27 de maio de 2015

Ahã! Quando acabar o maluco sou eu (Raul Seixas)

Passei ontem na Praça XV e não pude deixar de ver (nem o meu nariz de cheirar) uma dessas coisas horríveis que a Prefeitura houve por bem instalar na cidade como se fossem banheiros e que chamou, desgraçadamente, de UFA, ou Unidade de Fornecimento de Alívio. A sigla pode ter sido considerada um achado para publicitários, mas é, a meu ver, um deboche. Como é que uma pessoa pode se aliviar numa "unidade" em que ela fica praticamente exposta enquanto faz as suas necessidades? Líquidas, naturalmente, que correm pela rua (porque não funcionam como deveria funcionar) e, sob o céu a pino, trazem aos logradouros o cheiro do Rio imperial, que não é muito diferente do cheiro da Av. Brasil há 100 anos, e assim há de piorar. Cheiro de uma cidade que apodrece.
Quando falo que o instrumento/aparelho/banheiro é ruim para todos, falo principalmente nas mulheres porque se uma mulher quiser fazer xixi terá que baixar as calcinhas. Ao baixá-las, elas ficam aparecendo porque há um grande vão entre o aparelho sanitário(?) e o chão. Vai daí...
Não se sabe até hoje quem foi que inventou as tais ufas, mas deve ser um imbecil total. E mais imbecil ainda é a prefeitura que não se envergonha de dar(?) à população há tanto tempo sem banheiro a alternativa de continuar pedindo para usar os banheiros de bares e restaurantes que teimam em informar que "o uso dos banheiros é só para clientes". Às vezes, pobres clientes, também eles não têm direito a banheiros limpos.
Depois de uma colossal e cara campanha para que as pessoas não façam xixi nas ruas, principalmente no carnaval; da  instalação dos também degradantes banheiros químicos; das multas para quem faz e, finalmente da adoção das unidades degradantes e nojentas denominadas UFA, já vi que a prefeitura não tem idéia sobre a solução a buscar.
Proponho, portanto, a contratação de um arquiteto de verdade, de um engenheiro, de um designer ou dos três juntos para que pensem o banheiro público como um lugar em que a pessoa, já premida pela necessidade, sinta-se acolhida com privacidade e higiene. Se não for exigir muito, que o projeto leve em conta a paisagem e não a degrade também, como acontece com as lixeiras e containers de todo o tipo.
Parece fácil. Mas não é. Para a prefeitura, pelo menos, tem sido bem difícil. Talvez porque os motivos que levam o poder público a pensar em banheiros não sejam exatamente aqueles para os quais eles se destinam.
Sugestão: quem sabe a AMBEV, responsável pela grande maioria do xixi do carioca resolva entrar nessa e se responsabilizar pela instalação de banheiros públicos?
Recado: banheiros não são utilidades de temporada, sr. prefeito. Chova ou faça sol, com ou sem festa, todo o mundo precisa de banheiros.
Conclusão: talvez indireta, gentil e decisivamente o prefeito esteja apenas nos dizendo:
Vão à merda.

Essa é uma das mil coisas que me fazem pensar em Raul.
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26 de maio de 2015

MACONHA ESQUECIDA

O título é estranho, reconheço, e a notícia não é nova, mas vale a pena registrar.

Não tem ninguém "esquecendo" maconha assim, no más. Alguém pode fingir que esqueceu ou mesmo abandonar a carga, quando é caso extremo. Mas esquecer...? Nem muito doidão. 

A história é doida também, mas simples. Em 2010 a Receita Federal apreendeu um veículo que foi doado à prefeitura de Santa Vitória do Palmar, RS, que por sua vez utilizou-o para transporte escolar.
Cinco anos depois, quando o veículo (um ônibus) foi para a oficina descobriu-se que havia 137 quilos da erva escondida num tanque falso de gasolina. 

O que pensar disso? Muita coisa:
1. que o veículo não foi devidamente examinado pela Receita. Foi apreendido apenas porque era roubado. 
2. que o veículo não foi vistoriado antes de servir para o transporte escolar.
3. que durante cinco anos TAMBÉM não foi vistoriado.
4. que é mais estranho ainda que ninguém tenha visto um tanque recheado, como mostra a foto.
5. que prejuízo!  
6. quando o caso vem à tona, as autoridades constituídas acabam fazendo a "iniciação" das crianças com a maconha, uma vez que a divulgação do fato levou-as a saber que durante 5 anos sentaram-se sobre os quilos. Quem diria? 
E agora, depois de iniciadas serão indiciadas?  

7. Alguém tem algo a acrescentar?

Essa piada vem se somar a uma lista de aberrações que acontecem na terrinha, como aquela da polícia algemando pés de maconha. É por essas e por outras que não resolvemos um problema tão sério, mas que já poderia há muito tempo ter encontrado uma solução, não fosse a ignorância, a submissão, o fanatismo e a falta de visão da maioria (da imensa maioria) dos políticos.

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24 de maio de 2015

O INFERNO

Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivada na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem.Vocês não ouvem as gravações feitas “com autorização da Justiça”? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo. 
(Marcola - líder do PCC - entrevista concedida ao jornal O Globo em março de 2014)

Pois aí está. O pessoal da Lagoa, que há alguns anos pendurava faixas com "Basta", não se organizou suficientemente. Não acreditou suficientemente que estava alimentando o monstro. E agora está preocupado com a fome insaciável e cruel dos ladrões de bicicletas que os esfaqueiam e matam.
É horrível? É. 
Mas é horrível que aconteça em qualquer lugar. 
O Rio de Janeiro não é mais a cidade partida. É uma cidade estilhaçada. Agora não importa se são ricos ou pobres, a violência apoderou-se  de todos os espaços.   
Isso, já sabemos, é fruto da desigualdade social. Essa desigualdade social passa por falta de moradia, educação, oportunidade e respeito. Também por conta da indiferença com que os ricos olham os pobres em tragédias que parecem ficcionais e que aparecem, de relance, em suas grandes telas de tv. Agora (que susto!) esses bandidos mirins invadiram o território dos ricos. Daí a perplexidade. Os bandidos mirins já não são só figurantes na tv. Eles são protagonistas da vida alheia. Da morte alheia.
O que eu digo é tão antigo, tão repetido que às vezes também me parece banal.
Há poucas chances de diminuir essa discriminação que nos acompanha desde a escravidão e que não terminou com a abolição. Somos um país misturado governado por brancos cujo braço armado, a polícia, tem especial preferência por negros (para bater, prender e matar) sem que sequer reconheçam  a própria cor e a sua condição de discriminados: por serem pobres, por serem negros e por serem polícia.
Sim, a culpa não é toda da polícia. Não há uma política de Estado que se dedique a esse grande problema social. Não há ninguém que queira resolver nada. Todos estão confortáveis em seus lugares reservados.
E repetindo Marcola: Como escreveu o divino Dante: "Lasciate ogna speranza voi cheentrate!" - Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.
  

15 de maio de 2015

POLÍCIA POLÍTICA

"Os nossos jovens vão ter que morrer sempre assim? A polícia vai chegar e matar todo mundo assim? Quem vai criar meu neto de três anos agora?" 

Desde domingo próximo passado já morreram 12 pessoas na guerra gerada pela repressão ao tráfico. Outra vez. De novo. Ainda. Até quando?
Morro de São Carlos, Fallet, Fogueteiro são as favelas da vez.  E eu fico aqui me perguntando, o que faço todos os dias, como uma sociedade pode se apegar a uma lei tão perversa, baseada em argumentos tão fracos, que escolhe reprimir a liberar; matar a educar; entender ao invés de eliminar. É disso que somos feitos?
Infelizmente, o Brasil continua sendo um país atrasado que ainda se curva aos delírios norte-americanos. Por causa deles, tememos a nós mesmos. Aos Estados Unidos pouco importa quantos de nós morremos todos os dias. Somos menores, misturados, facilmente manipulados. E se não se preocupam com as próprias guerras, por que se perturbariam com a nossa? É claro que não estamos isentos de culpa. A classe política é burra, conservadora e fanática e por causa disso ninguém pensa em dar andamento no processo de legalização (esse sim, de pacificação, sem armas, sem confrontos), apenas a lei dando ordem a uma demanda do mercado que é também um direito individual.

Há pouco tempo li uma manchete que considerei uma piada: a PM reprime pouco o jogo do bicho. Mas não houve comentários. Nem precisava, porque do jogo do bicho também sai muito dinheiro, assim como das drogas. Mas algum entendimento há com a cúpula do jogo do bicho porque ela não é perseguida, assim como não são perseguidos e presos os apontadores e viciados (ou o jogo não é vício?)
Todo o mundo mais crescidinho sabe o que aconteceu com a Lei Seca, nos Estados Unidos. Quanta gente morreu naquela guerra sem noção. E para quê? Para que as histórias rendessem filmes de ação?
A situação se complica e vejo outra vez as autoridades informarem displicentemente que a política é essa e continuará sendo. A Justiça segue indiferente ao conflito.
A guerra às drogas não terá vitórias. Terá apenas mortos para contar.
Só há uma solução: legalizar. Mas isso as autoridades não querem. Por algum motivo será. E com certeza não é a preservação da saúde pública porque para ter saúde é preciso estar vivo. Assim como devem estar vivas e protegidas as fontes de dinheiro que alimentam os "negócios de Estado".


6 de maio de 2015

"NÃO SEI POR QUE PENSAS TU, SOLDADO..."

Não houve panelaço para protestar contra os 61 milhões de bônus para policiais civis e militares que cumpriram metas. Quais metas? Não me perguntem, porque o que vejo a polícia fazer cruelmente é matar. Como se brincasse, apenas. Como se maltratar, agredir, humilhar e mentir fosse a coisa mais inocente do mundo.
Premiar a polícia é premiar a brutalidade, os maus-tratos, os "arranjos", os bondes, o abuso de autoridade.
Hoje morreu um polícia e recebeu honras militares. O civil que morreu não teve nem nome divulgado.
Mas ninguém deu a mínima. Estão todos fazendo a direita festiva, o inocente útil. Vamos dar um panelaço e voltar para ver o jogo.
Ninguém se importa com a quantidade de dinheiro que se gasta em segurança e o dinheiro gasto em educação. Ainda não viram que uma depende da outra. Ainda não.
Meus protestos são inúteis. Por isso deixo aqui algo maior, que ofereço à polícia, como uma bandeira branca, uma pedra ou uma foice - algo mais forte que a forma - que remete à coragem - de Nicolás Guillén, poeta cubano (1902-1989).



      No sé por qué piensas tú
        No sé por qué piensas tú,
        Soldado, que te odio yo,
        Si somos la misma cosa
        Yo,
        Tú.

        Tú eres pobre, lo soy yo;
        Soy de abajo, lo eres tú;
        ¿De dónde has sacado tú,
        Soldado, que te odio yo?

        Me duele que a veces tú
        Te olvides de quién soy yo;
        Caramba, si yo soy tú,
        Lo mismo que tú eres yo.

        Pero no por eso yo
        He de malquererte, tú;
        Si somos la misma cosa,
        Yo,
        Tú,
        No sé por qué piensas tú,
        Soldado, que te odio yo.

        Ya nos veremos yo y tú,
        Juntos en la misma calle,
        Hombro con hombro, tú y yo,
        Sin odios ni yo ni tú,
        Pero sabiendo tú y yo,
        A dónde vamos yo y tú Y
        ¡No sé por qué piensas tú,
        Soldado, que te odio yo!