8 de abril de 2018

FLORISVALDO MATTOS E A POESIA ETERNA



Estou pensando tudo o que pensam as pessoas que são contra o Golpe. 
Mas não quero pensar. Prefiro postar este poema do poeta baiano Florisvaldo Mattos, que nesta semana completa 86 anos e que copiei do poesia.net, elaborado pelo incansável poeta Carlos Machado.

A EDIÇÃO MATUTINA
À memória de Glauber Rocha,
artista, amigo e companheiro de jornal
Nada sei além do que me contam
os hebdomadários perseguidos
os diários desaparecidos
os livros burocraticamente censurados
os discursos jamais pronunciados
Muito
de dor enclausurada
de raiva contida
de memória desesperada
Muito
de petrificado esterco
de martírio indevassado
fel de carcomida flor
Como em toda experiência humana
como em toda verdade proclamada
há a marca indelével do sofrimento
nas páginas enfurecidas
(...)
Nada sei além do que me contam
furiosas páginas dos diários mudos
Morreu o Chefe de Reportagem
E ficamos todos tristes
A penumbra da noite avança pelo amanhecer
A neblina é densa e os automóveis
entram em choque de faróis apagados
Queremos uma pauta
um roteiro qualquer
Não o que leve ao esclarecimento
de todas as culpas
Não buscamos desvendar o impossível
Queremos uma pauta
um caminho (por exemplo)
Oue comece pelos itens das lojas de brinquedos
prossiga com a listagem para as horas de lazer
Oue enumere os chopes de todos os botequins
Oue reproduza todas as gargalhadas do perímetro urbano
Oue forneça o mais seguro boletim meteorológico
Oue informe o que se passa nos cinemas
Oue esconda os dejetos lançados sobre os monumentos
Oue estimule o Ba-Vi das ilusões primeiras
Oue abra os corações aos ritos do candomblé
Oue dê verso às canções dos trios-elétricos
Oue vista a mortalha dos foliões de todos os dias
Oue prepare o espírito de todos para o Carnaval
E assim seguindo apenas
o curso luminoso
de cada signo morto
perfurando o arenoso
das páginas desertas
bobinas de horror
manchas de tinta fresca
chumbo e insone rastro
chorarei então
por entre os escombros
da edição matutina.

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