30 de abril de 2015

BRASIL E CUBA


Quem não soube, leu, desejou, sonhou com Cuba? Pelo menos quem acreditou na Revolução, na possibilidade de um mundo mais humano e igualitário?
Conhecer Cuba era para mim um sonho que pairava, mas não fora alcançado, como acontece com alguns amores que por isso passam a ser eternos.
Ir a Cuba era um sonho que até já se esvaía quando afinal tive a oportunidade. E vi: os escombros estão lá. O Malecón está lá. O Hotel Nacional, Cuba, Fidel, o Che, Raúl, Camilo Cienfuegos, a guerrilha, Sierra Maestra, uma luta pensada e desejada pela história, que é feita por seus heróis. Tudo está lá, num retorno aos anos 50.
Como não pensar nos desígnios de dois latino-americanos de berços tão distanciados geograficamente para se reconhecerem, num determinado momento, como irmãos e juntos mudarem o rumo da história? Essa história, especificamente, instiga qualquer um, mesmo os que não tenham simpatia pelo regime.
A cabeça era Fidel, o Che era a alma. Mas ao Che, traíram e mataram covardemente; conspurcaram sua imagem usando-o como  chamariz do consumo, que é o que o capitalismo costuma fazer com os inimigos. Logo ele, que só sabia dividir.
A falta que faz o Che!
Fidel manteve-se como pôde em função do vil embargo dos exploradores de sempre, que gostavam de ter Cuba como seu puteiro. O povo cubano também se manteve como pôde, em situação precária, até hoje. E resiste.
Estão lá os escombros de uma antiga Cuba, em sendo a mesma. Estão lá a Bodeguita del Medio, a Plaza Vieja, a onipresença de José Martí. Hemingway está em todos os lugares, assim como a música.

Fui a Santa Clara, onde está o Memorial do Che e me emocionei ante os registros e as fotos, como se a história estivesse ainda sendo feita, e estivéssemos muito perto da guerrilha, das dificuldades, dos mosquitos, mas também da camaradagem, da esperança, da certeza na vitória.
Não sabemos o que teria sido Cuba se não houvesse o embargo. Mas concluí que existem dois mundos: um, aquele onde há pobreza mas também honradez; outro, da fartura e da corrupção.
É preciso firmeza de princípios para enfrentar a escassez. Nós, brasileiros, nunca passamos por isso. Reclamamos por ter tanto, isso sim. A oferta nos consome. As possibilidades nos nocauteiam.

Cuba não tem propaganda estragando a paisagem.
Cuba é limpa.
Em Cuba ninguém passeia cachorros
e os gatos são magros
Enquanto aqui
não nos cansamos de engordá-los

Espero que a partir das negociação entre os governos de Cuba e dos Estados Unidos - esse vilão internacional - não tenha sido em vão a luta e o sacrifício do povo cubano.
E que a chuva, que ora cai com força na ilha, não a sacrifique ainda mais.

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6 de abril de 2015

QUANDO O ESTADO É O AUTOR

Bernardo


Todas as pessoas que são atingidas pela tragédia, que pode ser um assassinato, um acidente de trânsito ou um assalto - querem justiça.
A justiça, no entanto, não se faz. O menino Eduardo de Jesus, 10 anos, morto no Complexo da Maré, foi levado para o Piauí para ser enterrado. Tem coisa mais triste do que viajar com o cadáver do filho? A família está destroçada.
O policial que o matou não sabemos que destino terá. A polícia diz que havia um tiroteio. A mãe diz que não havia nada e que o policial atirou porque...por que mesmo? Porque foi mal preparado, porque estava nervoso, porque pensou que...
Eu acredito na mãe, até porque atirar primeiro é uma prática policial frequente.

A promotora responsável pelo caso de assassinato do menino Bernardo, em Três Passos, no Rio Grande do Sul, chegou à conclusão de que "há indícios suficientes" para condenar o monstro chamado pai. Isso já faz um ano.
O caso de Bernardo foi ainda mais impressionante, em se tratando de omissão da justiça porque meses antes ele havia procurado o Ministério Público para pedir proteção contra maus tratos e negligência por parte do chamado pai e da madrasta. E não achou quem o ajudasse.
Morreu barbaramente, dois meses depois.

No primeiro caso, o de Eduardo, a polícia fará tudo para livrar o criminoso de uma condenação.

No segundo, a Justiça se omitiu ao não levar a sério o pedido do menino Bernardo. Para esse caso não houve "averiguações".

Com esta justiça e esta polícia há ainda quem queira diminuir a maioridade penal.
Talvez fosse melhor divulgar o cronograma: hoje vamos matar na Rua B; amanhã, na viela do Calvário. Afinal, é esse o serviço que a polícia aprendeu. E a justiça acoberta.

A resposta do Governador ao recrudescimento do conflito no Complexo da Maré, onde já morreram 30 pessoas desde a ocupação é de mais armas, mas polícia e, naturalmente, conforme a política pública adotada, mais mortes.
O Governador diz que novos policiais foram treinados por três meses. Ora, e o que podem aprender em três meses, a não ser atirar?
Forças de ocupação. Sem educação, sem treinamento, sem compaixão.
E o Estado? Nada. Sempre outras mortes vão substituir, como notícia, as mortes de crianças que nasceram destinadas a vítimas. Não é preciso que sejam delinquentes.
Qualquer morte é medalha.

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3 de abril de 2015

PÁTRIA ATERRADORA

Entre os mortos de hoje há um menino de 10 anos, Eduardo. Ontem uma menina perdeu a mãe, Elisabeth, que estava dentro de casa quando o polícia entrou atirando sem saber pra onde.
Hoje morreu Silvia, 49 que andava pelo comércio na Tijuca.
Quem são essas pessoas que se vão, que morrem assim, sem que possamos guardar-lhes ao menos o nome? Amanhã haverá outras mortes com outros nomes, alguns sem sobrenome, que desaparecem num estampido. Às vezes lembramos deles, quando sabemos que os policiais indiciados foram absolvidos, como aconteceu recentemente no caso Raíssa e como acontece sempre.

Mas hoje foi diferente. Hoje também morreu o filho mais moço de Alckmin, num acidente de avião. Desse saberemos tudo, em breve. Para essa morte há alvoroço. Com essa morte de gente importante a mídia fica consternada, como na expressão de William Waack, da Globo, ao dar a notícia. Afinal, tinham lá as suas coisas em comum. A presidente Dilma lamentou, todo o mundo lamentou. Mesmo que seja um lamento social.

No Rio, o governador Pezão diz que lamenta muito os episódios mas que não haverá recuo.
Dessa maneira informa que vão continuar essas mortes sem consolo.

A mãe de Eduardo, Terezinha, diz que marcou bem o PM que matou seu filho.
Talvez Terezinha também morra, breve e bravamente.

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