30 de junho de 2014

A POLÍCIA DO PENSAMENTO



Cazuza, que eu tanto admiro, já dizia que a burguesia fede; que enquanto houver burguesia não pode haver poesia. No entanto, o poeta é um exemplo típico da burguesia, sem ter deixado de ser, com isso, genial.
Dilma amarelou na abertura da Copa, recebendo as vaias da classe média branca que aproveitou o estádio novo que foi feito, como comprovam as imagens, para a própria classe média branca que protesta, que fala mal do governo mas que depois está lá desfrutando o fruto dos gastos, ao preço que for.
A Presidente, na minha opinião, deveria ter exercitado o seu direito de expressão abrindo oficialmente a Copa, como é de praxe. 
A filósofa Marilena Chauí diz, num destempero, que a classe média é estúpida e outras coisas (muitas) que a crucificam. No entanto, vários de seus companheiros de partido foram operários, pobres e hoje são classe média. Ou não são e nem foram exatamente seus companheiros? Os intelectuais também têm preconceitos contra os não doutorados? 
Marilena Chauí não será classe média? Faz parte da diretoria do poder? Mas a democracia não pressupõe um poder temporário? E quem lhe paga? Mesmo que seja oriunda de oligarquias (não sei) isso a transforma em escolhida dos deuses? 
A classe média é burra e mal educada? É burrice passar a vida sem alcançar meios para aprender a pensar? É burrice ter uma televisão e uma publicidade massificadoras, emitindo o pensamento único, induzindo ao mau gosto e à violência? Isso é ignorância dirigida. A má-educação não é  falta de despreparo dos professores nem da falta de escolas. A má educação massificada é uma tática de escravidão. Governo (todos) e mídia - amancebados, tratam de manter a ignorância, que é mais fácil de enganar.

Não esqueçamos George Orwell em 1984: "os homens fazem valer o seu poder sobre o outro fazendo-o sofrer". Daí porque a calúnia, a difamação, as acusações diárias e sem fundamento senão o ódio, sobre tal ou tal segmento formam preconceitos perigosos que nos levam ao totalitarismo, 
A classificação de seres humanos é perigosa. Nós somos isso, eles são aquilos. Eles são animais. Eles não pensam. Devemos sacrificá-los para que todos sejam como nós. Já conhecemos esse discurso. Mas muitas pessoas, perdidas no mundo, acabam aceitando essas verdades prontas e embaladas..

Digamos que sim, que a classe média, formada por profissionais liberais, empresários e funcionários públicos sustenta o poder. O leão está lá fora, aguardando sempre faminto. O que aconteceria se não o fizessem? Seriam considerados párias e os meteriam nas cadeias? Talvez até matassem, por excesso.
A classe média é agente mas também vítima do sistema de classes. Deixe de obedecer para ver o que acontece. E às vezes até por nada que se explique, vide Kafka. 
A literatura, o cinema, as artes plásticas, o teatro sempre são os baluartes da defesa daqueles que são, de uma hora para outra, por qualquer motivo, perseguidos.  As crianças se tornam o principal perigo: denunciam pais ou amigos e repetem mil vezes os jingles do poder e então, findas a lealdade e solidariedade, nada mais resta de humano. Esse é o maior perigo do pensamento único.
A única liberdade é a liberdade de pensamento. Vocês sabem: a mentira de hoje é verdade amanhã e depois volta a ser mentira para mais tarde retornar verdade. 
Cuidado para o perigo: quando um preconceito é alvo de risadas é porque muita gente compartilha dele. Se aceitamos sem pensar, compartilhamos também.
Estão aí os ataques freqüentes aos terreiros de candomblé. Quem são os criminosos? Eu não teria dúvida em dizer que são os evangélicos radicais porque antes do grande avanço das igrejas evangélicas os terreiros funcionavam sem temores. Digo hoje, porque no passado foram perseguidos. Mas isso já foi. Não se pode regredir. Seria a mesma coisa que dizer: agora acabou o divórcio, acabou a união gay, acabou a delegacia da mulher e o negro será outra vez, literalmente escravo. Fim das cotas. Onde isso nos levaria, se ainda precisamos de tanto para evoluir? 
Os seres humanos pensam para tomar decisões. Se não pensarem, tomam para si as decisões de terceiros e aí, fatalmente deixam de ser humanos para se tornarem marionetes. 

* este blog não segue as normas da reforma ortográfica.

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16 de junho de 2014

JOSUÉ MIRANDA


Acima da Copa, das eleições, das confusões, pairam sempre as coisas mais importantes para a nossa vida mesma, aquela que temos, que escolhemos, que seguimos. Nesse nascer tão comprido passam ou ficam muitos personagens que por mais que amemos num determinada época, de repente somem como se nunca tivessem existido enquanto o sentimento, que foi tão grande, tão eterno, vai se juntar a outros, num arquivo de afetos do qual às vezes até duvidamos. 

Outros não. Outros aparecem para ficar, ancoram no nosso coração de uma tal maneira que não se sabe qual é a âncora de um ou de outro. Navegamos com os melhores ventos. Aguardamos nas tempestades. O tempo passa e nos vemos um no outro, as melhores lembranças, as boas risadas, o passar dos anos. Já não somos os mesmos. Nova mesmo se mantém a amizade, límpida, confiante, que é quando sabemos que encontramos e teremos para sempre essa fonte de alegria a nos matar a sede.
Bailarino, artista plástico, cozinheiro, doceiro, morador do Vidigal há mais de 35 anos, cultivando amigos e pintando as antigas festas de rua que o marcaram para sempre, Josué Miranda, aos 78 anos, é uma referência para todos os que o conhecem e um exemplo para os que o acompanham na aventura em que ele transformou a luta diária, na resistência que forjou frente aos preconceitos, na salvação pela arte.


É bom e necessário enaltecermos as qualidades dos nossos amigos. E é bom também agradecer a sorte de tê-los encontrado. Mais ainda: que estejam por perto a nos lembrar o o que, realmente, vale a pena.


* este blog não segue as normas da reforma ortográfica.

2 de junho de 2014

ALEGRIA, ALEGRIA

Apesar de saber que o Itaú é um banco que faz grandes campanhas mas não está nem aí para elas, reconheço que a sua propaganda valeu por trazer à cena aquele que é o criador de um símbolo nacional - Aldyr Garcia Schlee.


Aldyr Garcia Schlee é um grande escritor que o todo o Brasil agora conhece porque desenhou a camisa da seleção. Tudo bem. Um multitalento se alegra por vitórias em qualquer campo.

Ele também adora futebol e deve estar rindo desse movimento todo, já perto de chegar aos 80, sempre vivíssimo, sempre curioso e entusiasmado, pronto a chorar de emoção, como uma criança que se conserva íntegra, sem vergonha e sem medo. Nasceu em Jaguarão mas é de Pelotas.
Um pouquinho antes tinha visto um documentário dirigido por Cíntia Langie sobre Francisco Santos, português que se radicou em Pelotas, autor do primeiro filme de ficção do Brasil de que se tem notícia - 1913.


Há poucos anos eu já me emocionara com o documentário, também dirigido pela dupla, pela Moviola Produções, sobre "O Liberdade" restaurante que, à noite, abrigava o genial regional do Avendano Jr, um mestre do cavaquinho, no conjunto de choro que encantava pelotenses e visitantes, e manteve o ritmo até nos tempos em que o choro andou esquecido. Mais recentemente, Cintia e Rafael fizeram, também pela Moviola,"Linha imaginária" - uma história de fronteira entre Brasil e Uruguai, em que Aldyr Garcia Schlee se destaca, a partir do conhecimento e convívio com a cultura uruguaia, os do outro lado, que também somos nós.



Avendano, o discípulo de Waldir Azevedo, morreu há dois anos, mas o regional - onde cada um também é ele, continua.
Também há pouco tempo , comemorando os 50 anos de dramaturgia, de Valter Sobreiro Junior, Ana Carril realizou "Reencontros" documentário sobre a extensa e premiada obra de Valter, que esteve durante todos este tempo à frente do Teatro Escola ensinando tudo o que sabe.

O recente prêmio de fotografia de Neco Tavares, a beleza dos livros de Nauro Junior, a - por que não? - bela edição da Marcha da Maconha me fazem reparar que a cidade vai bem, obrigada, vai ao encontro do seu destino, que é o das artes. Levanta-se de um período de estagnação, em virtude do empobrecimento econômico, do novo riquismo, das oligarquias que se esfacelaram, da teimosia de acreditar no outro mundo possível.

Estranho é que tanto Avendano como Valter e Nauro têm Junior no sobrenome. Talvez tenha sido um sinal de que as gerações vão construindo coisas diferentes que por sua vez vieram de outras, mais antigas, sempre nossas.

Estou contente. Contente e orgulhosa. E espero que sintam a mesma alegria aqueles que vivem hoje esse renascimento nas artes, por todos aqueles queridos amigos que estão lá, que sempre estarão na minha história de afetos embora eu, à revelia da minha certidão de nascimento, tenha sido vítima de erro geográfico. Erro? Talvez não. Eu gosto de errar pelos caminhos. E de ser guiada pela luz dos acertos. 
Se alguém duvida que um governo possa acender uma cidade, saiba que os incentivos do ProCultura, do Ministério da Cultura têm chegado a Pelotas e têm sido muito bem aproveitados. Mas só foram bem aproveitados porque havia uma nova geração disposta a não desistir de criar. 
E assim se constrói, de cada cidade acordada, uma Nação nova, em sendo a mesma. 


Pela ordem: Aldyr Garcia Schlee, Cintia Lage e Rafael Andreazza, Avendano Jr., Valter Sobreiro Junior, Neco Tavares e Nauro Junior.

* este blog não segue as normas da reforma ortográfica.

1 de junho de 2014

MEU REI

O assunto era outro. Era sobre futebol. Mas em não sendo agora, chegará a sê-lo porque no Brasil todos os caminhos se encontram no futebol ou na música. Fico com a música.
O Brasil, que tem um uma bracinho monarquista e adora as tramas da corte (até lhe paga para que exista, haja vista o laudêmio) também adora a música. E nessa de adoração inventou (ou inventaram-lhe) que Roberto Carlos era e é o nosso rei. Que Pelé foi rei, que a rainha dos baixinhos é ela mesma e outras benevolências que a massa ignara costuma perdoar aos imperadores como Sarney ou Maluf, por exemplo.


Pois eu lhes digo (agora é moda): esse tal de Roberto Carlos não me representa. Considero-o, a par de bom compositor (às vezes) e por implicar com o sentimentalismo explícito, uma figurinha enjoada e um pouquinho fraca de raciocínio, sem posições definidas e muito menos assumidas. Um alienado, digamos. 

Já o meu rei é outra coisa.  O meu é solar, muito mais inspirado, classicamente inspirado, e muito elegante. Simpático, mesmo sem querer, e capaz de falar sobre coisas que importam, defendê-las e assumi-las, como faz um homem que pensa. 
É tão famoso quanto o outro e sua obra há de inspirar o mundo daqui para eternamente.
Aqui não tem papo de isso pode e isso não pode dizer. Todo o mundo faz bobagem. Alguns ficam sabendo, mas e daí? Ser artista é ter os olhos do mundo voltados para si o tempo inteiro. O que o artista faz da sua vida é assumir, e não desmentir ou omitir. 
Por tudo isso, pela Copa, pelo que há e não há de acontecer, proclamo aqui nessa declaração que é mais de patriotismo do que de amor: 
Chico Buarque é meu rei.



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