13 de junho de 2015

QUANTO VALE OU É POR QUILO?

"O homem morre sem ainda saber quem é.
A morte coletiva apodera-se da morte de cada um."


Murilo Mendes



Ontem o Secretário de Segurança comemorou o aumento da pena para matadores de policiais. Que eles (os bandidos) se convençam de que não vale a pena matar policiais.
Estranha tática de convencimento, que dá peso diferente à morte de iguais. 

A lei recém aprovada, festejada pelas forças de segurança, não significa nada, no entanto, para os criminosos atuais, que matam sem motivo, impulsionados por históricos estarrecedores, pelas drogas ou pela frequência às melhores universidades do país - as penitenciárias.
E também não significa nada para os policiais. É consolo saber que o autor da sua morte pegará, daqui para a frente, uma pena maior? Estará morto e enterrado e nem aí para o castigo do assassino.
Além disso, há uma contrapartida na medida. Simbolicamente, a lei diz ao policial que ele vale mais do que outra pessoa. A atitude agressiva de abordagem com certeza dará um salto. Afinal, o policial é agora ainda mais poderoso. E o bandido mais raivoso. Mais mortes vêm por aí.
  
Uma questão que me intriga é: o que leva alguém a decidir que será policial? Exemplos na família, desejo de estabilidade no serviço público, cabecinha deformada pela televisão, maus-tratos na infância, sede de justiça ou de vingança? Não se sabe. O que se sabe é que aqueles homens e mulheres oferecem suas vidas em troca de um salário morto.
Todos tiveram mãe, isso também é certo. E pai, irmãos e vizinhos. Alguns não tiveram nada disso.
Mas sempre aparece uma avó, uma tia, e o garoto vinga.
Normalmente oriundos das zonas de pobreza, os policiais se oferecem para fazer parte do braço armado do Estado. Para isso recebem treinamento que os transformam em matadores. E frios.
Já atuando na corporação, percebem os meandros do mal em que se meteram em que a humilhação dos treinamentos vai se transformando num ódio concreto, denso, que mais tarde vai explodir nas favelas, no mesmo lugar de onde vieram. E por aí vão se desencantando, endurecendo e se um dia houve ternura, ela some totalmente no convívio com a presunção, a farda, o revólver.
Agora, então, que o policial morto vale mais do que o de qualquer um.... 
Talvez uma outra tática fosse possível: ao detectar os crimes cometidos por policiais a cúpula da segurança deveria simplesmente expulsá-los, e não transferi-los para áreas administrativas e depois inocentá-los para que cometam outros crimes.
Que garantia tem um favelado ao testemunhar contra um policial? Garantia nenhuma, e se não morrer por um tiro distraído vai pegar o primeiro ônibus pra Pasargada.
A única certeza é que diariamente ficamos sabendo dos desmandos da polícia por omissão, despreparo ou crueldade. Não importam as provas ou as evidências, o policial é sempre absolvido no final. 
A guerra às drogas fortalece a idéia do Estado repressor. Que tal dar prioridade às unidades que, em tese, são destinadas a encarcerar menores, e transformá-las em verdadeiros centros de reabilitação?

Mas ninguém quer tentar nada de novo. Todo o mundo quer conservar o que tem a todo o custo. Não estão preocupados nem com o bandido nem com a polícia e morrer é coisa que acontece com todo o mundo
Se a moda pega, daqui a pouco teremos outras leis protegendo diferenças. Quanto vale um doutor, um estudante ou um catador de lixo? 
Acautele-se. Os dias não prometem bons ventos. É por isso que deixo aqui o poema de Murilo Mendes, do qual sempre me lembro quando vejo avançar a força da ignorância. 


OS POBRES

Chegam nus, chegam famintos
À grade dos nossos olhos.
Expulsos da tempestade de fogo
Chegam de qualquer parte do mundo,
Ancoram na nossa inércia.

Precisam de olhos novos, de outras mãos
Precisam de arados e sapatos,
De lanternas e bandas de música,
Da visão da licorne
E da comunidade com Jesus.

Os pobres nus e famintos
Nós os fizemos assim.

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5 de junho de 2015

PRÉMIOS E COMENTÁRIOS

PRÊMIOS E COMENTÁRIOS
Adília Lopes - poetisa portuguesa 
(in Caras Baratas - antologia, 
Relógio D´ Água Editores - Lisboa, 2004)








A avó Zé e a tia Paulina
deram-me os parabéns
e disseram
agora já é uma senhora!
a Maria dise
parabéns por quê?
é uma porcaria!
quanto a comentários
a poesia e a menarca
são parecidas

Em 72 recebi
o prêmio literário
dos pensos rápidos Band-Aid
o prémio foi uma bicicleta
às vezes penso
que me deram uma bicicleta 
para eu cair
e ter de comprar pensos rápidos
Band-Aid
é o que penso dos prémios literários
em geral

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