7 de janeiro de 2011

VELHICE

Simone de Beauvoir
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Estive recolhida desde o dia 31. Nada de muito importante, não se assustem. Apenas lia, na ausência do sol. Lia e me preparava.

Terminei A Velhice, de Simone de Beuavoir, um alentado volume de 700 páginas. Somado a Um toque na estrela, de Benoîte Groult, que já tinha lido no ano passado, Senilidade, de Italo Svevo, mais Desonra, de J.M.Coetzee, posso considerar que estou com um base suficiente para enfrentar as agruras da condição que tomou um lugar de destaque em minha vida.

É claro que não basta. Nunca se sabe quando a velhice, em qualquer das suas manifestações, vai se instalar em nosso corpo de forma a que nada disso adiante mais.

Os autores citados, de épocas e nacionalidades diferentes, organizam de forma talentosa o que já detectamos pela experiência, observação e sentimento. Terminado o prazer da leitura, a conclusão não deixa de ser: Vamos acabando, é só. E não importa o quanto tenhamos feito e o que de importante isso tenha sido para o contexto em que vivemos. Personalidades importantes de artistas e sábios foram-se também, de forma muitas vezes humilhante. Mesmo para os que acreditam em outras vidas também isso deve parecer inútil, uma vez que em outro plano, o espiritual, nossos desejos e nossa ambição devem ser, no mínimo, ridículos.

Vocês podem dizer que a maioria das pessoas envelhece e morre sem nunca ter ouvido nem falar desses livros. Também sei disso. E morrem bem, considerando-se morrer bem um suspiro sem traumas. Mas sou dos que escolheram os livros como companhia, de viagem e de prazer. Eles consolam e me incluem (ah, a famosa inclusão!) numa categoria e numa fase que, estranhamente, todos pensamos que não chegaremos. E que comprida ela é!
Começa aos 40 e lá se vai. Mas aos 40 é ainda uma incógnita, uma impressão. Aos cinquenta já não nos damos conta de quando aconteceu. Depois do sessenta é inevitável. Sabemos mais pelos outros do que por nós mesmos onde chegamos. Estamos na fila dos epitáfios. Sabe-se lá onde chegaremos, com a ciência a postos para nos tornar cada dia mais longevos.

Anônimos ou famosos, simples ou sábios, é na velhice que nos damos conta da igualdade. É na impotência que nos identificamos. Então acionamos a memória (se a temos) para que ela nos leve a um período longínquo, irresponsável, inquieto, ardoroso, estúpido e equivocado da nossa maravilhosa (e naquele tempo, eterna) juventude.
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6 comentários:

  1. Helena, belíssimo texto! Me lembrou os diálogos, justo, do "Juventude" do Domingos de Oliveira.

    Beijos!

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  2. Na velhice começamos a devolver os empréstimos: dentes, cabelos, ossos ... mas o silicone permanece! O negócio é ser biônico. Quanto menos nas mãos de Deus, melhor. Assim, diminui a dívida e, de quebra, nenhuma prótese será capaz de ameaçar, sequer de longe, a imponência deste seu texto magnífico. De velha, não tens nada, safadona!

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  3. Helena, peço que republique, senão envie para o meu email aquele texto que escreveste sobre tua mãe. Era muito sensível, quase tátil. Na minha opinião um dos melhores que já escreveste. Lendo esse lembrei daquele.
    Beijos, luiz c.

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  4. Cara Helena,

    Altos papos !!! Vejo que está filosofando numa boa, embora meio pessimista. Lembremo-nos do poema de Drummond, em que ele repete o verso:
    "de tudo sempre fica alguma coisa".
    ARICY CURVELLO

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  5. Caríssima:
    Aqui fala um jovem idoso. Acredito mesmo que podemos chegar enxutos aos 80 anos sem que denunciemos nossa verdadeira idade, a qual muitos poderão (por gentileza?) nem acreditar. Agora, passado esse umbral, ai sim ficamos entrevados de vez. De minha parte, já estou pensando na despedida do emblemático jubileu de brilhante. Está chegando a hora de juntar e descartar todas badalhoças que não vou levar junto na derradeira viagem, a fim de facilitar a meus descendentes a localização do essencial para as necessárias providências. Como anunciavam aquelas rádios uruguaias - "tranquilo, viejo, con Amargo Siete Raices"...

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  6. Helena, que texto maravilhoso! Isto sim, é imortalidade!
    Parabéns e meu abraço
    Ana Cláudia SSaldanha
    blog: anaclaudiassaldanha.zip.net

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