16 de março de 2013

JUSTIÇA ATRASADA


A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta.
                                                                                                                           (Rui Barbosa)


Peço-lhes que me perdoem. Tive um momento de demência ao julgar que poderia viver sem escrever. E ainda seguindo os passos de quem? Vade Retro. 
Talvez fosse coisa de um remédio que passei a tomar. Nunca se sabe a que estado de alucinação podem nos levar os remédios, e também os médicos.
Enfim, graças ao empenho de todos os amigos, que trazem em si a Poesia, e por ela mesma, que sempre me salva, retorno. Quem pode dizer que não é feliz com tantos amigos? Não os cinco ou dez mil, mas os especiais, os que quereremos e admiramos. Isso faz de nós um mundo. 

Depois de uma fase investigativa sobre o silêncio dos meus órgãos, uma viagem e uma ausência de comunicação com o mundo durante 15 dias, graças ao ""avanço" da tecnologia, retorno quando tudo já é passado. A morte do poeta Francisco Carvalho, a morte de Hugo Chávez, o Papa, Bruno. 
O presente são os royalties, a polícia, o caos. 
Por mim, não entendo de negócios, mas pouco me interessam os royalties se servem apenas para obras caríssimas e não para atender as necessidades urgentes da população. Se os temos, não percebemos.
Agora, a polícia e o caos percebemos, diariamente. Ninguém está a salvo.

CASO HERZOG - O que vi ontem lembrou um pouco aqueles filmes americanos em que as forças armadas vão às casas dos seus "heróis" deixando-lhes, no lugar do filho, uma medalha. Ou enterros pomposos, de galardões e cornetas. Roupas brancas, soldados impecáveis.
O governo brasileiro pede desculpas por fatos ocorridos há 38 anos, quando era outro o governo. Mas depois de 38 anos? É aí que entra a frase de Rui Barbosa. É esse o tempo necessário para se fazer justiça? E que justiça? Uma nova certidão de óbito que, obviamente, certifica, desta vez, que Herzog morreu por "lesões e maus tratos"? Por que o eufemismo? Terá sido um termo "negociado"? 
Também Alexandre Vanucchi Leme, morto aos 22 anos, foi reconhecido como anistiado. De que vale isso?

As famílias são mesmo muito frágeis. Contentam-se com referências. Sempre querem trazer "o seu morto". O morto conhecido, querido.
Sabe-se lá quantos morrem todo o dia de tortura. Os escolhidos para uma "abordagem", os arrastados para os terrenos baldios, os que morrem nas viaturas ou nas celas, também jovens. 
Mas é assim mesmo, nas palavras de 
Wislawa Szymborska


Nada mudou.
O corpo sente dor,
necessita comer, respirar e dormir,
tem a pele tenra e logo debaixo sangue,
tem uma boa reserva de unhas e dentes,
ossos frágeis, juntas alongáveis.
Nas torturas leva-se tudo isso em conta.


Quanto ao Papa, não o reconheço autoridade de coisa nenhuma porque não acredito na Igreja Católica e acho que é culpada de muitos erros que persistem, sendo o primeiro a vaidade e a paixão pelo poder. Não concordo com a  pompa, o suntuosidade, a luxúria. Não acho que combine com Cristo. Desconfio do que é fechado às mulheres, das falas baixas, das batinas, das jóias e dos mistérios, graças a que a Igreja Católica persiste. E me sinto completamente desgarrada nessa onda de adoração. Mas o novo Papa quer que a sabedoria chegue aos jovens. Por celular, certamente.

Mais um comentário, por engraçado: o pesar com que os jornalistas da TV Globo anunciaram o nome (e o país) do novo Papa. Era evidente que estavam decepcionados, e não conseguiram controlar essa decepção. Já queriam uma nova torcida, a TV cobrindo, a pauta completa para vários jornais repetitivos. Um BBB papal, quem sabe. Por que não? Se Luciano Huck é um pretenso candidato, se Pezão é um benfeitor e o petróleo ainda parece nosso, tudo pode acontecer.

...

O RUI ESTÁ NU



Há pouco tempo o Presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, Wanderley Guilherme dos Santos, ao deixar o cargo, saiu atirando contra os pesquisadores e funcionários da Fundação. Os intelectuais da Casa se levantaram em defesa da instituição. O ex-Presidente retratou-se, em parte. Muita conversa deve ter rolado naquele que é, desde que conheço, um feudo de intelectuais a que todos almejam. Mas sem concurso há 10 anos, não há quem alcance. 

De minha parte, desde que entrei pela primeira vez nos jardins da casa tive uma surpresa. Uma estátua de Rui Barbosa, na entrada, mostra-o com o peito nu. Não entendi até agora a intenção do escultor porque Rui Barbosa, um diplomata, sempre de casaca e colarinho alto, jamais se deixaria retratar para a posteridade e exposto assim, contrariamente aos costumes do seu tempo. Talvez seja para lembrar sempre que aqueles que pensam que seus lugares estão garantidos podem ser surpreendidos por quem observa que o rei está nu. E aí tudo muda.
De minha parte, que venho do povo, a única coisa que posso dizer é que os jardins, tombados pela Casa, são "administrados" de maneira atrasada e burra. 
Os jardins da Casa de Rui são a única área verde nas redondezas, a única onde se pode levar crianças, crianças pequenas, até cinco anos, porque as mais velhas já não se interessam por olhar borboletas e fazer bolinhos na areia. Areia? O chão dos jardins da Casa de Rui nada mais são do que uma terra dura e pedregosa, que não raro machuca as crianças. Ainda assim elas não podem lavar os pés nos tanques, nem andar na grama, nem dar comida aos peixes. Há uma quantidade de guardas a impedi-las de tudo. A casa está tombada, os jardins também. Mas estará tombada a grama?
Na contramão de todos os países civilizados, onde andar na grama é livre, na Casa de Rui não pode.
As crianças não podem dar comida aos peixes, não sei se para matá-los de vez, o que fatalmente acontecerá com aquela água permanentemente suja e a evidência de que os peixes têm fome.
Como vêem, não me interesso por fofocas palacianas, apenas me preocupa o fato de que uma instituição tão considerada não olhe para além de suas paredes e de seus interesses. 
Ah!, outra determinação da administração é que se entre casais, um quiser deitar no banco e colocar a cabeça no colo do outro - não pode. 
Será porque Rui era de moral muito rígida? Ou será porque temem os sentimentos onde só reina a razão?
Não sei. Só sei que quando chego aos jardins da Casa de Rui tenho-lhe pena de estar assim, tão magrinho, tão desprotegido, e preparo-me para suportar as normas ditadas por quem não entende nada de parques, de jardins ou da importância que eles têm na vida das crianças. 
Tenho pena de quem dedicou sua vida ao Brasil, a esse mesmo Brasil onde os intelectuais permanecem em
salas refrigeradas, com suas pesquisas que ninguém lê, com seu desinteresse por coisas que não sejam próprias, com sua frouxidão em relação aos rumos políticos do País.

...

TIA LOLA




Quando tia Lola ficou doente e foi de emergência para o hospital, o quadro logo se mostrou grave.
A mãe começou a falar no assunto para a filha, Cora, que não completou 4 anos.
Cora é a princesa da família, a única criança de uma família de adultos, na maioria mulheres. Cora é a filha de todos, a super-amada, e a todos responde com carinho e cuidado. 
A mãe disse que tia Lola tinha ficado doente e fora para o hospital.
Que rezassem para ela ficar boa. Cora interrompeu: ... Ou morrer, não é mamãe?  

Tia Lola foi para o hospital, esteve ainda poucos dias lúcida, foi para o CTI e logo se foi.
A mãe foi ao enterro, que estava tão triste, e na hora das despedidas, num impulso, sob muita emoção, contou essa história que lhes conto.

Quando soube da morte de Lola, precisei dizer à Cora. Ela então me disse que não ficasse triste; que a tia Lola tinha ido para um palácio muito lindo que existe no céu, onde as pessoas deixam suas asas quando vêm ao mundo. Quando morrem, elas partem outra vez para lá, recuperam as asas e viram anjos.

Em seguida apontou para o céu e exclamou, muito alegre: Olha lá mamãe, a tia Lola! Tchau, tia Lola! Tchau!

Mamãe, você não vai chamar ninguém para ver?

Tchau tia Lola!




Fev/2013