28 de outubro de 2010

FERREIRA GULLAR - ELEIÇÕES POESIA E DROGAS

Todo o mundo já deve ter lido a entrevista de Ferreira Gullar abrindo seu voto para Serra e a inevitável repercussão.

Dediquei-me ler os comentários sobre a entrevista em vários blogs que a publicaram e acho que o povo está sendo muito severo com o poeta.

Os adjetivos usados são os piores - aqueles que a gente usa quando quer desmoralizar o desafeto. Velho é o mais usado, querendo dizer com isso que deve estar gagá, ou acometido de alguma doença que lhe altere o raciocínio, embora ele esteja, como diz, aos 80 anos, gozando da mais perfeita saúde, e recebendo prêmios.

Não se trata aqui de defendê-lo porque é poeta. Trata-se de compreender que uma pessoa muda de posição e tem direito de mudar. Equivoca-se com o que quer se equivocar. E até se destempera, se lhe dá na telha.

Penso que Gullar e sua poesia foram importantes para o Brasil num determinado contexto histórico. Passado isso, Gullar teve que cuidar da vida, e seguiu em frente. Foi ganhando espaço até chegar a um momento em que foi considerado o mais importante poeta vivo do Brasil - o que seu passado de luta muito ajudou. Mas foi considerado por quem? Nunca se sabe. Pela mídia? Pelo universo de leitores de poesia?
E então, o que aconteceu? Mudou de turma. Ficou livre para ser (sempre foi) amigo de Sarney (deve ter sido Sarney quem lhe disse que no nordeste não existem pobres, conforme está na entrevista), e é colunista da Folha. (Algumas idéias expressas na entrevista parecem vir de editoriais). Não é por nada que Jabor é lembrado junto, quando se trata de dar exemplo de quem mudou de idéia.

Mario Vargas Llosa acabou de ganhar o Nobel e não vi ninguém se insurgindo contra o fato porque ele seja de direita, seja lá o que isso for, mas chamemos de direita o reacionarismo, a rejeição ao novo, o medo dos avanços. Talvez porque Vargas Llosa seja, mundialmente, considerado um escritor enorme. Não sei se Gullar é tão grande como poeta.

Além de votar no Serra, Gullar é contra a legalização das drogas. Tem seus motivos, mas são motivos particulares, e considero no mínimo egoísta querer impedir que uma multidão de usuários deixe de ser perseguida pela polícia porque em algum momento ele mesmo, ou qualquer pessoa com a mesma opinião, precisou lidar com problemas decorrentes. É o mesmo caso de alguns psicólogos e afins que são contra as drogas porque recebem em seus consultórios muitos dependentes. Ora, o universo dos consultórios é mínimo em relação ao número de usuários. E é melhor frequentar consultórios do que cadeias, não é mesmo? Até mesmo para os psicólogos.

Dito isso, considero que a ofensa não é a melhor política para o período que antecede as eleições; que Gullar, se não é nosso maior poeta vivo, ao menos está vivo e é uma voz dissonante. A maioria dos poetas e intelectuais está fora do debate. No máximo, assina listas. E afinal, sempre fui contra o pensamento único.

Quanto a mim, votarei por minha tia, que morreu querendo votar em Dilma. Farei isso por ela porque nela, sim, eu acreditava. Votarei na mulher que Dilma é, com seu passado de militante e sua coragem de enfrentar tantas forças num universo de homens - coisa difícil.

Espero, no entanto, que reveja muitas posições em relação às quais se atrapalhou durante a campanha, imagino que em virtude das abomináveis alianças. De resto, é esperar.
E rezar.



Crente
eu também sou.
A poesia é minha religião.
O sol, meu deus.
A maconha, minha hóstia.
O silêncio, minha igreja.
E meu corpo,
altar para o milagre cotidiano

Dúvidas eu só tenho
sobre quem não duvida

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21 de outubro de 2010

MÉXICO MACONHA E TOUPEIRAS


O que pensarão os nossos pósteros ao verem uma foto como essa? Poderão compreender que o México, que em 2010 ainda tinha 23 milhões de habitantes em estado de fome crônica, queimasse 134 toneladas de uma planta que valia, por baixo, o equivalente a 560 milhões de reais?

Isso me lembra Fahrenheit 451, o filme de Truffaut baseado no romance de Ray Bradbury em que opiniões próprias eram proibidas e para isso queimavam-se os livros - tudo controlado pela televisão. Mas as pessoas resistem ao decorar livros inteiros.
Houve outros momentos de controle de leitura (e idéias) ao longo da história. Sempre há alguém querendo impor o pensamento único.

Ora, combater as drogas equivale a combater opiniões próprias. Afinal, é preciso sempre perseguir e, se possível, matar alguém, para que as armas tenham alguma utilidade. E como nesse negócio meteram-se os pobres, melhor ainda. Já se faz uma limpeza étnica. Fora ou dentro dos porões.
Do ponto de vista ambiental, nem se fala. O crime é ainda maior. Os governos cavam a terra, querem minérios (a Vale que o diga), cavam o mar, querem petróleo (A Petrobras não tem limites) e agora o pré-sal. Mudam o curso das águas, gastam horrores com os equipamentos e a operacionalização (bem menos com os salários). Cavam para buscar minério (aí estão os mineiros chilenos para cujo salvamento deve ter sido gasto mais do que anos de salário). E mesmo com esse custo astronômico, com a destruição brutal do corpo da Terra, que os exploradores explodem, trituram, destroem, corrompem, ainda assim acham que é melhor combater as drogas. E chamam de droga uma plantinha que precisa de sol e água.
Mas governos não podem decepcionar as fábricas de armas. Os lobbies são fortíssimos. Dona Taurus e Dona Rossi não podem parar. Os cursos estão aí. Sempre tem um coronel aloprado para dar os treinamentos. Fora isso tem o exército, a polícia e os bandidos de plantão. Tudo plantado pelo sistema, que o Capitão Nascimento demorou a reconhecer.
Assim são os homens-toupeiras. Quase cegos, preferem se meter nos buracos. Rejeitam, prendem e queimam o que a Terra dá, naturalmente. Mas cavam brutalmente as suas entranhas. Um dia acharão o coração. E ele explodirá em mil pedaços na mão dos torturadores.
Talvez aí o mundo seja outro.
Comecemos com a manchete de um mundo novo:
"Tratado internacional decide a paz mundial e fecha as portas de todas as fábricas de armas".
Pensam que estou viajando? Não mesmo.
No dia 2 de novembro, na Califórnia, será votada em plebiscito a Proposição 19 para decidir sobre a legalização da maconha.
E os Estados Unidos, vocês sabem, sempre foram um ótimo exemplo para os nossos governos.
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19 de outubro de 2010

RAZÃO E OBSCURANTISMO

Esta é uma entrevista que não posso deixar de divulgar porque é tão simples, tão singela, tão evidente do que é o moralismo vigente (no jornalismo!!!) que parece até que não é verdade tudo por que passam, e passarão, os povos submetidos a políticas arbitrárias e ditatoriais que pretendem decidir sobre a vontade inalienável de cada cidadão.
A entrevistada é a Professora Gilberta Acselrad, Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre drogas, Aids e direitos humanos da UFRJ.
A entrevistadora(céus!) é essa senhora que vocês conhecem -- Leilane Neubarth.



http://www.youtube.com/watch?v=J53SNRZgowU


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11 de outubro de 2010

CAPITÃO NASCIMENTO E PIPOCAS


O Capitão Nascimento vem agora como tenente-coronel. Nem quero imaginar as coisas por que passou até chegar até aqui. Ainda não vi o filme, mas lembro de um jovem equivocado, como se pode ser equivocado na juventude. Um iludido, com laivos visionários. E tão ardorosamente destemido.

Wagner Moura faz o personagem. Um embate cruel de criaturas, umas pela sobrevivência no crime, outras pelo equívoco. O Estado mantém pretos e brancos pobres em campos opostos a partir da escolha de submeter ou ser submetido. Na busca pela sobrevivência, a polícia acaba sendo a primeira opção. Salário pouco, mas certo, pra que a miséria não bata à porta. E ainda tem as despesas com celular, etc.

Sempre penso que às vezes o policial encontra um primo, o vizinho, o filho da Dona Didi, o amigo das quebradas. E mata o mano por uma razão que nem é dele.

Espero que os santos todos da Bahia mais a força dos terreiros ajudem aquele fio da terra que venceu nos Rio de Janero. Não é um herói de guerra de verdade. Mas alguma coisa é de verdade?
Vou ver o filme também pelo José Padilha. Um cara bom de filme e de mídia, uma promessa.

Está faceiro, eu vi numa entrevista. E bem merece. Um filme é antes de tudo uma obra de arte, e vocês sabem que um dos elementos essenciais para quem ama o cinema é que ele seja visto em silêncio. (Ah, se me ouvissem os pipocantes de cinema).
As pipocas (sacos enormes!) - um desrespeito aos trabalhadores do cinema, de todos os níveis, além do desrespeito ao vizinho, que pagou a mesma coisa.
Buñuel filmou uma cena em que os convidados saem da sala de jantar, onde estão sentados em vasos sanitários, em volta da mesa, e vão comer, privadamente, num cubículo onde a comida chega sem que se tenha contato com ninguém. Coisa de surrealista. Deu outra. Ninguém pode mais ficar hora e meia sem encher a pança.
Meu amigo, por favor: então um batalhão de gente faz um filme para você, espectador, mobiliza um sem número de equipamentos e trabalhadores, de diretores a carregadores de balde, e você, cidadão, você, um cara inteligente que sabe tudo sobre a invasão cultural que os do norte perpetraram contra nós - você! - come pipocas sobre o Capitão Nascimento? Francamente, assim você desmoraliza a nossa Polícia.


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9 de outubro de 2010

ABORTO HOMOSSEXUALISMO DROGAS

É assunto demais para uma simples postagem? Não mesmo, é tudo a mesma coisa. Tudo tem a ver com a liberdade individual, aquilo que a pessoa pode escolher ser ou fazer sem que ninguém tenha nada a ver com isso.

Há um filme francês em cartaz "Le refuge" em que a personagem, viciada em heroína, descobre que está grávida. O médico lhe diz que ela pode escolher entre ter ou não ter o bebê, mas que receberá os cuidados necessários, seja qual for a sua escolha. E é assim que deve ser. À mulher cabe decidir se quer ou não o filho. E aos médicos cabe acatar a decisão. Quanto ao governo, só tem que dotar o sistema de saúde de modo a atender a todos. O resto é conversa. Como já se viu, não é mais possível ignorar o número de mulheres que morrem por falta de cuidados médicos quando querem interromper a gravidez.

Melhor que não o fizessem, que nem pensassem em fazê-lo, mas se elas consideram que não podem criar os filhos ou não se consideram aptas para serem mães, não há lei que as faça desistir de interromper a gravidez. Morrem por isso. Nem se dão conta, mas morrem pela defesa de uma liberdade individual com a qual já nasceram e ninguém - ninguém - tem o direito de usurpar. É uma morte miúda, solitária, que acontece em quartinhos escuros, em clínicas infectas onde se esvaem com sangue quantas esperanças.

A mesma coisa acontece com os usuários de drogas. Quanto maior a repressão, mais aumenta o número de pessoas que usam drogas e não querem deixar de usar. O governo, ao invés de organizar o comércio, patrocina a guerra.
Evidente que sempre há os que se dão mal, como no caso dos abortos. Mas esses casos devem ser tratados da mesma maneira. A saúde de cada pessoa deve ser defendida, e não os pretensos valores morais, os interesses imorais e os julgamentos religiosos. Se o padre ou o pastor acham que a mulher deve ter o filho que não quer, eles que cuidem. (embora isso talvez represente um risco maior para a criança).
Será que a falta de cuidados com o aborto tem a ver com a repressão às drogas? Afinal, as mortes maternas são quase sempre entre pobres. Também os presos (e mortos) em virtude do combate às drogas são na grande maioria pobres. Será paranóia? Mas é muita coincidência não é?

E o homossexualismo? O homossexualismo também é uma escolha indvidual, a despeito do que digam católicos ferrenhos ou evangélicos fanáticos. A falsa moral fez com que vivessem muito tempo escondidos e condenados, mas resistiram, lutaram, muitos morreram. Agora estão livres, pelo menos nas grandes cidades, embora exista um homofóbico em cada esquina. Mas esses não se atrevem como se atreviam antes. Os homossexuais são bem sucedidos, fazem paradas alegres, as famílias levam as crianças, o ramo hoteleiro exulta. Houve avanços. O problema é que as lutas específicas não ajudam as outras. E como dizia Simone de Beauvoir (é sempre bom lembrar), Querer-se livre é também querer livres os outros.
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7 de outubro de 2010

A POESIA É A ÚNICA SAÍDA PRO NADA

(Lou Viana)


Ontem vi um filme coreano chamado Poesia, apresentado no Festival. Foi o título que me atraiu, claro. Mal consigo assistir a um ou dois filmes do festival, todo o ano. Mas por esse eu fui. E esperei. Eu e uma multidão que aguardava em fila e grande animação. Fiquei pensando como, de repente, um público tão diverso pode ter se interessado por poesia. Bons ventos.
No filme a personagem é uma senhora aposentada que quer, em meio à sua tumultuada vida, escrever um poema. Um, que seja. Ela participa primeiro de aulas, depois de encontros com leitura de poesia no Centro Cultural da cidade. O filme é bonito e triste. As leituras são boas e divertidas.
Não vou contar o filme. Mas poucas vezes tive oportunidade de ver no cinema a poesia pontificando. Fiquei feliz, claro, que alguém tenha pensado nisso e feito um belo trabalho.

Não bastasse, hoje recebo a chamada para a entrevista feita por Selmo Vasconcellos, no blog http://antologiamomentoliterocultural.blogspot.com/2010/10/lou-viana-entrevista-n-266.html,
que publico abaixo na certeza de que vão gostar de conhecer a grande figura que é Lou Viana e sua poesia essencial, engraçada, desafiadora.


LOU VIANA




PEQUENA BIOGRAFIA

LOU VIANA é graduada em Letras e Psicologia. Tem especialização em Literatura Brasileira e em Literaturas Africanas e Mestrado em Teoria Literária, título da dissertação: "O saber do humor". De 1999 a 2007, participou da comissão editorial do Jornal Panorama e do Poesia Viva (jornais de poesia da cidade do Rio de Janeiro). Publicou: "O céu do lençol" pela Sette Letras em 1996 (nome de autora: Luiza Viana") e "Fina ficção" em 2010 pela Editora da Palavra (nome de autora: Lou Viana). Tem poemas citados no livro de Jomard Muniz de Britto "Atentados Poéticos", Editora Bagaço, Recife, e no artigo de Gustavo Bernardo "O Nominalismo Medieval na Base da Fenomenologia Moderna", do Seminário do Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 2000.

COMENTÁRIOS SOBRE "O CÉU DO LENÇOL" :

ANTONIO CARLOS SECCHIN: "Luiza Viana retoma com felicidade o veio da escrita epigramática: ' Poesia é a única saída pro nada': humor ferino, amor felino ('nessa carícia de veludo'), em alta voltagem poética.”

MANOEL DE BARROS: “Sua poesia é puro afago para a inteligência e a sensibilidade. Poemas substantivos, sem sestros, enxutos. Sem truques. A pura essência do ser”.

COMENTÁRIOS SOBRE "FINA FICÇÃO":

JOMARD MUNIZ DE BRITTO: "Você não faz nem pretende fazer hai-kais, poema segundo, amor-humor, rumor-urbano porque denega toda a retórica pós-moderna e iluminações da mais finita eternidade".

RITA MOUTINHO: “Gostei muito de seu "Fina ficção" em que mostra muita coerência com toda sua poesia anterior, uma personalidade poética bem definida. Você nos transmite uma enormidade de sentimentos com um mínimo de signos expressivos.Interessante sublinhar como você titula bem, estando os títulos indissoluvelmente ligados com o texto do poema.”

ENTREVISTA

SELMO VASCONCELLOS -Quais as suas outras atividades além de escrever?

LOU VIANA - Tenho grande interesse pela educação de crianças e adolescentes. Realizo oficinas literárias utilizando exercícios teatrais e a leitura de contos ou poemas que levam o sujeito a refletir e a se expressar. Os exercícios teatrais facilitam o surgimento da espontaneidade e da integração entre os membros do grupo.
A essência da proposta é a ênfase no pensar: pensar sobre si, as relações com o outro, com a vida, com o mundo concreto. Busca-se o desenvolvimento da pessoa e a reflexão sobre sua ação no mundo. A leitura do texto literário em grupo, e a conseqüente troca de idéias e respeito à opinião do outro, abre o campo de percepção do sujeito e amplia sua visão de mundo.


SELMO VASCONCELLOS - Como surgiu seu interesse literário?

LOU VIANA - Sempre li muito, desde criança. Nessa época, adorava poemas que continham um certo humor, ou muito dramáticos. Era muito sensível ao ritmo dos textos, rimas incomuns e à musicalidade das palavras. O interesse na literatura sempre foi básico em minha vida. Fiz Curso de Letras e dei aulas de Português, sempre buscando despertar o aluno para o texto literário.
Quanto à minha escrita própria, ela surgiu a partir da necessidade de escrever para me compreender, uma espécie de desabafo. Com o passar do tempo ela foi adquirindo concretamente um desenho de poesia, adquirindo um ritmo poético. Foi se condensando: de uma forma dramática povoada de explicações para algo mais sucinto, mais enigmático.

SELMO VASCONCELLOS - Quantos e quais são seus livros publicados dentro e fora do Brasil?

LOU VIANA - Publiquei "O céu do lençol" (poesia) pela Sette Letras em 1996 e agora, em 2010, "Fina ficção" (também poesia), pela Editora da Palavra - ambas as editoras são do Rio de Janeiro. Pretendo proximamente reeditar "O céu do lençol" e publicar minha dissertação de Mestrado: " Ítalo Calvino e o saber do humor ".

SELMO VASCONCELLOS - Quais os impactos que propiciam atmosferas capazes de produzir poesia?

LOU VIANA - O que posso dizer a partir de minha experiência é que a poesia surge geralmente a partir de um forte apelo emotivo. Porém mesmo quando a poesia se origina mais da determinação da vontade, tem de haver total entrega à escrita - vencer a angústia ao papel em branco - para a produção do poema. Existe também a necessidade de se estar totalmente "distraída", alienada da compulsão repetitiva do cotidiano. Outra coisa importantíssima, que induz à escrita e a seu aprimoramento, é a leitura de bons autores, aqueles com quem a gente se identifica.

SELMO VASCONCELLOS - Quais os escritores que admira?

LOU VIANA - Sempre li e reli a poesia de Fernando Pessoa. O conceito de beleza, para mim, se expressa plenamente na forma poética de João Cabral de Melo Neto. Meus ficcionistas preferidos são Gabriel García Márquez (com o romance "Cem anos de solidão" e seus contos maravilhosos), Machado de Assis e sua ironia reveladora e Dostoiévsky que descortina, de forma dramática, os lados mais sombrios da alma humana. Não posso também deixar de destacar Ítalo Calvino e seu romance "Palomar", que impulsionou minha dissertação de Mestrado sobre o saber do humor.

POEMAS

Todo ser carrega em si
a maldição e a bênção
de existir


Metamorfose

A Clarice Lispector

Me sonhei com asas
acordei bicho rasteiro


Deusmônio

Você é um monstro com asas
Eu, um anjo com garras


Doce trama

A João Cabral

Quero partilhar com alguém
minha vida, labor,
suor e lágrimas

Com o tesão que fervilha
em praça de touros de Espanha

e nas minhas entranhas


Poeta

A vida me
escreve
nas entrelinhas


Auto-retrato

Pernas grossas e varizes
nariz tolo
torto pensamento
algumas próteses

Não sou a maior das maravilhas
nem a pior das hipóteses


Ano 2020

Mais uma mulher
que cede à tentação
de posar vestida


Vôo das letras

A Machado de Assis,
in memoriam

Intelectual tupiniquim
toda a pompa e circunstância

Porque ninguém é de ferro

In: Fina Ficção, Ed.da Palavra, Rio de Janeiro, 2010.

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2 de outubro de 2010

CONTER NÃO É PACIFICAR

Eleições.

O que mais me perturba é que um enorme e significativo número de brasileiros não se dê conta de que o anseio maior para quem vive no território nacional (não era, mas se tornou), que é segurança, vai na contramão da legalização das drogas.

Como é possível que não percebam que o grande número de civis e militares brasileiros mortos tem a ver com a guerra às drogas, que já foram legais e depois passaram a não ser? Por que? E o custo dos armamentos, a venda ilegal, os subornos, as comissões, a corrupção em geral? Mas não é nem isso o mais importante. O importante é que se não houver tráfico, o menino não será seduzido pelo dinheiro rápido e a ascensão (e queda) meteóricas.

Não nos enganemos com ações pacificadoras. A guerra interessa a quem lucra mais. É preciso preservar os ganhos. E as eleições vão passar. Depois virão outros interesses.
E o amor ao dinheiro passa por cima (atirando) de todas as comoções.
Não existe pacificação armada. Pacificação armada é controle, é contenção. A tensão lateja, aumenta o ódio. Mas até quando durará a estratégia? Levaremos quanto tempo mais para desco brir quem mente, e sempre, não importa de que lado sopre o vento?

As crianças ficam muito tempo frente aos computadores, dizem. Mas onde é que as crianças podem ir? Tudo é perigoso, nada mais é maravilhoso.

Há caminhos a trilhar, portanto. A luta por idéias sempre foi a mais difícil. As posições são facilmente mudadas, mas as idéias estão lá, e não se calam. É preciso aprender a reconhecer as velhas mentiras, os momentos em que elas se espalham, as fontes de onde vêm.

Você, que já acredita que a guerra às drogas é apenas um nome falso para a guerra aos pobres, vote em Renato Cinco - 5055
e André Barros - 13551
Ou você também acha que é melhor matar?


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