30 de outubro de 2015

DRUMMOND PARA SEMPRE

Antes de desaparecer sob os escombros do Halloween quero lembrar a todos que o dia 31 de outubro deveria ser a data a festejar-se o nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade, que fez mais pelo Brasil do que toda essa cultura imbecil importada (estarei errada?) principalmente por escolas particulares.
Alguns dizem: é divertido, as crianças gostam. Enrolações.
As crianças não sabem tudo. É preciso, antes de tudo, que os pais saibam, já que as escolas se omitem, e depois ensinar às crianças que a importação da cultura norte-americana está fazendo com que o Brasil deixe de ser o Brasil. A língua é nossa pátria?
Se já importamos o idioma e a cultura, o que falta mais? O gosto pelo terrorismo?

Não serei soterrada com bobagens do dia das bruxas dos americanos do norte. Resistirei empunhando a rosa do povo.
Deixo-lhes aqui a palavra de Drummond. É um poema de 1938, no entanto parece tão novo. Mas talvez mais novo ainda seja o medo sempre crescente de que essa invasão não termine mais. Ou termine pior.

CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO
(Carlos Drummond de Andrade)

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe a penas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo.
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

18 de outubro de 2015

UMA CARTA PARA JOAQUIM

Querido amigo Joaquim,

Como estás em terras de além-mar?

Foi muito gentil da tua parte sentir (e reclamar) da falta de postagens no blog. É verdade. Agora escrevo textos mais curtos e posto no facebook. É por aí. Essa necessidade de estar "atualizado" não pede pensamento, só impulso.

Espero que tudo ande bem contigo, que também te movimentas nesse espaço em que somos completamente livres, que é o da poesia, e nos outros, tão diferentes, relativos ao capitalismo de que somos reféns.

Também porque vejo o mundo caminhar, histérico, para uma outra guerra, que não sei como será, mas certamente será pior do que tudo o que já houve. E de novo acontecerão atrocidades que pensávamos nunca mais e que prematuramente se anunciam. Morrerão jovens, a pátria agradecerá o sacrifício, etc. etc. Ninguém se importará. Os poderosos já estão tratando de mudar-se (e destruir) Marte.

Sabes que no Brasil temos uma guerra particular. É do Estado contra os pobres. A escandalosa diferença de classes e raças é tratada a tiros. Muitos vão para as cadeias, que são infernais. Esquece-se o Estado de que a pena é a privação da liberdade,  mas não a destruição da dignidade. É isso que se faz na cadeia. Tudo em nome da guerra às drogas, pretexto para um aparato policial raivoso e incontrolável, que ninguém ousa enfrentar.

O braço armado do Estado não tem cansado de atirar, meu amigo.
Há poucos dias foi morto um policial que também era dublador, o que lhe deu uma certa notoriedade póstuma. Os parentes informam que ele sempre sonhou ser policial e que morreria feliz defendendo a sociedade.
A família chora.
A sociedade não teve tempo de guardar seu nome.
Só ele foi feliz.

Todos os dias há um ou mais enterros gritados, um desconsolo sem fim, uma revolta que cresce e que explodirá como previsto, mas cuja intensidade ninguém adivinha.

Se vemos na televisão, tudo está bem. A pujança do Estado, as novas obras monumentais e seus canteiros intermináveis, os bloqueios, os buracos, a confusão, os shows, as estréias, as festas.
As grandes obras inúteis.

Como fazer poesia? E no entanto, fazemos. Faremos. E isso é o que podemos fazer. Assim é que nos salvamos.

Anda com o livro. O tempo é cada vez mais curto. 24 horas não bastam para nada. E publicar é a maneira de dizer sim ao que se fez, além de encerrar uma etapa.
Terminei, afinal, o livro de Padura. Não gostei do título, achei banal. A menina que, o menino que, chamariz de best seller.
Os críticos que me perdoem, mas um romance é algo mais do que contar uma história bem montada, mesmo que seja a de Trotski.

Essa carta parece triste e queixosa? Não temas, meu amigo. Sei me consolar. A poesia está sempre por perto, assim como um bolo de chocolate, um sorvete de tangerina, um suco de pitanga - as coisas todas da natureza - de frutas a ervas - tudo faz bem. Não dói nada nem ninguém. Alguns dias de azul completo compensam as sombras. E tu sabes que é possível, quando a luz surgir de novo, quando amanhecer, e o primeiro sol nascer sobre o dilúvio


Pensei em te mandar um poema brasileiro e escolhi Joaquim Cardoso, nascido em 1897, no Recife, encantado em Olinda em 1978. Não sei se conheces, mas é um dos nossos grandes. Pernambuco, aliás, é berço de muitos poetas de primeira grandeza.



Poema do Amor Sem Exagero

Joaquim Cardoso


Eu não te quero aqui por muitos anos

Nem por muitos meses ou semanas,
Nem mesmo desejo que passes no meu leito
As horas extensas de uma noite.
Para que tanto Corpo!
Mas ficaria contente se me desses
Por instantes apenas e bastantes
A nudez longínqua e de pérola
Do teu corpo de nuvem.


Um abraço tropical da amiga certa
Helena