31 de outubro de 2011

DRUMMOND TODOS OS DIAS







Não importa que há anos eu observe com tristeza a importação da festa do dia das bruxas para dentro das escolas brasileiras. Não importa que queiram dar a um dia, o dia de aniversário de Drummond, o nome de Dia D, o que na verdade significa o dia da invasão da Normandia. Talvez tenham esquecido, não sei. Talvez não ensinem mais isso nas escolas, ou ninguém mais veja filmes de guerra.


No dia do aniversário de Drummond, eu pensava. Que vergonha! É assim que querem ser primeiro mundistas?


O que importa mesmo é que nesse dia o melhor a fazer é buscar, na memória, nos livros ou na internet, a maravilha que Drummond nos deixou, em que pese alguns acharem que tem muita coisa ruim. Não importa nada. Só que do melhor que fez, fez grande e isso deveria isentá-lo de críticas daqueles que, infelizmente, não acharam o seu melhor.




Outro abuso do pessoal sem noção é trazer a sua (assim mesmo, sua, e não a imagem dele) imagem para o programa do PCdoB. Primeiro, que a sigla do PCdoB não é a verdadeira. Segundo que Drummond passou apenas pelo Partido. Passou meteoricamente.
O que não passa é a poesia.
Não importa que hoje já seja novembro e seu primeiro dia será também de buscá-la, a poesia de Drummond, e ler todos os dias, ler na madrugada, como reza. A poesia da humanidade. A ela pertencem todos os dias.



MÃOS DADAS



Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.





28 de outubro de 2011

POLÍCIA PARA QUEM PRECISA DE POLÍCIA





Houve um tempo em que as mulheres não votavam. Houve um tempo em que o samba era reprimido, assim como os terreiros de candomblé. Houve um tempo em que a a cocaína e outras drogas circulavam livremente pelos salões do Brasil, quando a elite copiava os hábitos europeus e falava francês. Usavam-na os ricos e as putas e movimentavam os casarões da rua Alice. A prostituição era proibida.
Houve um tempo em que o divórcio era proibido. Houve um tempo em que o amor homossexual era proibido.
Houve um tempo em que a bebida foi proibida e depois novamente permitida. Houve um tempo em que todo o mundo fumava, nos aviões, nos trens, em casa, no cinema.
Tudo passou. Sempre chega o tempo em que as coisas mudam, as necessidades se impõem, os interesses variam. A lei, sempre atrasada, chega lentíssima. Agora mesmo ouço dizer que os herdeiros do trono britânico já podem casar com católicos. Que bobagem! Mas até isso mudou.
A únca coisa que não muda é a polícia.
Vejamos o caso da USP: A Reitoria e a polícia fazem um acordo para manter a segurança no estacionamento do campus, onde já aconteceu um assassinato, estupros, espancamentos, assaltos e furtos em geral. Combinado isso, a polícia resolve prender três pessoas que estavam fumando maconha, no que se pode identificar uma ação conhecida popularmente como "mostrar serviço".
Por que motivo não ficam quietos e seguem observando a ver se não aparece algum ladrão, assassino ou estuprador? Quem é que não sabe que em todos os campus do Brasil os estudantes fumam maconha? Toda a faculdade, todo o parque toda a praia tem o seu fumódromo. Que palhaçada é essa? Vão prender quantos, para enfiar onde? No maravilhoso sistema carcerário brasileiro? Para uma temporada de recuperação? Para integrar o usuário na sociedade? Desculpem, mas às vezes ainda me irrito. Que bobagem!
Tudo passa.

E outra: é pela força que se dirimem os conflitos na USP? A Universidade não é um lugar para a formação das idéias? E elas precisam ser todas iguais? Então não sei para que servem. Melhor abrir uma fábrica de robôs.


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27 de outubro de 2011

ORLANDO SILVA, O PRIMEIRO






O Orlando Silva que conheci foi "o cantor das multidões", que minha mãe ouvia no rádio e cantava. Eu achava meio empolado, mas gostava. O que era engraçado é que ela imitava os excessos.




Quando apareceu o outro Orlando Silva, na cabeça do Ministério dos Esportes (coisa que eu também acho um excesso) olhei praquela cara que nunca tinha visto antes e pensei: legal! É negro, é baiano - cumpram-se as cotas.
Depois fui sabendo uma coisa e outra, mas a mais enfática é, ao que parece, o fato de que o Ministro não pratica nenhum esporte, assim como Ricardo Teixeira. Agora entra Aldo Rebelo. Mais fraquito, impossível, mas está sempre no banco para tapar o buraco dos titulares. Um soldado do partido, como se diz.


O que importa dizer é que justamente neste escândalo, formatado como todos os outros ou melhor, tenha ficado mais explícito o jogo político da direita e seus meios de comunicação. O policial federal acusou mas não mostrou nada. E quando ia mostrar, afinal, ao saber que o Ministro se demitira, desistiu de mostrar as ditas provas. Agora o ex-ministro Orlando Silva sabe que o fato de ser negro só faz com que, na hora da saída, ele seja tripudiado mais do que os brancos, como fez Antonio Carlos Magalhães, o Neto, a mais perfeita encarnação de um dos maiores quadrilheiros que o Brasil já teve. Como diria Milton Santos, "Tente ser negro e pegar um táxi em Nova Iorque".

E o que é um Orlando Silva (o segundo) perto de Antonio Carlos Magalhães? Faz lembrar a pergunta de Brecht: "O que é um assalto a banco perto da fundação de um banco?"
É a mesma coisa. Foi-se Orlando Silva ( o segundo, porque o primeiro ficará) mas e o resto? Aqueles em quem ninguém fala e fica isso por isso? Ninguém se lembra do Sarney na hora do Basta?
Sarney é o nosso Berlusconi. Ninguém quer mas ninguém tira.

O Ministro Orlando Silva vai cumprindo o seu inferno. Resta cantar " Aos pés da Santa Cruz / você se ajoelhou / e em nome de Jesus/ um grande amor você jurou / jurou mas não cumpriu / fingiu e me enganou...


Assim é o poder.


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20 de outubro de 2011

CASA DAS MÁQUINAS - UMA INVENÇÃO











Caros amigos, dei-lhes folga no mês de outubro. Terá sido porque não aconteceu nada? Aconteceu muita coisa, mas como são as coisas de sempre, me abstive de comentá-las. O mundo vai ficando muito repetitivo, e segue no caminho da mediocridade - é possível? Venho, no entanto, com uma novidade formidável. Trata-se do livro de estréia de Alexandre Guarnieri, CASA DAS MÁQUINAS, que a Editora da Palavra revela aos leitores que querem, antes de tudo, acreditar que sim, o novo é possível, embora cada vez mais raro.


Anos atrás, quando li pela primeira vez a poesia de Alexandre Guarnieri fiquei impressionada. Talvez não tenha nem entendido, de pronto. Mas me valeu a intuição. Por algum motivo que nem eu sabia, tinha certeza de que estava diante de uma coisa nova, bem construída e, além de tudo, (fui ver depois) absolutamente poética, profunda, bela e terrível.

Não é leitura para quem pensa que conhece tudo. Há que seguir. Vai aqui a instrução do autor, contida na contracapa:
tome o livro ao alcance do olhar, ( a leit- / ura é o combustível), tome-o pois, à mão,/ o tal dispositivo, livro ( é no bunker de/ neurónios o mistério, à senha ), que ninguém sabe, ainda, ao certo, ao torque/ da chave na ignição , se ligará ou não


O livro de Guarnieri impressiona não só pelo conteúdo, mas também porque o objeto livro é também uma criação do autor. Não só a Casa produz poesia como cada engrenagem foi observada, detalhadamente azeitada para que tivéssemos a chance de ver a máquina, várias máquinas, cada compartimento de cada uma delas, em pleno funcionamento. A organização, seleção, as imagens, o projeto gráfico - tudo é obra do poeta. E ainda traz às páginas temas, palavras e procedimentos que poucos ousam utilizar, dando-lhes nova face, despertando-lhes novo sentido.


Outros já fizeram? Tudo o que fazemos é feito do que os outros já fizeram, se formos inteligentes o bastante para captar o que nos salva ou o que apenas nos serve. Guarnieri soube fazer, e não sou eu, uma diletante, que garanto. Poetas e conhecedores indiscutíveis, Marcus Fabiano Gonçalves, autor do texto da orelha e Mauro Gama, poeta e crítico, autor do posfácio, me dão razão.
Eis o que escreve Marcus Fabiano Gonçalves:

Das esferas celestes ao computador, de Ptolomeu ao robô, o homem pensa o mundo como máquina. Mas como pode a máquina, que é morta, servir de metáfora da vida? Parte dessa resposta está no livro de Guarnieri: pertencendo ao domínio do movimento, a máquina empenha-se em aproveitar a energia, tal como o corpo humano. Recém as mão do hominídeo deixavam o solo e já estavam dadas as condições para a aparição da ferramente e da linguagem: o gesto, a ostensão, a figura rupestre, ímpetos de comunicação da técnica e das coisas, dos sentimentos e das sensações. De fora o homem se inventava um dentro e não tardaria para que o artesanato forjasse arranjos cada vez mais complexos, capazes de moldar a matéria em sistemas de partes combinadas pelo acúmulo de sucessivas conquistas da inteligência e sensibilidade.
A máquina subrodinou o mundo à transformaçao pelo homem, que, mudando o seu entorno, mudou também a si mesmo. Da lança à alavanca, do utensílio ao aparelho, as idéias de causa e finalidade aperfeiçoam-se na noção de funcionamento, esta espécie de vida das máquinas que, à diferença do homem, nascem na eureka e morrem no ferro velho desde sempre sabendo do seu para quê.
Há nos poemas de Guarnieri uma insólita capacidade de maravilhamento com essa argúcia dos engenhos, mesmo quando não possamos compreendê-los completamente. Há um fascínio perscrutante, uma atenção agudíssima vislumbrando por entre parafernálias a eclosão daquele instante em que a mão, a mente e a circunstância juntas inventaram ou descobriram a ferramenta.
(...) Hoje, entretanto, as máquinas colossais também se tornaram mais que minúsculas: nanométricas, moleculares. A química e a física são as novas engenharias dessas máquinas mínimas. Aparentemente sólidas e tão suavemente tácteis elas doravante em nada lembram a pesada empunhadura do machado de sílex.
Do botão à tecla e desta ao ícone digital (e logo à voz, ao olho e quiçá ao pensamento) nossas bugigangas de efêmera elegância envelhecem tão rapidamente que suas carcaças obsoletas soterram a memória da graxa dos motores e do carvão que tisnava o rosto dos mineiros no alvorecer da Revolução Industrial. Tudo isso parece já pertencer a um passado remoto e longínquo. Todavia, apenas parece. Enquanto o homem tiver corpo, a máquina não morre nem se torna virtual. Ela somente se oculta, prolonga-se em próteses, protege-se em caixas e carenagens, aloja-se em compartimentos no ventre da urbe ou circula subterrânea por suas artérias tubulares. Ela enfim sobrevive na Casa das Máquinas, recinto de acesso restrito ao qual somos agora convidados por esse formidável livro de Guarnieri. Em poemas de sofisticado alcance rítmico e imagético, ele revela parte desse enigma das máquinas a nossos espíritos tão precariamente fascinados por mecanismos e automatizações, signos maiores da própria inconsciência nossa da cada dia. Afinal, é do paradoxos de uma robusta e delicada maquinaria da linguagem que Guarnieri nos fala. E como ela é blindada por um invólucro viscoso contra as investidas de decifração pela reflexividade, só mesmo à poesia ela porderia entreabrir-se assim, majestosa e circunspecta.


... E Mauro Gama:
(...) Guarnieri percorreu todas as trilhas de seus antecessores e informou sua compulsão expressiva com a tradição que o precedeu: com a tradição, esclarecemos, naquele sentido histórico e dinâmico em que Eliot insistiu e pelo qual sugeriu "a concepção da poesia como um todo vivo de toda a poesia já escrita". (...) Guarnieri trabalha sua linguagem com uma consciência integrada não propriamente de suas qualidades e resultados "literários", mas físicos e fisionômicos, indissociáveis do desenvolvimento interno e concreto, gráfico, de sua escrita.


Ao encerrar sua primeira coletânea, o poeta instala o leitor entre paredes a um tempo gráficas, fonológicas e semânticas sem saída, sem horizonte além do que, inquietantemente, pode estar sendo gerado na seção terrificante de "A ânima da máquina": sua esperença centrífuga é o desastre final, ou a energia libertadora? Há algo de esmagador e apocalíptico em seu "Blecaute". A propósito, não esqueçamos o Brecht capaz de nos ensinar, que " de um rio que tudo arrasta/ se diz que é violento,/ mas ninguém diz violentas/ as margens que o comprimentem". É como no texto de Guarnieri: ali se consubstancia, na recriação de um universao verbal, a maior violência dos nossos dias: a da perda de qualquer sentido das atividades humanas emocionalmente dissociadas e em condições de crescente confinamento.

Eis aí:

Casa das Máquinas terá lançamento no dia 08de novembro, no Centro Cultural Justiça Federal,às 18 horasAv.Rio Branco, 241 - Sala de Leitura da Biblioteca - 2º andar.
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