30 de outubro de 2014

QUE DROGA É ESSA?


Não, meus caros, nada de eleições. Não escrevi sobre elas porque não acredito que seja democracia o que chamam de democracia. De qualquer forma, não me omiti e, confesso que durante a apuração, tive meus medos. Ainda bem que não rolou o retrocesso, a vitória dos reaças, o êxito dos raivosos que, contrariados em seus argumentos terroristas, querem até guerra civil, como se ela já não houvesse.
Retorno, portanto, aos velhos temas, entre os quais está a legalização das drogas, por exemplo, que alguns dizem que não é assunto prioritário, mas cuja proibição é a fonte alimentadora da "nossa" guerra.
O Globo publicou hoje que a maconha medicinal é aprovada em Comissão do Senado, o que é apenas um início, tendo em vista a burocracia que a espera, de mais uns avancinhos sobre a questão usuário/traficante - uns avancinhos frouxos, que em nada vão adiantar para evitar as mortes da grande população pobre pobre e negra, vítima contumaz de qualquer guerra.

Diz a matéria que, pelo menos, será permitida a importação de derivados da maconha para uso medicinal. Se não o fizer, penso eu, o Estado torna-se, como já é, co-autor das mortes de pessoas que não tiveram acesso ao produto por conta das restrições da lei.
Foi na questão que estabelece parâmetros para diferençar usuário de traficante que eu morri de rir. Conforme o jornal, será considerado usuário quem portar drogas em quantidade suficiente para consumir por até cinco dias. Fernando Henrique, o libertador, acha que devia ser por 10 dias, mas não rolou. Isso mostra que FHC está cada vez mais compreensivo com os usuários. Talvez tenha tragado depois de dizer que não tragou, e por fim entendeu.
Agora, quanto será essa quantidade que estabelece quanto cada pessoa pode fumar por dia? As pessoas são diferentes e seus desejos não podem ser medidos.  Pois a difícil tarefa estará a cargo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Fiquei imaginando o pessoal da Anvisa reunido num sítio bem legal, protegido pela polícia, fumando desde o fumo importado das melhores sementes até o prensadão que o usuário comum é obrigado a fumar (sabe lá com quantas coisas a mais) porque não pode plantar o seu. Um barato de executivos - essa é boa!
Deixa eu provar essa daí. Essa aqui é da hora. Nossa, que coisas eu estou vendo! Passa aí, ô meu.
E tudo às risadas de coisas que jamais se lembrarão.

No mínimo terão vivido bons momentos, com boa comida para atenuar a larica e um alcoozinho envelhecido porque afinal é difícil deixar os velhos vícios.
Aí então saberemos quanto cada usuário poderá portar de produto proibido. Não é um espanto?
Equivale a estabelecer que o uso de armas é ilegal, mas se for uma pequena, tudo bem.
À frente, companheiros.
O futuro já está cansado e nós ainda estamos aqui inventando a roda. Enquanto isso a polícia ocupa cada vez mais espaço nos jornais onde aparece não como agente da lei, mas como campeã de crimes.
O que se conclui é que se trabalha em cima de paliativos, e não de soluções. E assim segue o tráfico de drogas, acompanhado do que verdadeiramente interessa : o tráfico de armas. Enquanto os investidores subornam polícia, e justiça e até igreja.

Deixo-lhes a mensagem mais
positiva que posso:

ALTERNÂNCIA:

ínútil celebrar só as vitórias

que consagram a vaidade
celebremos também os fracassos

passada a primeira frustração

logo ali desponta a fria
análise dos fatos

e eis que vislumbramos a vitória

que se mostrará novamente
provisória




20 de outubro de 2014

ZUMBI - A LUTA CONTINUA




No dia de homenagem a Zumbi, e distante da lei que libertou os escravos, a grande maioria dos homens e mulheres presos neste momento no Brasil é de negros. Todos eles sofrem até hoje com o mesmo preconceito, do qual se nutrem as polícias repressoras da pobreza identificadas pela cor, embora ele tenha sido em parte calado (mas não transformado) pelas políticas de afirmação. 
Todos louvam a grande contribuição dos negros na construção do País e da sua cultura, mas esquecem que há muitos negros que não são músicos, nem bailarinos, nem atores, nem desportistas; que não estão representados na vida pública e ainda engatinham nas profissões liberais.
Enquanto todos lembram a primeira, a segunda guerra e o golpe de 64, para que não esqueçamos os crimes cometidos, aqui mesmo, na nossa cara, diariamente, os mesmos crimes são cometidos, sistemática e impunemente. No Brasil ainda se constrói quilombos como uma forma dos negros se defenderem dos brancos. Quando se fará, eu pergunto sempre, a Comissão da Verdade para os negros?
Quanto às mulheres, não é nem bom falar. As mulheres ainda trabalham como burros e têm agora um novo dominador, que é a estética dominante. Brancas e negras sofrem de mal chamado exacerbação da futilidade. Parece que não há mais nada a conquistar a não ser um bom cabelo. Será para isso que tantos morreram?
Que nos perdoem todas as vítimas do preconceito e mais do que isso, das idéias que o estimulam; dos comportamentos que têm como característica a humilhação e, sempre que for possível, a morte, seja com que arma for.
Zumbi chega aqui acompanhado de outro grande, Cruz e Sousa, ambos vítimas da ignorância e da presunção de superioridade dos brancos.



ESCRAVOCRATAS
Cruz e Sousa


Oh! trânsfugas do bem que sob o manto régio
manhosos, agachados — bem como um crocodilo,
viveis sensualmente à luz dum privilégio
na pose bestial dum cágado tranqüilo.

Eu rio-me de vós e cravo-vos as setas
ardentes do olhar — formando uma vergasta
dos raios mil do sol, das iras dos poetas,
e vibro-vos a espinha — enquanto o grande basta

O basta gigantesco, imenso, extraordinário —
da branca consciência — o rútilo sacrário
no tímpano do ouvido — audaz me não soar.

Eu quero em rude verso altivo adamastórico,
vermelho, colossal, d'estrépito, gongórico,
castrar-vos como um touro — ouvindo-vos urrar!


...

14 de outubro de 2014

À QUEIMA-ROUPA

Assisti ontem à pré-estréia do documentário À queima-roupa, dirigido por Thereza Jessouroun sobre a ação da polícia frente aos pobres, com o beneplácito do Estado, sempre com o pretexto da guerra às drogas.
A polícia, como se sabe, é o braço armado do Estado. Se ela age mal e o Estado não toma nenhuma atitude, então ele também é responsável. Fingindo de morto ele mesmo, permite que os seus servidores, responsáveis pela segurança dos cidadãos, pratiquem toda a sorte de atrocidades, algumas identificadas com práticas da ditadura.
Investidos de uma autoridade maior do que a que realmente têm, pessoas despreparadas, corruptas e bestiais levam o pavor (até hoje) às comunidades pobres, enfiando o pé na porta e matando à queima-roupa famílias inteiras, pelo puro prazer de matar, conforme mostra o documentário, que aborda o período de 1993 a 2013, duas décadas de abuso e mortes cuja justificativa real é sempre o acerto de contas (em dinheiro).
Os depoimentos das vítimas que sobrevivem por milagre ou azar, ou de parentes de pessoas mortas, aliados às imagens, são de fazer chorar, de tristeza e impotência.
A guerra às drogas é a bandeira levantada para que a polícia cometa toda a sorte de atrocidades, quando todos sabemos que o verdadeiro motivo é o dinheiro. Um pouquinho pra mim, outro pouquinho para você. E assim as equipes da corrupção se movimentam de um esquadrão para outro, de uma delegacia para outra.
O filme é duro e triste e, na minha opinião, poderia ter economizado nas imagens com cadáveres, mas isso não lhe tira o mérito, que é grande. Corajoso e necessário, mas muito, muito difícil de suportar quando se conclui que passados tantos anos, a polícia ainda não recebeu uma cartilha nova.
Depois da apresentação do filme houve debate, (Julita Lemgruber, Ignacio Cano, Marcelo Freixo, Luiz Eduardo Soares e Vera Lúcia Silva, sobrevivente da Chacina de Vigário Geral), mas eu não fiquei. Nem sei sei poderia haver alguma pergunta da platéia emudecida por tanta verdade. 



À QUEIMA ROUPA
Dirigido por Theresa Jessouroun, com consultoria de Julita Lemgruber e Ignácio Cano, o
documentário À queima-roupa é um retrato forte e realista das barbáries cometidas por policiais na 
cidade do Rio de Janeiro, nos últimos vinte anos.
À queima roupa conta com uma inédita e polêmica entrevista de um X9, ex-informante da polícia, 
que se tornou a principal testemunha de acusação da Chacina de Vigário Geral, onde 21 pessoas 
foram assassinadas, em 1993.
O filme apresenta depoimentos do advogado João Tancredo, que tem se destacado por defender 
famílias de vítimas da violência, como nos casos do Amarildo e da Cachina do Alemão; do Promotor
Paulo Roberto Mello Cunha Junior, que trabalhava com a juíza Patricia Accioli; da Juíza Elizabeth 
Louro; da Promotora Carmem Elisa; do Desembargador José Muinoz Pinheiro Filho; do Coronel da PM 
Íbis Pereira; de Jadir Inacio, Rosane dos Santos e Vera Lúcia Silva, sobreviventes da Chacina de 
Vigário Geral; de mães de vítimas e de um sobrevivente da Chacina da Baixada, entre outros.
Ignacio Cano é sociólogo e pesquisador do Laboratório de Analise da Violência da UERJ. Julita 
Lengruber é coordenadora e fundadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da 
Universidade Candido Mendes, foi diretora geral do sistema penitenciário do Estado do Rio de 
Janeiro. 
Sinopse
Documentário investigativo sobre a violência e a corrupção da polícia do Rio de Janeiro nos últimos 
20 anos. O filme apresenta os fatos mais emblemáticos deste período do ponto de vista dos 
familiares, testemunhas, sobreviventes e demais envolvidos diretamente nos casos, como 
advogados, promotores e juízes. O filme parte da Chacina de Vigário Geral, de 1993, culminando 
com execuções cometidas em nome da lei, em 2012 e 2013. Os fatos são apresentados através de 
entrevistas, imagens de arquivo e cenas ficcionais que reconstroem a memória dos sobreviventes 
das chacinas. O filme traz o depoimento inédito de um X9, informante da polícia militar, que 
apresenta um quadro assustador do funcionamento interno de uma parcela dos policiais que agem 
em conivência com traficantes, resultando em atos de extrema violência contra a parcela mais 
carente da população.

YES, NÓS SOMOS BANANAS




Durante 20 dias (o tempo em que não publico) aconteceram coisas inumeráveis, no amplo e no íntimo sentido. Para cada um de nós, para nossos desejos ou interesses. O mundo, por sua vez, movimentou-se como sempre na disputa pelo poder, e todos cumpriram o seu papel entre exploradores e explorados, ricos e pobres, pensadores e pensados, sofisticados e sem-teto, mendigos das estradas, moradores de cortiços, presos - principalmente os presos em quem a gente teima em não pensar a essa hora, com esse calor, os presos pequenos, os presos pretos que trazem ainda a revolta das galés. Como não estaríamos vivendo esse inferno sob o peso de tantas emanações pesadas?

O que vejo é que as eleições nos acenam com o retrocesso, e isso significa a liberação dos anos de inveja e raiva reprimidas. Não estou falando de Dilma e Aécio, que ainda não se confirmaram, mas do resultado geral em que a direita (e vamos chamar assim aos reacionários) organizada e rica, alastrou-se pelas câmaras de representação política.. Pensei e pensei e só pude me conformar com o que ensinam as oscilações da história: um tempo de progresso, outro tanto de retrocesso. "O físico", um filme em cartaz, mostra a quanto pode nos levar o obscurantismo e a vaidade extremada.

Digamos que a única coisa positiva foi a queda do clã Sarney no Maranhão. Não é pouca coisa para 50 anos de dominação. Que seja o início do fim da imortalidade do capo que resguardou o Maranhão do progresso geral, exatamente como fez Antonio Carlos Magalhães, que como se viu, era mortal.
Mas para essas figuras, a morte não significa nada. A única coisa que significa é o poder.

Quanto a Pezão... bom, se ainda votam em Pezão pós-Sergio Cabral, então não há mesmo nada para entender. Vejamos o que nos espera, embora já saibamos.

A imagem é uma tempestade de William Turner. Para que nos acostumemos às tempestades.

E se por acaso os desanimo, peço desculpas e reproduzo aqui a piada do José Simão:

No Rio, "Pezão esmaga Garotinho e o bispo passa por cima."