final das contas? O que está acontecendo com o povo brasileiro?

Eis uma pergunta que estamos nos fazendo todos os dias. 
Pensando friamente, é verdade que haverá sempre psicopatas, e que com o aumento ininterrupto do crescimento populacional o número deles aumenta proporcionalmente, por isso hoje são tantos, conforme se constata, os casos de pais que matam filhos estimulados pelas atuais. Mas quanta maldade, quanta frieza, quanto escárnio nesses crimes. Como explicar e, pensando bem, para que explicar, se outros morrerão ainda brutalmente?

Logo depois Daniel escreveu, confirmando isso, na certeza de que ainda enterraremos outros Bernardos.


Estranho no ninho


* Por Daniel Santos



Houve antecedentes, sim. Por exemplo, a noite em que despertou esfaimado, e esfaimado voltou à cama. “Falta comida”, alegou a mãe, embora ele soubesse que havia ainda na despensa muito de comer.

E assim foi a vida inteira. Não só a mãe, mas também pai e irmãos excluíam-no, mais por indiferença do que por agressividade. Era como se não reconhecessem nele um semelhante, o que mais tarde evidenciou-se.

De fato, com o tempo, percebeu que seu rosto arredondava-se, enquanto o dos demais estreitava-se como um focinho. Pior, ao contrário dele, glabro, sua família cobria-se de pêlos por todo o corpo, hirsuta!

Entre si, emitiam guinchos como roedores. Algo que constatou na noite em que divertidas risadinhas atraíram-no aos fundos da casa. Lá, a  desconcertante revelação: a família atirava pedacinhos de pão a ... ratos!

Aos ratos, alimento e carinho. A ele, olhares compreensivos que diziam “algum dia, você teria de saber”. E não o escorraçaram. Mas, daí em diante, a porta ficou sempre aberta para quando decidisse partir.


5 de maio de 2014

LIBERDADE PARA A MACONHA

Passarinho não voa para trás.
Há muito tempo voa esse pássaro da liberdade procurando encontrar quem o compreenda. O Uruguai sai na frente enquanto o Brasil, maior, mas atrasadinho na questão, segue uma obsessiva (e disfarçada) perseguição ao tráfico que a própria polícia alimenta e que nada mais é do que uma carta branca para matar. 

A marcha de São Paulo foi bonita demais e a do RIO, SÁBADO, DIA 10, também promete, assim como as das demais 21 cidades onde a marcha acontecerá até junho, com energia renovada, entusiasmados que estão os militantes com a coragem dos vizinhos e a quantidade de adeptos que, saídos do nada, aparecem agora como velhos defensores. Tudo bem. É como sair do armário. 
A sociedade, finalmente, está entendendo que legalizar é diminuir, em sua maior parte, os motivos da guerra contra os pobres, em que morrem ou são presos os jovens de 18 a 25 anos, para cumprir penas absolutamente desproporcionais ao peso, ao preço e aos efeitos de um baseado. Por outro lado, a justiça deixa impunes matadores de crianças.
A guerra civil, que tanto medo tem causado às autoridades (não por causa das vidas perdidas, mas pelas más repercussões pré-copa) começaria a desmoronar com a legalização. Com certeza diminuiriam as mortes e o campo de atuação da polícia corrupta. Além disso, extingüiria, entre os jovens das favelas, a opção pelo tráfico. 
As ações, os tiroteios, as mortes mal explicadas, tudo isso que tanto tem assombrado as autoridades,que se encontram frente a frente com um problema insolúvel, acabariam a fim de que a polícia se dedicasse à segurança pública, que é a sua finalidade, e não a humilhar, perseguir e matar usuários de maconha, substância muito menos nefasta do que o cigarro ou o álcool, conforme todo o mundo está cansado ode saber.
A marcha é no sábado, dia 10, no Jardim de Alah.
O mês é maio.
E a liberdade é verde.

* este blog não segue as normas do acordo ortográfico