E então, quando menos se esperava, no meio de um desfile sofrível que levantou até a questão se o carnaval deve continuar como está ou piorar, eis que entrou um bloco não inscrito e roubou a cena: na comissão de frente, sem comissão, sozinho, único e infalível, o Santo Papa mudou o rumo do carnaval e dividiu o noticiário. Muito mais interessante porque afinal, digamos que vestir-se com luxo, aparecer na janela, abanar para o rebanho não é lá uma coisa muito exaustiva. O que deve ter cansado foram as intrigas palacianas. E então, o que não acontecia há 600 anos: a renúncia.
O Papa, absolutamente contemporâneo, fez um cópia, incluiu uns elementos novos (a corrupção, sempre) e agradou aos fiéis. Os fiéis são tão fiéis que não importa quem vista as vestes papais. Eles serão sempre fiéis. Serão humildes. Mas só para as câmeras.
O problema maior será decidir se daqui para a frente o Papa usará vestes brancas, vermelhas ou pretas. Ora veja! Eu me lembrava de Roma, de Fellini, e daquela cena genial do desfile de moda para o clero. Nunca pensei que um dia o desfile ia rolar. Claro, as roupas do desfile eram apenas a tendência. Nenhum padre ousaria tanto, por mais que desejasse. Embora ousem para outras, mais secretas, mas desculpáveis.
O reacionarismo do Papa incomodou muita gente mas não chegou ao sucesso. Sucesso é assim, aparecer em todas as mídias, mesmo que seja para desaparecer.
Sempre de fantasia.
Escrevo isso porque é um fato realmente inusitado, tão inusitado quanto a queda de um meteoro.
Tão inusitado quanto, ao que parece, é o tráfico de pessoas, incluindo meninos que vão para jogar futebol sabe-se lá onde. Tão inusitado quanto a polícia escoltar traficantes ou ficar com a metade da droga apreendida para vender. Tão inusitado quanto tortura na prisão. Tão inusitado quanto o Brasil.
Mas o Papa me deu uma boa idéia. Também me demito.
Tudo o que tinha para escrever, já escrevi. Todos os assuntos que merecem denúncia, já denunciei. Tudo o que pude defender, defendi. Não quero começar a me repetir, e não sou assim tão criativa para escrever diariamente sobre a mesma coisa. Olho o mundo e a impressão que tenho é de que perdi todas as lutas, sempre uma voz dissonante que não encontrou eco, nadando contra a corrente, buscando a fonte.
Agora será diferente.
Melhor viver o dia inteiro, o minuto inteiro, esperar que a flor se abra, que a aranha teça, incansavelmente, a sua obra-prima, esperar, como Joaquim Cardozo
Quando a luz surgir de novo, quando amanhecer
E o primeiro sol nascer
Sobre o dilúvio
Entrei pra ler o texto como se fosse o primeiro gole de café do dia. Encorpado, quente, cheiroso, doce no início e um pouco amargo no final. Como assim, "tudo o que tinha para escrever, já escrevi."!? As tuas crônicas são ótimas! O Bento XVI sai, não morrre. Quanto ao Papa, permanece, entra outro no lugar. Melhor do que renúncia, a palavra que fica é renovação (mas sem as pieguices desses jornalistas que não entendem nada de Igreja e saem a opinar...).
ResponderExcluirHelena, gostei muito do seu texto.
ResponderExcluirMas, não deixe o lápis sobre o papel.
Escreva mais e mais.
bj
Solange
"o silêncio está lá. e arde." bjs, querida
ResponderExcluirHelena
ResponderExcluirTodas as nossas lutas começam ao amanhecer de cada dia. Ganhar ou perder é só uma questão de lado.
Um abraço,
Vaz