29 de março de 2010

O COMETA PASSOU POR AQUI


"Às vezes fico achando que sou uma invenção de vocês. Que eu não existiria se o Cometa não badalasse a minha existência, dando-me verossimilhança, forma, credibilidade."
(Carlos Drummond de Andrade)


O COMETA não é bem um desses que cruzam a galáxia vez ou outra. Trata-se aqui de um jornal. Mas também não apenas um jornal. Um jornal independente.
O Cometa Itabirano feito em BH completou 30 anos nas mãos de jornalistas que não se deixam vencer pela hipocrisia ou pelas seduções do mercado. Está por dentro, mas está por cima, se me entendem. Não no sentido do poder, mas da coragem. Um alternativo que deu certo. Política, humor, opinião, cultura.
Marcelo Procópio traz a linhagem do sonho. Angelo Campos dá-lhe a forma e com eles outros nomes de grandeza.
Sempre fui leitora de jornais. Lia Drummond no JB (quando era um jornal) e sabia (sim, sabia desde então) tudo o que significaria na minha vida. Evidente que foi Drummond quem me apresentou Itabira, eu que sou de longe e nem tinha nascido quando a Vale do Rio Doce se instalou lá. Mas foi Cristina Silveira quem me ensinou sobre o espírito de Itabira. Desde então passei a olhar com outros olhos aquele retrato na parede.
Fiz um poema para Itabira ( O Cometa publicou). Agora só falta conhecer o corpo da cidade.
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Não gosto só de ler jornais. Gosto de olhar, de admirar o espaço que se dá a cada texto, foto ou poema. Hoje em dia é tudo parecido, os textos se perdem no meio das propagandas ou dos equívocos gráficos. É tudo o mesmo produto.
Por isso, quando chega O Cometa, sempre afinado, criativo, dá uma coisa, uma emoção diferente, uma esperança. Textos, ilustrações, charges - sobretudo arte. E verdade. Não a verdade estipulada, mas a verdade de cada um.
E vejam só: na edição dos 30 anos de aniversário, ali estou eu com toda essa gente de estirpe. Quase chorei quando vi. Mas no outro dia, quando sentei para ler o jornal todo, chorei mesmo. Não só por estar ali com Cristina, Angelo, Procópio e Drummond mas por ver que resistiu e se manteve respeitando a inteligência do leitor, sempre ao lado da cidade que a Vale não viu.
Se mereci, agradeço. E desejo que o jornal dure mais 30 anos, e depois outros 30. Agora sabemos: não é mais o sonho da infância, quando víamos passar o cometa e ficávamos cismando, desejando. Existe. É bonito (e bota bonito nisso) tem 20 páginas com ótimo conteúdo e uma vontade de ferro.
Vocês sabem que não é todo o mundo que tem os olhos voltados para o céu. Por isso não vê passar o cometa. Mas eu tive a sorte de ver. Desde então, vejo. De vez enquanto me dão uma carona.
E não há nada melhor do que voar.

quem tiver interesse em assinar, comprar ou quiser alguma informação pode escrever para
ocometa@terra.com.br


23 de março de 2010

FINA FICÇÃO


ou

A PURA ESSÊNCIA DO SER


eis o que define o livro de Lou Viana, nascida Luiza, desde o lançamento do seu primeiro livro, O céu do lençol. E não sou eu, mas ninguém menos que o poeta Manoel de Barros quem saudou o livro reconhecendo nele "puro afago para a inteligência e a sensibilidade".
A poesia já está na capa:


Me sonhei com asas
acordei bicho rasteiro


O poema convida o leitor a buscar (e encontrar) um espaço pouco habitado, onde são feitas conexões sutis, diferentes das que fazemos apenas mentalmente.

Digamos que Fina ficção é uma concentração de conhecimentos. Do conhecimento que está à disposição, nos centros de conhecimento do mundo físico, e aquele outro, invisível, misterioso para nós, percebido apenas por aqueles que fazem da própria vida um processo incessante na direção da liberdade.
Provavelmente por isso Luiza se tornou Lou. No futuro, talvez se chame Luz.
A ficção invadiu a realidade? A realidade não existe? Questões repetidas por ausência da novidade. O que há de novo é o apuro da percepção e a decorrente interpretação do universo expressada em poesia.
Rachel Braga, autora da capa, captou a sutileza de tudo.
Eu sou a editora. Quem pode me chamar suspeita? Sou apenas testemunha do processo.

Fina ficção será apresentado ao público amanhã, quarta-feira, 24, na Blooks Livraria, que é a livraria que habita o Unibanco Arteplex, na Praia de Botafogo, 316. A partir das 19h.
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Ia terminando aqui, mas não vou deixá-los sem
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Obsessão
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Não ser absorvida
por nenhum deus
ser apenas eus
..
Facas
.
Palavras me penetram:
sou consagrada
..
Ponto de vista
.
Brincar com
a vida
e, contudo
.
o sagrado,
nossa verdade,
o outro sob tudo
.
..


16 de março de 2010

POESIA TODOS OS DIAS

Comemorou-se por aí a Semana da Poesia. Não simpatizo com semanas, dias, anos dedicados. Gosto da dedicação diária. O que é grande existe o tempo inteiro, sem barulho. Tão grande quanto o silêncio.
Celebro incansavelmente a poesia, e por isso trago para vocês um poema de Rosane Ramos, que ainda este ano estará publicando seu primeiro livro de altíssima poesia.
Difícil escolher um poema de Rosane. Todos são a personificação da excelência, mas ofereço-lhes especialmente



ENREDO

Rosane Ramos
.
.
Um anjo plana
sobre a cama
com a asa esquerda
depenada
Preso a um fio
brinquedo
móbile
ele me olha
e não suporto a sua mirada
Plana e gira,
a asa íntegra
em labaredas
Ígnea chama
sobre minha cabeça
e se por temor se guarda
a arte e a poesia
nos armários
é que o anjo
terrível!
contrário à beleza
transfigurou-se no enforcado
A cabeça pende
para um lado,
a fino fio
torna-se em cordão;
onde havia asas,
braços e mãos
que se alongam
como um rastilho
atrás da sombra.
A noite tarda
em despertar-me
da insônia
O anjo, este
resta desarticulado
no ar
despido de suas vestes
Tão vivo
que o posso tocar.

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14 de março de 2010

BOM-DIA AURORA


Queremos milagres, mas mantemos os velhos costumes.
Queremos alegria, mas é a melancolia que se abate sobre nós.
Queremos chuva quando sol e sol quando chuva
Nosso cabelo é crespo, liso, armado, preto ou branco. Não gostamos.
Nossa unha encravada é mais importante
que a Terra inteira o tempo e toda a história
Viajar para outros estados de consciência não para fugir, mas para encontrar a parte mais sensível do que somos, outros mundos, outras dimensões. A aurora se oferece.
Bom dia, bom domingo, boa sorte.
Contradito
.
todo o tempo me dizem: não és nada
não tens credo
nem amor
não existes
.
mas acordo e te vejo
Sol obtinado
e sei que me coubeste
.

12 de março de 2010

ALIMENTAÇÃO BÁSICA

Essa é boa, agora os leitores reclamam. Poucas postagens? Como assim?
Desculpem se me descuido. Não, nunca esqueço. Apenas outras coisas me chamam a atenção a ponto da perplexidade se instalar.
Pé de maconha algemado em operação policial (a foto rolou geral e a galera morreu de rir), a mulher que causou um acidente no trânsito enquanto se depilava, o Governador chorando as perdas (e secando com o lenço) as chamadas na mídia (favoráveis) à legalização das drogas, enquanto as autoridades e a lei (sempre atrasadas frente às necessidades do dia) comandam as mortes numa guerra sem fim.
O proibicionismo não deu certo. Tentemos outra coisa. Simples assim.
Um dia nossos pósteros saberão que isso acontecia no século XXI e passaremos por otários, como sempre acontece. Filmes serão feitos e todos se perguntarão: mas por que razão proibiam?
Outros tempos, outros enfoques, outros interesses econômicos.
Tudo isso dilui o que importa e que é, vocês sabem, a


ALIMENTAÇÃO BÁSICA

I

acordei com um sopro
que pensei poema

era tão claro, tão definitivo
nunca poderia esquecê-lo

não o escrevi de pronto
escovar os dentes cuidar do gato
ouvir as notícias

quando vi já não estava
foi-se em forma e sentido

e me deixou deserta
eu, que tanto peço água




II

quando chega num cochicho, sopro (ou era sonho?) é preciso largar tudo, esquecer os dentes, o gato, as notícias e sair desabalada, mostrar-lhe que é o primeiro, que para ele estão voltados todos os sentidos, falhos ainda, é verdade, os olhos mal abertos, as pernas toscas, onde está a caneta, ligo ou não o computador, o risco da curiosidade do dia, não deixar que nada distraia a memória calcinada, o helicóptero que voa baixo ou o vizinho que liga o motor do carro. é preciso abstrair tudo o que existe e o que ainda não, o que se interpõe ou dilui até que ele se mostre inteiro, absoluto, supremo – e de sopro se transforme em poema, e a graça se instale em quem lhe serviu de instrumento

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5 de março de 2010

UMA LIÇÃO

Fico contente quando algumas pessoas sentem falta do que escrevo. Já não é legal quando ninguém lê o que a gente escreve, mas triste mesmo é ficar sem escrever. Por isso agradeço, porque é sempre um estímulo e um combate ao medo de um mal maior, que no entanto, como os outros, também acontece, que é deixar de escrever.
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Um blogueiro famoso disse que ninguém pode dar palpites sobre blogs se não tiver mais de cem seguidores. Ora, eu ainda não tenho, mas conquistei os que tenho, e isso me alegra. Sei que alguns lêem mas não se comunicam, tudo bem. Eu também leio alguns e não digo nada. Bem que gostaria, mas é trabalhoso. Às vezes perco até um comentário, mas o computador, o sistema, o inefável impedem que a tentativa se concretize.
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Tenho meus leitores, sim. Agora posso contá-los. E que importa se não cheguem a cem? São meus e eu sou deles. Alguma coisa nos une, muito provavelmente a palavra. E são muitos para quem trata de poesia. A poesia não é para todos nem para qualquer um. A poesia é para quem precisa dela, tanto para fazer quando para absorver. Foi o que aprendi da
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Lição
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Eu ria dos solitários.
Quem tem a si já tem alguém.
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Mas ontem não escrevi
nem anteontem
e há tempos.
....
Reluto em dizer: não escrevo.
E coragem: não escrevo mais.
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Isso é solidão.
E é mais que solidão.
É ser nenhum
nenhuma
ninguém.
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