3 de abril de 2017

O REPOUSO

O REPOUSO
O homem acorda. Senta-se na beira da cama, coloca os óculos. Vai ao banheiro, barbeia-se. Está vestido e bebe um café de ontem. Olha pela janela. Há um sol armado. O homem tem 70 anos. Pega a pasta que está sobre a mesa. Vai enfrentar o dia. É um homem sério, este que fecha a porta e espera o elevador. Desce à rua e chama o táxi.
Tem encontro com o tradutor, tem almoço com a agente. Há uns textos a que gostaria de voltar, mas sobretudo, enorme, a pergunta sempre pronta: em quantas vezes, até os 70 anos, pensou sobre a morte, sua hora e suas formas, e em quantas vezes (todas as noites da sua vida) entregou-se a ela sem pudor e sem crença? Todas as noites uma morte possível, tremenda, desesperada. Terá sido o labirinto da noite que estancou a surpresa do novo dia? Mas ali está ele, o novo dia. E então levanta, barbeia-se, vai aos compromissos.
Agora é manhã e nada existe. Nem aquele movimento regular e sistemático: levantar, colocar os óculos, ir ao banheiro. Nada mais. Só a luz barrada pela cortina imóvel.
Assim, discreto, vai-se o escritor João Gilberto Noll.

5 comentários:

  1. Viva Helena
    Venha mais vezes integrada ou marginal;
    Obrigado pela leitura e pela homenagem
    joaquim

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  2. Querido Joaquim, que bom que estás aí. Teus vivas dão mais vontade de viver, apesar do realidade. Grande abraço

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  3. Comovente despedida desta poetisa
    que nunca se cansa de exaltar
    os nossos grandes valores literários
    em suas memoráveis crônicas.

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  4. Integrada, marginal, magistral!
    Helena e seu estilo elegante e contundente.
    Rica homenagem!

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  5. Esse anônimo aí sou eu. Elida

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