19 de fevereiro de 2014

ENQUANTO ISSO, A POESIA...

Cansa, cansa muito escrever sobre velhos problemas, aparentemente novos.
Escrevo, portanto, sobre o que é sempre novo, mesmo que antigo. Falo de poesia que,
não importa a forma, segue nova em outras vozes e continua lançando um pó mágico sobre os poetas que, esses sim, não se cansam de sabê-la, própria ou alheia.

O que seria dos poetas mortos se não fossem os poetas vivos?
São os poetas que não se cansam de reunir, organizar, traduzir, divulgar a poesia, como se deles dependesse (e depende) que ela siga por aí, tocando magnificamente as almas daqueles que não sabem bem o que sentem, não sabem bem, mas se acham diferentes, até que um dia se descobrem; também eles são poetas.
Temos aqui exemplos desses poetas que se dedicam à própria criação mas não descuidam das fontes em que se iluminaram. A homenagem aos mortos, autores de uma obra sempre-viva, só pode ser movimento de poeta. Fazem-no por vocação, porque sabem que assim estarão lidando com o que lhes dá prazer ao mesmo tempo em que possibilitam novas leituras dos poetas de outros tempos.


AUGUSTO SÉRGIO BASTOS - organizou e  prefaciou a edição dedicada ao poeta Luís Carlos, que faz parte da série Essencial, uma iniciativa da Academia Brasileira de Letras dedicada a divulgar os poetas, ocupantes das 40 cadeiras da ABL, ao longo do tempo.
Não é a primeira vez que Augusto faz esse trabalho, e o faz com graça e precisão, de quem sabe dar cor à história, parecendo até que nos conta uma história de memória, tão simples a linguagem, tão direta e firme, tão minuciosa que nos transporta para aqueles tempos, em que os poetas eram reconhecidos e - ó céus - vendiam livros. Poeta, engenheiro e diretor da Central do Brasil, também Luis Carlos, apesar de dedicado funcionário, foi alvo de críticas. Alguém passa incólume?




WALMIR  AYALA - Nos Poemas Escolhidos de Ferreira Gullar, organizados por Walmir Ayala com coordenação de André Sefrin, o poeta declara "o prazer com que realizei este trabalho, sobretudo a felicidade de resgatar um universo poético essencial. E de imaginar que estão por aí estes resíduos de beleza, prontos a nos restaurar a confiança no ser humano e na urgência da vida."
Walmir Ayala já se foi. Ferreira Gullar está vivo. Um poeta está sempre levando outro pela mão para iniciá-lo na eternidade.



LUIZ OTÁVIO OLIANI - É cria da casa. Surgiu com o Panorama da palavra, saudoso e saudável sarau de poesia que aconteceu entre 1999 e 2004 no Rio de Janeiro e, uma vez reconhecendo-se poeta, não parou mais. Faz disso o seu objetivo e missão. Tem, além de tudo, vocação para divulgar a própria obra, coisa de que muitos se ressentem. Oliani não, Oliani sempre olha para a frente. É da poesia que sai sua força e guia. Agora vem aí Luíz Otávio Oliani - entre-textos. A obra reúne 41 diálogos poéticos com autores brasileiros contemporâneos. 



Vai aqui também a reunião de poemas de Gregório de Matos, o Boca do Inferno,com seleção e prefácio de André Seffrin para as Edições Bestbolso, que oferece ao leitor os poemas daquele que é a grande expressão do barroco literário brasileiro. Gregório de Matos é um poeta livre de amarras, e o que o faz livre é o domínio do ofício, não o de um especialista, mas de um gênio incomum, graças ao qual pôde dizer o quanto quis, irreverente, satírico, cronista em poesia, crítico do seu tempo, evidentemente perseguido. 

18 de fevereiro de 2014

AS PIRAÇÕES DO PRÍNCIPE

Fico pensando no prefeito chegando em casa, às 2h da madrugada, exausto de tanto mentir, fatigado de adorar-se, deslumbrado com o próprio poder, imune a críticas, fechado a sugestões, sozinho com sua capacidade de desorganização, mas apto a manter a seu lado aqueles que obedecem porque precisam. Suprema felicidade poder decidir, num átimo, dependendo do tesão ou da ganância, (também é uma forma de gozo), que amanhã os seus súditos, ao sair para o trabalho, terão um dia de cão. Grande coisa, dizem os cães, já estamos acostumados. 
Mas não. Sempre é possível surpreender-se com a crueldade dos monarcas. Mais paciência terão ainda os que já a têm, viajando em trens desvairados, brts assassinos, metrôs aquecidos e avenidas atulhadas de carros porque agora os carros, cuja venda é incentivada pelo governo federal, não podem nem circular, muito menos parar. Nada é passível de entendimento. Siga o jargão policial; circulando, circulando.
Todo o mundo circula sem saber por onde nem até onde pode ir. Só quem sabe é o prefeito e o secretário, e essa exclusividade é excitante, é absolutamente inigualável. É uma sensação acima do bem e do mal, de permanência, de realeza. O príncipe ascendeu aos céus.

O prefeito, imagino, está viciado em obras. Não termina uma e já está em outra. Existe recuperação para esse tipo de vício?
Aposta no Santo Cristo, um bairro pobre como qualquer outro, assaltado de repente pelos delírios oldebrechtianos, mas só lhe passa uma camada de asfalto. O resto continua. O tráfico retorna, os assaltos crescem, principalmente nos ônibus recomendados pelo príncipe, há gangues de rua, gangues na polícia, gangues na gestão pública. Os turistas adoram. Não existe nada igual a preço tão alto. Melhor que safári, aventuras na Índia ou esportes radicais. O príncipe, extasiado, olha a cidade em pânico. Muito mais divertido. Inspira, e quando expira já vem lá uma nova idéia louca, uma invenção, com certeza uma maldade. 


Sei não. Me parece que é vício. Aceitará ir a uma casa de acolhimento para recuperação?



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