31 de dezembro de 2010

QUE VENHA 2011


Do chão sabemos que se levantam as searas e as árvores, levantam-se os animais que correm os campos ou voam por cima deles, levantam-se os homens e as suas esperanças. Também do chão pode levantar-se um livro, como uma espiga de trigo ou uma flor brava. Ou uma ave. Ou uma bandeira. Enfim, cá estou outra vez a sonhar. Como os homens a quem me dirijo. (José Saramago)
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Esperei até o último momento para desejar a todos, principalmente a todos os que se lembraram de mim e me acompanharam durante este ano, um Feliz Ano Novo.

Esperei porque queria oferecer-lhes algo novo. Mas depois de tantos novos anos, o que me ocorre é a velha palavra, a mais bonita, a que mais perseguimos e pedimos: esperança. E mais: que não nos abandone, não deixe que o peso dos anos vá apagando a chama tão necessária para continuarmos olhando para o futuro. Se será bom, se não será, isso não vem ao caso. O que importa é que estamos aí, e cada um de nós, de formas diferentes, enfrentamos nosso próprio destino.

São as mesmas as perguntas e indecifráveis as respostas. A velha palavra é, todos os anos, a mais nova, a mais capaz de nos fazer juntar forças para enfrentar desacertos, fatalidades e espantos.
Nunca contamos se durante o ano passamos mais ou menos contentes. Mais indignados do que entediados. Mais orgulhosos do que simples. Também não interessa. Passou. Agora é olhar o que vem por aí, e não é novidade para ninguém as palavras do poeta: "O primeiro amor passou, o segundo amor passou, mas o coração continua". A poesia sempre estará aí para nos salvar. E com ela estamos prontos.
Como Corinha, por exemplo, que já deixa o ano para trás e se prepara para quando o Carnaval chegar.
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20 de dezembro de 2010

NATAL

Que pode uma criatura senão entre criaturas, dar espaço ao poeta para falar sobre o Natal?
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NATAL

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Fernando Pessoa


Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade

Nem veio nem se foi. O Erro mudou.

Temos agora uma outra Eternidade,

E era sempre melhor o que passou.



Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.

Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.

Um novo Deus é só uma palavra.

Não procures nem creias: tudo é oculto.







O poema caiu em minhas mãos há poucos dias. Guardei-o, já aberto, para hoje, para dedicá-lo aos leitores desse blog que me permitiu, afinal, retornar à crônica, gênero a que me dediquei nos antigos anos da minha juventude.

Para a crônica nunca falta assunto. As coisas estão acontecendo o tempo inteiro, o mundo está em ebulição. Mas a maravilha é que o cronista pode escever sobre outra coisa, uma sombra que viu na parede ao cair da tarde. A janela envidraçada e uma roseira que tremia. Da rua vinha uma luz rosa, depois da chuva.

Mas é Natal, e ninguém consegue fingir que não é. Que posso dizer-lhes? Ritos e mitos. Acreditar ou não. Tudo é difícil. Mais difícil do que ser é crer. Mas sou uma voz anônima em relação ao mundo. Tenho leitores, é verdade, isso nos faz um mundo. Mas estamos inseridos em outro. E na hora da decisão, qualquer decisão, estamos sempre sós. Não sabemos bem no que isso vai dar, mas a dúvida é antiga e, ao que parece, não tem resposta.
Por mim, o mundo é esse corpo que carrego para todo o lado, essa alma tantas vezes esquiva, esquisita como eu, que me sacode todo o dia. Acordo e vejo: estou viva. E então vou viver. Firmeza ou insegurança, bom ânimo ou espírito derrotado. Todo o dia a mesma luta, alguma raiva, alguma ternura. E sempre as dúvidas, as decepções. A traição.
Mas é como aprendemos. Na porrada. Nada nos ensina a felicidade que passa num átimo e dizemos, perplexos: é ela. Erguemos o braço, já se foi.

O mundo somos nós, eu com o meu corpo até o fim, você com o seu. Caminhamos. Caminharemos até que se extingam os dias. Depois virão outros dias. E nós? Vá saber. Tudo é oculto.

Do chão, olho para o alto e pergunto. Quem responde é Gonzaguinha, embora também não possa confirmar.

"A vida poderia ser bem melhor e será,

mas isso não impede que eu repita:

é bonita, é bonita e é bonita."
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14 de dezembro de 2010

ALDYR GARCIA SCHLEE - FATOS LITERÁRIOS




Todo o mundo sabe que o Rio Grande do Sul tem vida própria, em matéria de literatura. E há quem pense que poderia bastar-se também em outras áreas. Mas isso já é subversão.
O movimento em torno da produção literária das terras gaúchas foi a solução para a dificuldade de penetração no mercado Rio-São Paulo, estados que sempre cuidaram de beneficiar aos seus, como aliás continuam. Vai daí que nomes importantes da literatura se mantêm desconhecidos do grande público (falo em grande público mas quero dizer público possível), mas conhecidíssimos por lá.
O Rio Grande do Sul, que já tem a maior e mais antiga Feira do Livro do Brasil, também sedia o maior evento literário nacional, a Jornada de Literatura de Passo Fundo, que até onde eu sei oferece o maior prêmio literário em dinheiro ao melhor romance em língua portuguesa.

Em 2003 o Grupo RBS, em parceria com o Banrisul e o Governo do Estado instituiu o prêmio FATO LITERÁRIO, e anualmente a Secretaria de Cultura do Estado outorga o Prêmo Açorianos de Literatura, um prêmio de bastante prestígio. No mínimo, um bom exemplo.

Isso é para dizer que no espaço de menos de um mês o escritor Aldyr Garcia Schlee, um dos melhores escritores brasileiros que conheço, recebeu o prêmio Fato Literário e agora, conforme soube, também o Prêmio Açorianos na categoria contos pelo seu extraordinário livro OS LIMITES DO IMPOSSÍVEL - contos gardelianos. Aliás, é a quarta vez que recebe o prêmio Açorianos. E neste ano não podia ser diferente, uma vez que o livro é imbatível.

Escrevi sobre Schlee por ocasião do lançamento d´Os Limites do Impossível. E ainda nem tinha lido o livro. O que li depois foi uma obra excepcional, que nasce de tempos em tempos, flor raríssima; que surpreende, comove, extasia. O artista pode mudar o tempo, o cenário, os fatos. Pode levar o leitor a pensar que ele também é parte da criação, que o sentimento, incorporado à obra, eleva-o à condição de criador. Só um apaixonado pela linguagem, um apaixonado pelo ofício, um incansável e predestinado escritor em sentido amplo pode fazer isso. Nada de invenções de marketing, nada de embromações. Arte pura, trabalho, paixão.

Cumprimentar é pouco. Louvo a existência de Schlee - vida e obra. Porque também a vida que leva é um exercício que o entusiasma, que diz respeito à família, aos amigos, a tantas coisas pelas quais se interessa e discorre com absoluto domínio, sempre com humor.

Espero que venha ao Rio lançar o premiadíssimo livro. É preciso que venha e que os brasileiros - todos - se ufanem do escritor que dizemos nosso, brasileiro, mas que pertence a um universo maior, que somos eu e você, na relação íntima que se estabelece na leitura, no encantamento que se instaura a partir da percepção, via linguagem, do sentimento do mundo.
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Obs: Os limites do impossível foi editado pela ARdotempo, que também acaba de lançar, do autor, DON FRUTOS - romance sobre a vida do caudilho Fructuoso Rivera, presidente da República Oriental do Uruguai em duas oportunidades históricas e indicado a um terceiro mandato em triunvirato, num momento preciso e pontual: cerca de um ano inteiro de vida, o último de sua jornada, vivido em Jaguarão, no sul extremo do Brasil e permeado pelas lembranças sobre os inúmeros episódios de sua espantosa vida de aventuras políticas, amorosas, militares e de barroca construção de um novo país. Frutos Rivera, um dos libertadores da América. Um homem do pampa que assomou à presidência do Uruguai e incluiu-se como um dos fundadores da nova república, entre impérios e potências internacionais. Foi escrito em quatro anos, lastreado num pesquisa exaustiva ao longo de 45 anos, em bibliotecas e arquivos nacionais, no Uruguai e no Brasil.

http://ardotempo.blogs.sapo.pt/

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7 de dezembro de 2010

ELES NÃO PARAM AS LOIRAS

Fui a Manguinhos para ver se conseguia alguma coisa. Queria tirar uma foto ao lado dos tanques, mas os soldados estavam com cara de maus. Andei mais um pouco, e já pertinho achei quem vendesse. Agora é dar um tempo. Logo o esquema vai mudar e a gente vai saber.
Peguei o bagulho e ainda rolou uma carona. Tudo firmeza.

Mas você não tem medo?
Tenho não, eles não param as loiras.


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6 de dezembro de 2010

A PAZ, NEM QUE SEJA A PONTAPÉS.

Tchello d´Barros
http://www.tchellodbarros-poesiavisual.blogspot.com/



A gente anda para cá e para lá. O Brasil, vocês sabem, é grande. Quanta extensão de terra! Quanta plantação! É do tamanho do Brasil que vem essa vocação para o cultivo: arroz, café, erva-mate, laranja, milho, todos os chás invejados pelo mundo afora. Cada um faz bem para uma coisa. Nada não presta. Tudo é aproveitável. E já está aí. É só a água molhar. Como é grande o Brasil, e como é lindo! Alguém já viu uma plantação de café? Alguém já viu uma plantação de maconha? E de laranja? Culturas, apenas isso, culturas. Para quem gosta de café, maconha ou laranja. Só tem uma diferença: quem gosta de maconha se dá mal. É perseguido. É proibido.

A invasão no Complexo do Alemão já apreendeu 36 toneladas de maconha. (Pelo menos é o que nos contam). E aí essas 36 toneladas de dinheiro são queimadas nos fornos da CSN. Não é a primeira vez. Dessa vez já não tivemos Ministro pagando o mico, mas a coisa continua.

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, afirmou em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo” e à “RedeTV!” que vai sugerir à presidente eleita, Dilma Rousseff, uma discussão internacional sobre a legalização das drogas leves. Segundo Cabral, o tema tem que ser levado a fóruns internacionais.

“Sou a favor da discussão sobre a legalização, mas num plano internacional é que isso tem que se dar. Não adianta eu, governador de estado, levar esse tema. Isso tem que ser discutido na ONU (Organização das Nações Unidas), no G-20 (grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo)”, disse Cabral.

Dessa maneira o Governador Sérgio Cabral se safa de tomar a frente e fazer o gol. Passa a bola e, para os abolicionistas, posa de simpatizante. Mas nos maconheiros - polícia. Só Deus sabe por que mais passarão os moradores das favelas com esse estado de guerra em que a polícia pode entrar quando quiser, olhar o que quiser, fazer o que quiser. Suspeitos antes do crime. Criminosos sem defesa. Na hora morta da noite, quem se levanta para acudir o vizinho? Alguém sabe o que é ouvir o torturado e não poder fazer nada para não dançar? As mulheres, principalmente as mulheres, sabem. No outro dia é que são elas. O choro, a humilhação dos mais fracos.

A novidade vem por conta do editorial do Globo que, se eu li direito, é, agora oficialmente, a favor da despenalização. Uma outra opinião é a do Coronel da PM, na reserva, Milton Corrêa da Costa, que acha que legalizar é um tiro pela culatra e pergunta: se a política de repressão não deu certo, qual é a garantia de que uma política de legalização dará? Ora, isso não sabemos e não saberemos sem arriscar, desde que esta experiência venha bastante discutida, bastante estudada, na intenção maior e constitucional de garantia (aí sim é preciso) dos direitos individuais. E é só não vir armada que já está bom. Ninguém quer mais guerra. O coronel também cita a Presidente Dilma Roussef ao ser indagada, tempos atrás, sobre a descriminalização das drogas: "Descriminalização de drogas é um tiro no pé. Num país com 50 milhões de jovens entre 15 e 19 anos é complicado."

Complicado? Pode ser. Mas o que fazer se esses jovens querem ter outras experiências, se não acreditam mais nas histórias que lhes contaram? Matá-los é menos descomplicado do que orientá-los?

Também foi o Globo que me revelou, na edição de hoje, A Conexão Alemão-Paraguai com o advento de um fantástico personagem chamado Marcelinho Niterói. Atenção José Padilha. Quero um filme com Marcelinho Niterói para ontem.

Já o Sr. Carlos Werneck, que se diz empresário, escreve na coluna de opinião dizendo que o pontapé para a recuperação da confiança e admiração do carioca na política já começou. Entre lágrimas e fortes emoções acompanhei suas impressões sobre as meigas manifestações de moradores saudando a ação da polícia. Há outras experiências, mas sobre essas o senhor empresário não falou.

Também quero deixar aqui o meu bilhetinho às forças de ocupação: LEGALIZAR É LIBERTAR. Não existe liberdade monitorada. E os pais sabem disso muito bem.

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