22 de abril de 2012

ÁLVARO MENDES (1938-2012)

                            

"como eu fui, simplificado."

 

Não sei se era verdade que Álvaro Mendes não se reconhecia poeta. A vaidade, que se confunde às vezes com o  pudor, atinge regiões tão remotas que passamos a vida a pensar que não existe. Recebeu, ainda jovem, o conselho de desistir da poesia (os levianos pareceres acadêmicos). Isso talvez o tenha levado a hesitar tanto pela publicação do seu livro Íris breve pela 7Letras em 1999, quando o autor tinha  57 anos.


A publicação tardia talvez se deva também a uma extrema exigência, ao cortar, excluir, substituir obsessivamente até o resultado desejado - o que é quase impossível para os perfeccionistas.

Ao ler pela primeira vez os poemas do livro confesso que não alcancei aquelas paisagens lunares e a linguagem demasiado erudita. Mas ele também não gostava de ser chamado erudito. "Erudito era Augusto Meyer", dizia.  Fiquei impressionada foi com a novidade, a pureza da pedra.

Ivan Junqueira, autor do prefácio de Íris breve afirma com propriedade:

"Duas coisas chamam de pronto a atenção na leitura de Íris breve, livro com que tardiamente se estréia o poeta Álvaro Mendes, que de estreante só tem mesmo a pudicícia de se haver mantido quase inédito até os 57 anos: seu lirismo seco e austero, de cunho não raro reflexivo, e sua intensa fermentação experimental - ou mesmo subversiva - no que toca à trama vocabular e à estrutura sintática (...) O experimentalismo a que se consagra Álvaro Mendes é absolutamente pessoal e, mais do que isso, solitário, o que faz dele um epígono e um prógono de si próprio. "

Jornalista de profissão, do tempo em que havia jornais de verdade - Álvaro Mendes aposentou-se, e talvez tenha aposentado a prática do texto perfeito na imprensa.

Deixou inéditos dois livros: um de poemas, Sardônica, e Alvarozes - uma prosa espessa equivalente ao Ulysses de Joyce. Podem pensar que exagero, mas sigo a intuição. O século é XXI, o país é o Brasil. Qual é a esperança? Quem publicará obra de tal porte de um autor desconhecido? Ou então, quem sabe, agora morto, resolvam descobri-lo? Não seria raro.
Deixo-os com essas lâminas, estilhas, centelhas de um poeta que viveu para a poesia, amante e estudioso de Valéry, Pessoa, Augusto Meyer, Camilo Pessanha, Rosalia de Castro, Eugenio Montale. Em que banco de dados ficarão depositados os conhecimentos e a sensibilidade do artista? 

poemas


poemas são fermentações
falhas de fornicação
tenebrosas associações
- devoradoras de
palavras.

são
altas fábricas de prata
forjas de cal
rubros!
violentos sais verbais.

cães
de guerra em ação
de guarda

são
ações
açores de guerra em terra
aviões de caça
falcões de palavras
descamisadas  em vôo-
-cego em guerra
de morcego.

poemas são
fabricações violentas
de olho em greve morcegam
infravermelho-ávido
têm olho grave
e são rei.

contudo não trabalham
demarcam
golfos vermelhos
teias de hera em letras
das pernas às pedras
com patas de tiralinhas.

(...)

poemas são
fagulhas sinistras
coices brutos no cio
pavios.

poemas cantam
de nada.




nom sabeis concual prazer m´entrego à idéia que preçede a criaçom.

levanto cedo, logo m´esfrego, entre la lampe et le soleil

carece choisir a linguagem adequada         nem pouco nem excessivo

la mesure    le point de jour.

nã sabedes quã labor dá um pícolo anúncio fulgurante in página

cual jóia:

la mesure

le point du jour

 

 

espingarda punho de seda gotas de chumbo facetadas

sacrifício ao deus trovão.

depois... nenhum clarim

                                        tambor / tambor



sinais

incapaz de escolher, paralisado
os sinais me comovem.
em fileira cerrada me prometem
                                                   o mundo
o mundo mudo
- lábios, seios, olhos, um fragmento
de música        detritos, sonhos, ossos
oblíquos cintilando junto ao mar.
os sinais me exsperam: asas-
-pupilas no meu quarto.
o espaço que não tive eles povoam
de sombra resumida mas solícita
misturando secura e pesadelo:
calendário em vez do tempo
os dias sem distância
uma paisagem uma rocha um grito
filtrados pela mesma gelosia 



...

.

12 de abril de 2012

MACONHA & DESENVOLVIMENTO


De todas as mentiras, talvez a do desenvolvimento sustentável seja a pior. Todos os dias perdemos para os poderosos a terra, as árvores, o céu - tudo o que precisamos para viver. E temos que calar. Ou melhor, podemos até falar, mas quem nos ouve?
Os que me lêem mais amiúde devem ter notado que estou quieta em relação ao tema liberação da maconha, pelo motivo que todos também já sabem: não há, por parte dos governos em geral, interesse em acabar com o tráfico, simplesmente porque o o que é proibido dá mais dinheiro. Cachoeira que o diga.
Além de dar dinheiro, as "ações armadas" da polícia "pacificam" as "comunidades" e, de quebra, ajudam a matar uma meia dúzia de pobres que não têm nem nome. Trata-se, talvez, de uma experiência para a contenção demográfica.
Alguém aí sabe os nomes dos que morrem em investidas da polícia em comunidades?
Agora, se for um engenheiro, médico, qualquer profissional liberal e até polícia, aí tem nome, aí é gente.
Tanta hipocrisia me cansa. Parece que sempre escrevo a mesma coisa. Não sei se as palavras estão gastas ou se eu é que me gastei.

Afinal, se as próprias autoridades reconhecem que a repressão fracassou, por que não experimentar outra? Só um imbecil não aceitaria arriscar, só alguém muito sério poderia tentar. Experimentar, apenas, ter boa vontade, olhar para a frente com a certeza de que é muito pouco trancafiar jovens pobres porque em algum momento carregaram um baseado de lá para cá, coisa que milhares de pessoas fazem todos os dias em todo o mundo.
O assunto ressurge por conta de duas notícias de jornal. A primeira é a de que na sexta-feira, em lugar incerto, reunem-se pela primeira vez no Brasil os policiais, militares, juízes e desembargadores que vão compor a "Agentes da lei contra a proibição". Ufa! Já não é sem tempo.
E a segunda, ainda melhor e mais pitoresca, é que a população do pequeno vilarejo de Rasquera, na Catalunha, o mais endividado da Espanha,decidiu num referendum, com 56% dos votos, pelo plantio da maconha como parte de um plano para pagar a dívida de 1,3 milhões de euros e criar cerca de 40 postos de trabalho.
O destino da erva são os 5 mil membros da Associação de consumidores de Maconha de Barcelona, (ai como dói o nosso atraso) que reúne pessoas que fazem uso da planta. A associação financiará o projeto durante dois anos.
Bom, aí estão duas notícias alvissareiras.
De qualquer forma, a Marcha está aí (é dia 5 de maio) e sempre é bom lembrar (é preciso lembrar) que o que dizem é que vivemos numa democracia. Uma democracia em que somos achacados pelos impostos, pela polícia e pelas empresas em geral. Uma democracia em que vemos o dinheiro sumir sem que reapareça em forma de nada, a não ser em pessoa, digamos, escondido em malas, meias, cuecas ou contas dos eleitos que sustentamos religiosamente, mesmo que não tenhamos liberdade nem para fumar um baseado.
Não sabemos bem onde tudo isso nos levará, com o Brasil tendo um potencial gigantesco de enriquecimento natural, preferir cavar o o fundo do mar, depredando e poluindo em nome da "riqueza nacional".
Não me conformo que o Brasil, esse país colossal, com terra para todos, não possa ser aproveitado para o cultivo de uma planta que poderia suprir toda a demanda interna e ainda ser exportado. Eu prefiro sonhar com campos verdes do que ver com pavor as plataformas poluidoras que infestam tudo o que há de belo na natureza.
É preciso coragem, convenhamos. A Presidente Dilma teve coragem uma vez, quando assumiu a luta por um ideal. Naquele tempo os inimigos eram os ditos subversivos. Ela era um deles. Agora os subversivos são os maconheiros. É sobre eles que cai a pata do Estado. Alguém sempre tem que pagar. E alguém tem que pagar as armas.
Alguém sempre tem que ser o inimigo da vez, para que não pare jamais a repressão e suas armas assustadoras.
É preciso não esquecer as lições do passado. Naquele tempo talvez a Presidente Dilma tivesse pressa de mudar os rumos do golpe. A coisa não deu certo. Mas o tempo passou. Hoje ela é Presidente. Mas isso não quer dizer que agora deu certo. Está em suas mãos fazer com que dê certo uma outra revolução - a de que outro mundo só é possível se houver liberdade para todos.
O Brasil quer estar à frente? É um dos mais ricos? Pois então que seja, antes de tudo, o mais corajoso na luta contra o preconceito e a repressão.
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