25 de outubro de 2016

PERDEU, PLEIBÓI


PERDEU, PLEIBÓI

Há algum tempo todos louvavam a eficiência das UPPs, a tranquilidade dos cidadãos, o acesso das crianças à escola. Claro que os jornais omitiam grande parte dos fatos, sintetizados no desprezo da polícia pelo favelado. O caso Amarildo foi o mais emblemático, o de tortura e morte por prazer.
Mas a coisa ia. Em m uitas comunidades cessaram os tiroteios. Os traficantes se retiraram para outros lubares ou foram para a milícia, onde convivem com policiais expulsos. O mercado de emprego está difícil.
E assim fomos vivendo, com o Secretário de Segurança José Maria Beltrame fazendo sempre as mesmas declarações: sem a presença de outros órgãos da prefeitura não seria possível controlar a situação por muito tempo. Não haveria UPPs para todas as favelas, mais de mil favelas. Mais de mil! Uma força de exército contida pela pobreza e pela violência. O appartheid.
Mas a prefeitura não está interessada na segurança do cidadão favelado e por isso não mandou os outros serviços de que o favelado precisa para se tornar cidadão.
O Secretário Beltrame entregou os pontos. Tal qual Elliot Ness, durante a lei seca nos Estados Unidos, depois da polícia matar um monte de gente e ainda abrir caminho para outros caminhos que beneficiaram a máfia.
Outra coisa que o Secretário fazia era afastar, quando era escandalosos demais, os policiais corruptos. Imagino o que seria nesse momento para ele, que tinha que brigar com uma força absolutamente corporativa e violenta. Algumas vezes conseguia. Nas outras, preferia acreditar nos falsos laudos.
A saída de Beltrame só provou o que já está mais do que provado. A guerra contra as drogas fracassou. Até a obsessão do Secretário Beltrame foi vencida. Penso nisso como sempre penso nas pessoas, no momento da sua derrota pessoal e profissional. Saber que é possível realizar um projeto e não vê-lo realizado porque foi feito de mentira, sem a intenção de que desse certo. Um imenso projeto de desocupação de traficantes das favelas acabou. Já era. Venceu a PM. Venceu o crime. As invasões começaram. No Alemão já são constantes os tiroteios. E não é só isso. Os asslatantes estão na rua. Andam de Honda, estacionam, roubam os passantes, embarcam em seu veículo e partem. Aumentou o número de assaltos a ônibus. O crime impera.
Eis no que deu a "guerra às drogas", conhecida como "guerra aos pobres" - mais um apito que os norte-americanos nos deram a partir dos seus tratados e negócios de chantagens "comportamentais". E ninguém quer pensar numa saída. Matar é bom. Resolve logo. Qualquer neguinho com dois baseados morre ou vai para a cadeia enquanto a cocaína anda de avião. A cadeia é o inferno em vida. As galés do navio negreiro. Mas não somos todos abolicionistas?
Será sempre assim? É isso?
Haverá anistia, retratação, indenização para as vítimas das drogas? Quantos morreram, quantos morrerão ainda enquanto policiais treinados para a tortura obedecem (e extrapolam no cumprimento) uma lei inócua e ultrapassada? E outra: que poderia, como qualquer outro investimento, trazer divisas?
Não vou trazer aqui todas as provas das novas formas de lidar com as drogas. Elas estão nos exemplos, livros, blogs, vídeos, cinima, mas milhões de pessoas estão na marginalidade por conta de leis obsoletas, geradoras de violência entre classes.
É uma prova de covardia dos poderes constituídos não reconhecer isso.
Essas perdas não se calculam em dinheiro.
Vou terminando. Na real, não sei como terminar. Dizer que no futuro, quem sabe? que milagres acontecem?
Está difícil de acontecer a legalização. Está difícil até do Brasil acontecer.
Muitos morrerão ainda nesta guerra civil que não quer dizer o nome.
Todos perderemos.

Não é assim que se constrói uma Nação.


17 de outubro de 2016

ASTRID CABRAL - 80 ANOS

A escritora Astrid Cabral completou 80 anos. Autora de uma obra importante, onde transita à vontade entre a poesia, o conto, o ensaio, a crítica e a tradução, é uma das maiores escritoras brasileiras, da estatura de Lygia Fagundes Telles ou Nélida Piñon.  Ou seria de Gilka Machado ou Henriqueta Lisboa?
Dezenas de pessoas, críticos de verdade (sabem o que eu quero dizer) já escreveram sobre a sua obra fundada na justiça e na liberdade. Nasceu poeta. E sábia.
Casou jovem com o também jovem e poeta Afonso Félix de Sousa, companheiro da vida inteira. Juntos levaram uma vida de amor e trabalho, e sobretudo de poesia para que os filhos se formassem íntegros e enfrentassem um mundo tantas vezes vil.
Astrid Cabral é uma poeta extraordinária e disciplinada que conhece e usa a fundo seus instrumentos. Como poderia, a professora que foi, não fazer o que tão bem ensinara? Poesia faz-se trabalhando. E Astrid atendeu a esse chamamento entregando-se resoluta à construção de sua prolífera obra.
O pessoal da Academia todo a conhece, tenho certeza. O que estarão esperando? Ainda discutem sobre até onde as mulheres podem ir?
Esperam por alguma graça? Será a morte uma graça? É verdade que ela talvez não aceitasse, É demasiado sincera, avessa a elogios fáceis. Mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso é a falta de visibilidade merecida, até mesmo no momento em que completa 80 anos, sendo ela uma artista desse porte. E ainda mais: uma cidadã brasileira, que todos precisariam conhecer porque não se isenta de abordar temas tabus ou posicionar-se politicamente ante a hipocrisia do sistema. Talvez por isso seus pares relutem: criatura esquisita: mãe exemplar e poeta de excelência, não só possui o conhecimento do seu material de ofício mas tem o olhar original e crítico sobre as coisas do mundo. Que mulher é essa? Nós a queremos aqui?

Vivêssemos num país culto e civilizado haveria vários eventos programados em torno da autora. A imprensa, a reedição da obra, destaque nos suplementos literários. Mas não. Nosso País não é culto nem civilizado e vivemos um momento em que perdemos até a esperança dessa possibilidade.
É por isso que escrevo, minha querida poeta: para declarar que te admiro não só pela obra, mas pelo caráter, pela fidelidade às ideias que te sustentam, pela ausência de preconceitos e pela compreensão do mundo, que é sempre maior ao teu lado.

24 de junho de 2016

JESUEL MIRANDA - 80 ANOS

A velocidade dos acontecimentos que levaram o Brasil a essa enrascada política em que o golpe  se firma dia a dia, apesar das más escolhas e de decisões ainda piores, do pretenso presidente e sua gang, não nos dá tempo para quase nada. É sempre uma nuvem cinza e fria que paira sobre nossas cabeças como ameaças conspiradas enquanto dormimos.
Não obstante, vivemos a vida, amamos os amigos e a natureza e lutamos contra a corrente. Alguns correm mais. E há mais tempo.  É o caso de Jesuel Miranda, uma criatura que se destaca no universo das nossas afinidades porque é, de fato, um destaque. Foi, literalmente, destaque de Escola de Samba, desses que entram sozinhos porque o seu desempenho é notável e único, e para ele abre-se o espaço e a admiração. Destacou-se na pintura, na confecção de doces, no calor com que se oferece, sábio e bem humorado, tendo enfrentado como um herói da resistência a difícil vida do negro que se destaca.

O que importa, no entanto, e quero registrar aqui, como se fosse o meu diário de ocorrências especiais é a festa de aniversário com que o amigo Zezé Cunha reuniu os amigos de Jesuel.
Hoje é normal chegar aos 80. Mas o que aconteceu naquela noite é que todos estávamos velhos e Jesuel ressurgiu como há 20 anos, deixando-nos perplexos a pensar que a felicidade, que poucas vezes percebemos, havia se instalado ali, naquela festa, e rejuvenescido o aniversariante para que nós, e não ele, ganhássemos um presente, que era ele, inteiro, bonito, ágil, disponível com a mesma atenção e sorrisos para todos. Um estado de graça.
E não sou eu quem digo, apenas. Apenas relatado o que muitos sentiram e manifestaram.


Registro também as palavras que lhe dediquei na noite de 18 de junho, e das quais alguns convidados pediram cópia, juntamente com o poema.

"Fui convidada pelo organizador dessa festa, Zezé Cunha, para saudar o aniversariante, Jesuel Miranda, na comemoração dos seus 80 anos.
Aceitei, é claro. Com alegria e honra. Afinal, assinei também a apresentação no convite da primeira exposição individual de Jesuel, há mais de 40 anos, nesse  mesmo Hotel Manta em que nos encontramos agora. 
Mas depois tive receio. E agora? Como ser porta-voz de todas as pessoas que estãoaqui, da família, dos amigos, novos e antigos?
Como dizer a ele que mais do que celebrá-lo estamos celebrando a nós mesmos, porque o conhecemos, em algum momento da nossa caminhada?
Cada um tem uma visão particular de Jesuel, cada um de nós tem algo a dizer sobre ele; um episódio a lembrar, uma história de que foi testemunha. Mas algumas características, imagino, são reconhecidas por todos. Por isso penso que posso afirmar que:

Jesuel Miranda é um artista: da pintura, da dança, dos sabores da mesa;

que cresceu enfrentando toda a sorte de dificuldades impostas pelos preconceitos, antes mais do que hoje, mas ainda, numa luta sem fim;
que a tudo isso resistiu e resiste, e mesmo assim divertiu-se, diverte-se, e segue alimentando-se da arte.
As histórias que me contou foram motivo de alguns contos que escrevi. Também de um poema que nasceu depois de uma tarde de conversas, entre bolos e chás, quando ríamos das pequenas desgraças que nos afligem e que são sempre substituídas por outras.

O tempo passou. Éramos outros? Ainda somos nós.
Dos incômodos do tempo nos consolamos. Aceitar é preciso. Seguir, cair, levantar. Seguir o sonho acreditando nas pernas.

Por tudo isso,o querido, expresso aqui todo esse carinho multipliciado pelo da tua família, dos amigos presentes ou não que vivem em ti.



VIDA DE ARTISTA


não importa que eu não faça amor como antigamente
não importa que eu já não seduza
mas é bom que vez por outra alguém se encante
com quem sou

não tenho conta das vezes em que fui rainha
 no real palco das ruas
e se hoje o carnaval
vejo na TV
ainda há muito espaço para alegoria
que crio entre telas pincéis
e potes de ambrosia

os moços bonitos vejo de binóculo
para que não se intimidem
moços bonitos e feios
que eu sempre fui cristão

Vou à missa e canto minha sorte
Fome – eu sempre tenho -  de arte
Não gosto de polícia
Não gosto de bandido


Sofri o que era meu.
Agora
só entrego meu corpo
à glória

E vou terminando porque esse encontro dos nossos, na nossa terra, na nossa idade, véio, não é coisa recomendável. Recomendável é rir e aproveitar a vida que se oferece e fortalece nos abraços.

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8 de junho de 2016

PROVENIENTES DO AZUL



A vida muitas vezes deixa de ser surpreendente para ser apenas assustadora. Mas as maldades, as más intenções, as conspirações ficam em suspenso ante ao que é, de fato, surpresa. E deliciosa surpresa.
Frente a ela tudo fica em suspenso, e depois, transformação e encantamento.
Isso é para realçar e louvar o livro provenientes do azul, de Regina Pouchain, a quem encontrei numa livraria depois de muito tempo, com grande alegria.

Para quem não sabe, Regina Pouchain, além de ser poetisa e uma bela mulher, também é companheira de Vladimir Dias-Pino, nome importante no panorama das artes, cuja obra se encontra atualmente em exposição no Museu de Arte do Rio de Janeiro. Digamos que o casal seria mais ou menos como Saramago e Pilar, o amor constante e leal, com a diferença de que Regina Pouchain tem obra própria.

Foi nesse momento de encontro que ela me presenteou com um exemplar de provenientes do azul,  livro de poemas, fotos e aforismos, de que cito alguns

o devir é uma impressão
               que deixa rugas

a memória nos provê de translúcidos fotogramas

a terra é a flor incandescente
                        que cega o sol

o homem, um hiato entre duas cores:
nascimento e morte

viver hoje: uma avenida que tangencia
                            os perigos da cratera

um poeta desdobra enigmas e morre de perguntas 

o pânico é a loucura que escapa

o desequilíbrio é a nossa obra irresistível.


Aí está uma amostra do que provém do azul, perpassa e pousa na nossa sensibilidade. 


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25 de maio de 2016

STF - SUSPEITO TRIBUNAL FEDERAL


Delação premiada. Que triste figura jurídica! Eu sempre conheci por traição. No entanto, agora atingiu outro sentido. Uma "interpretação da lei" desses tempos de mentira.
Como é que se pode acreditar em quem entrega um parceiro, seja de que atividade for? Roubos, negócios, negociatas, segredos íntimos... Quem entrega é traidor e pronto. Não há motivo para que lhe seja dado crédito, a não ser que "interesse". É uma tática policial, quando não conseguem encontrar um culpado, arranjam alguém para "confessar".
Na delação premiada o delator é duas vezes covarde porque dedura e o faz em troca de um favor, o que faz dele um corrompido.
E quem oferece vantagem a um suspeito (preso ou não) por dedurar alguém é o quê?
Um corruptor, é claro.
E é assim que, dizem, vão acabar com a corrupção.

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O LADO BOM




Agora também caiu a minha ficha. Não recebo mais nada a favor do golpe. Somos, afinal, todos da mesma ideologia.
Somos todos harmonia.
Os equivocados foram se retirando devagar, postando foto de cachorrinho, voando para NY ou São João del Rey. Não acreditaram que a luta ia continuar. Não sabem de fato o que é luta popular, coisa que já os secundaristas sabem tão bem.
A solidariedade anônima das ruas na luta por causas comuns é que forja a cidadania, no encontro com o outro, na vivência das vitórias miúdas e das pesadas derrotas. Na chuva, no vento ou na vontade máxima de um simples café. Na alegria de um sanduíche amassado.
O ânimo do povo se agiganta, levanta bandeiras e sustenta faixas
em defesa do próprio poder. Assim é que se faz uma Nação.


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21 de maio de 2016

MULHER - Lenilde Freitas

Enquanto guincham as hienas, em algum lugar há uma voz resistente e sábia, de mulher, como esta que se ergue, de Lenilde Freitas, que nos representa.


 













Mulher 
Lenilde Freitas


Escolheram-me rainha
e com doçura de fada
puseram em minha cabeça
uma coroa   — enferrujada.
Depois, sentaram-me num trono
de dor. Daquela dor não dosada
— mas tudo quase com amor
e com doçura de fada.
Deram-me também um cetro
não dado — só emprestado;
vestiram-me então de preto.
E ao julgarem que me convinha —
deixaram-me  — ali  — sozinha —
rainha e soberana
de um mundo despovoado.
 

CANTO De ARRIBAÇÃO

Caros amigos,

Calma, o pior está sempre por acontecer. Mas não o tempo inteiro.
Também chega a vez do melhor, e o melhor aconteceu.
Estou falando de CANTO DE ARRIBAÇÃO, o livro de poemas de Rosa Ramos, nascida Rosane, poeta de primeira grandeza que a Editora da Palavra tem a honra de trazer a público.
O convite não pode ser formal, não deve ser formal porque o livro resulta de uma reunião de afetos e admirações entre poetas em reconhecimento do raro talento de Rosa Ramos, tantas vezes festejado. E isso não pode ser dito assim, como se fosse apenas um dever de ofício.
Somos todos contentes: a Autora - nossa unanimidade, Alexandre Guarnieri, que selecionou os poemas e criou a capa; Roberto Dutra Jr., que escreveu o texto da orelha, Igor Fagundes, que prefaciou; Clara Lúcia França, que diagramou, Vagner Esteves, que fez imprimir, Lena Brasil, Valéria Pereira e Luiza Viana, que estiveram junto.
A poesia de Rosa Ramos, que já circula na rede, acabou-se de imprimir, como dizem as gráficas.
Que grande acontecimento! O livro, essa moldura, saiu bonito como na criação, abre-alas do que há de maior e absoluto - a grande Poesia, que nos compreende, surpreende, desperta e excita.
Com o fascínio do milagre, temos na mão esse canto que ouviremos, privilegiados, enquanto viramos as páginas, maravilhados na direção do alto, voando ainda, depois, muito depois que tiver partido o último pássaro.




CANTO DE ARRIBAÇÃO

Rosa Ramos

Dia 13 de junho de 2016.
Restaurante Lamas
das 19h30min. às 22h. 
Rua Marques de Abrantes 18
Flamengo - RJ


15 de maio de 2016

DITADURAS

DITADURAS

A ditadura implantada em 1964 era linha dura, com soldados, armas, prisões, arbítrio, perseguições, tortura, morte e impunidade.

A nova ditadura é diferente. (Talvez porque ainda nova, em sendo velha)
Vem chegando com palavras bonitas, "pelo bem do País", buscando a "pacificação", mas o que traz é a destruição, o desmonte, o medo. O canetaço voltou ágil e seguro, com saudade da opressão. Os atores são conhecidos de velhas montagens. Todas elas fracassadas.

Acabou-se a fraca democracia. As leis, de tão usadas, prostituíram-se inexoravelmente. Qualquer um pode mudá-las ou "interpretá-las" a seu modo. Aqueles sisudos senhores da máxima corte de justiça entregaram-se às hienas. Como não identificar (e juntar-se) à própria espécie?

Os direitos de mulheres, negros, índios, GLTs, pobres e outras "minorias" são os primeiras a cair. Mas todos eles têm família, parentes e amigos. Cairão junto? Quem irá amparar quem?

Sem justiça, sem governo e sem alento, resta-nos a vergonha de saber que o mundo inteiro, perplexo, não sabe se ri ou chora por nós.
Eis que começa um outro ciclo. Não é novo. Apenas outro. De novo mesmo, não temos nada. Seguimos com o velho sonho de um mundo melhor, absolutamente possível.

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13 de maio de 2016

O MAR DA HISTÓRIA

E então, que quereis?...
Maiakovski

Fiz ranger as folhas de jornal

abrindo-lhes as pálpebras piscantes.

E logo

de cada fronteira distante

subiu um cheiro de pólvora

perseguindo-me até em casa.

Nestes últimos vinte anos

nada de novo há

no rugir das tempestades.

Não estamos alegres,

é certo,

mas também por que razão

haveríamos de ficar tristes?

O mar da história

é agitado.

As ameaças

e as guerras

havemos de atravessá-las,

rompê-las ao meio,

cortando-as

como uma quilha corta

as ondas.
(1927

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5 de maio de 2016

UMA OUTRA LUTA



A Marcha da Maconha vai acontecer no Rio de Janeiro no próximo sábado, dia 7 de maio, iniciando o movimento que tem se expandido a cada ano, com mais e mais cidades organizadas pela legalização. Mais uma vez, de novo, sempre, até que a sociedade entenda esse clamor de uma luta dentro de outra maior, em que se busca sempre a liberdade. É uma luta feroz porque diz respeito a direitos individuais e intereses particulares. E a gente sabe quem pode mais.

Não só no Rio de Janeiro ela acontecerá, a exemplo de outros anos porque o consumo está aumentando e não tem - não adianta - nada que o faça parar. Por que? Porque as pessoas querem.
E quando elas querem elas vão buscar.

A sociedade, no entanto, não entende que não se trata de liberar a esbórnia; de ceder aos caprichos de uma juventude drogadita. Isso é ilusão. De todos esses anos de luta o que temos:

1. A MACONHA NÃO FAZ MAL
2. A POLÍTICA CONTRA AS DROGAS FRACASSOU.
3. TODOS OS DIAS MORREM PESSOAS POR CONTA DA REPRESSÃO.

E no futuro, como será? Como diremos aos netos que se matava por causa de uma erva que era boa de fumar?
Como diremos que a guerra às drogas era apenas o pretexto para a perseguição dos pobres? Como diremos que a repressão é necessária para a indústria das armas? Como diremos que as cadeias eram as novas senzalas, perfeitamente legalizadas? Fomos assim, um dia, e não soubemos avaliar a tempo as possibilidades de uma  riqueza imensa, sem precisar perfurar?
Escrevo no passado na esperança de que um dia seja possível analisar a questão com realismo; que tanto as drogas como as pessoas possam sair da marginalidade em que vivem, já que atualmente todas as economias buscaram (e encontrram) soluções para uma coisa simples que se tornou problema justamente por causa da proibição.
A maconha existe até no nosso corpo. Não podemos negá-la.*
Este ano será um marco para a Marcha da Maconha. Um ano difícil, em que se vislumbra uma ameaça às idéias progressistas, que vinham caminhando a passo lento.
Mas os defensores da legalização estarão lá, de todas as idades, apoiando o movimento que cresceu com o tempo. Agora não é só da galera da zona sul, como se dizia. Agora chegam os jovens da periferia, das favelas, por pura afinidade, de contentamento por estarem juntos, e de serem cada vez mais, lutando contra o preconceito e a opressão.



*Um das constatações mais incríveis do sistema endocanabinóide é que parece ser conservado na coluna vertebral, e está presente na estrutura dos receptores e na sua função, também em invertebrados, o que implica, portanto, a sua participação em funções vitais em quase todos organismo






1 de maio de 2016

A PALAVRA COMO ARMA



Assisti, ontem, na TV Brasil, a entrevista de um detentor do Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Perez Esquivel.
Tendo vivido até hoje na defesa dos direitos humanos, Esquivel deu uma lição de história e resistência. Trata-se disse ele, de um golpe, mas de um golpe brando, sem os aparatos dos já concretizados pelo uso da força. A estratégia agora é outra. E não há dúvida de que chegará ao seu objetivo, pois para isso foi planejado e financiado.

Estarrecida ainda com a vergonhosa votação na Câmara dos Deputados, que nos revelou o que há de pior entre nós, entre demagogia e hipocrisia, em nome da nossa ainda débil democracia, agora apunhalada, eu me pergunto, como milhões, o que será de agora em diante.
O que virá agora? Não sabemos. O que sabemos é que uma sombra paira sobre o Brasil e é preciso afugentá-la e vislumbrar algum céu. Como será isso? Quem se ocupará disso?  E isso é gancho para um outro programa que assisti, no Canal Brasil, sobre a resistência política por meio de jornais. Um belo trabalho de pesquisa trouxe à tona as inúmeras publicações, que existiram desde antes da independência, que saíram em defesa dos direitos da população sempre oprimida e negligenciada. Muitos deles foram presos, tiveram suas redações quebradas, mas nunca desistiram. É na crise que se fortalecem os espíritos.

Não tivéssemos a internet, não tivéssemos os jornalistas que nos trazem o contraponto das verdades deformadas da mídia impressa, não teríamos um horizonte.
A importância da imprensa está justamente na possibilidade de assumir outra forma e seguir resistindo, seguir teimando, com tudo a declarar, nada a esconder, e principalmente não temendo.

As guerras mudam, as armas também. Mas a palavra sempre se oferece à coragem.

30 de abril de 2016

NOTÍCIAS DO BRASIL

Oi Joaquim, como estás? Fiquei dois meses sem internet, desde que mudei para um outro Brasil que não é o das grandes cidades.
Assisti meio de banda essa ação de desconstrução de um governo eleito, que está levando o País para um buraco de onde dificilmente sairá.
À revelia do clamor popular, das opiniões de juristas, autoridades, intelectuais e da mídia internacional, o Brasil sofre as conseqüências de um golpe do qual dificilmente sairemos. Partidos de direita, entidades empresariais, Tv Globo e (incrível!) a Suprema Corte do Judiciário estão combinadinhos para levar a efeito um golpe descarado, no qual estão incluídos um olho no pré-sal e o outro no reajuste salarial do Judiciário, como se aumentar salários neste momento de crise não fosse também um golpe no sempre combalido povo trabalhador. Mais que um golpe: traição.
Imagina que o Judiciário acertou esse aumento com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que por sua vez assegurou a votação favorável e teve os processos nos quais é réu, praticamente esquecidos.
A coisa está assim, o descaramento é total e não adianta a crítica, o pessoal da toga está tomado pela vaidade e encantado com uma visibilidade nunca dantes, protagonizando um capítulo extra nesse processo que visa apenas o poder e, claro, derrubar direitos nas lutas conquistadas pelo sempre combalido povo trabalhador.

O dinheiro está correndo solto e eles fazem qualquer coisa para chegar ao objetivo, inclusive contratar uma advogada absolutamente desequilibrada que apresentou o pedido de impeachment.
A votação do impeachmant no Senado foi deplorável. Primeiro, o susto; depois um grande abatimento em todos aqueles que esperavam alguma mudança de rumo no processo.
A gente saber que está tão mal representada dá um aperto, uma vergonha, um espanto que vai se infliltrando em nosso espírito e contaminha até atividades e relações.
Ainda não tivemos prisões em geral nem queima de livros, mas estamos caminhando para as práticas fascistas a cada dia sem que possamos nem imaginar o que vem pela frente. Tu sabes que os fascistas sempre precisam de alguém para perseguir.
Nem sei o que mais possa te dizer, além dessa tristeza de saber que depois de uma ditadura longa, eis que se aproxima outra, com o inevitável e histórico retorno ao obscurantismo e ao medo.

Circulam muito por aqui as as condições oferecidas por Portugal para brasileiros que queiram se mudar para lá. Acho que a população vai aumentar bem.

Espero que tudo esteja bem contigo: a saúde e o teu espírito combativo. E que me mandes notícias do livro. Afinal, as páginas são, às vezes, nosso único campo de luta e liberdade.
Abatida, mas não vencida, te abraço
tua amiga certa
Helena

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10 de fevereiro de 2016

A QUEM SUSPIRAR?

Dia de sol. Piscina. Pais, filhos, parentes em geral e avulsos.
Chega a família típica: casal e dois filhos. Atrás, a babá.
Ocupam logo uma mesa.
Vão para a piscina, menos a babá.
A tarde passa.
O calor é grave, a água já deixou de ser cristalina.


Saída da escola: a empregada está esperando a menina, que lhe entrega a mochila quando se encontram.
Tomam o caminho da casa. Vão a pé.
A casa deve ser perto. A mochila com rodinhas pula no calçamento.
A mulher, que é manca, vai devagar. Deve ter uns 50 mal vividos. A menina segue à frente, como numa pintura de Debret.

Dia de praia, sol glorioso.
A praia é um espaço democrático, dizem todos.
Nem tanto. Ao primeiro olhar já vi duas babás sem biquíni.
Duas babás sem direito ao mar.


Eu disse que as babás eram negras?
Nem precisava.

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9 de fevereiro de 2016

TAPA NAS COSTAS


Aqui, genial e imperdível, Daniel Santos.

TAPA NAS COSTAS

Fechou os registros de água e de gás, desligou a chave da luz e regou a begônia pela última vez, impessoal, burocrático, sem manifestar desejos nem simples vontades. Não queria mais. Mais nada. Nunca mais.
Depois, desceu dois lances de escada, deu “bom dia” ao porteiro e atravessou a avenida por entre automóveis sem atentar à própria segurança, porque àquela altura nem a vida valia mais a pena. E era Carnaval.
Foi, assim, andando na direção do mar, em busca da diluição definitiva, já sem consciência de si, mas, a meio do caminho, ao dobrar uma esquina, a mão de alguém golpeou-lhe as costas num repelão imperativo.
De um susto, recobrou os sentidos e tentou escapulir dos foliões que, num bloco frenético, o empurravam para adiante e adiante. Em vão. Depois, sacudiram-no, abraçaram-no, deram-lhe de beber ... Ah, que farra!
Pulou muito pelas ruas e caiu, enfim, exausto no banco da praça, o entusiasmo da vida latejando nas têmporas. Entrou no mar só para tirar o suor e voltou a casa sem pressa. Tinha agora todo o tempo deste mundo.


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25 de janeiro de 2016

ETTORE SCOLA

ETTORE SCOLA
(1931-2016)




2016 não é bem um ano novo, é uma continuação do que já vinha acontecendo. A mudança aconteceu só no calendário. Muitas mortes irremediáveis, muitas promessas que não se cumpriram, muitas decisões que novamente adiamos.
Tudo isso, no entanto, é pouco e pequeno, quando penso na carreira do cineasta Ettore Scola. 

Eu, que ainda tenho locadora perto (uma raridade!) passei o fim de semana vendo Concorrência desleal, La noite des Varennes e Um dia muito especial. Todos eles têm pontos em comum: Roma, a gente pobre de Roma, os valores éticos, a história, o fascismo, o amor e, já naquele tempo, a solidão (a tortura física e moral ) dos homossexuais e das mulheres. Em todos, a compaixão. 
É impressionante ver como os filmes daquele tempo, tão baratos, tornaram-se eternos, enquanto outros, para os quais são necessários muitos milhões de dólares, passam como um cometa que foi visto mas ninguém lembra.

Os cineastas dos anos 50 e 60 eram intelectuais, pensavam o mundo, e tinham que fazer filmes com cuidado, sem provocar as iras do fascismo. Os de hoje, não sei. Perseguem o sucesso. Mas qual sucesso? O de mídia?

Sucesso é fazer filmes que até hoje são novos e nos emocionam a ponto de nos tornarem jovens também.
Addio, nunca, Ettore Scola. 

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