3 de julho de 2011

DE RÉPTEIS E PEÇONHAS

Os amigos me cumprimentam em função da decisão do Supremo relativamente às possibilidades de realização de marchas pela liberdade de expressão. Acho graça da boa intenção. Mas não me iludo mais.
Para mim, os políticos e seus representantes (afinal os juízes defendem o direito de quem?) aproveitam-se ao máximo dos assuntos que estão em pauta para colocarem-se, eles mesmos, também na mídia. Sei de gente que ouviu todos os votos com emoção.

A imagem que tenho usado para desfazer tal ilusão é a de duas filas. Uma é de pessoas contra, outra de pessoas a favor (de qualquer coisa: legalização das drogas, aborto, direito à moradia - o que não temos). As filas engrossam, mas não andam. No entanto, todos acreditam que sim, porque está na mídia. Segue o barco, só que está ancorado.
Agora me digam vocês, e os senhores supremos, como é que uma pessoa pode se manifestar livremente sem dizer o nome (O NOME!) daquilo que defende?
Usemos o exemplo da maconha: Como é que você pode pôr a sua cara na rua sem dizer que acha que é uma coisa que lhe faz bem? O que faz com que as autoridades considerem ilícito o uso de uma droga em relação a outra? A lei? Pensei que a lei servisse para regulamentar os costumes demandados pela sociedade, e não para reprimi-la, prendê-la, chantageá-la. Ou será que se baseiam em relatórios de saúde para constatar, por A + B, que maconha faz mal? Quem pode me dizer o que é bom para mim?



Às vezes também lamento por mim, pela repetição dos argumentos, pela esperança que vai, fraquinha, fraquinha, se desvanecendo.

Acreditem, amigos. Sonho não é ilusão. Quando as autoridades tomam a frente das nossas idéias, consideram que dá pra discutir sobre nossos direitos individuais, alguma coisa está mal.
Vejam Fernando Henrique, por exemplo, festejado em seus 80 anos. Querem matéria sobre legalização? Chamem Fernando Henrique. Mas prestem atenção: Ele antes falava que era a favor da legalização, hoje diz que é a favor da regularização, que é coisa bem diferente. Serão os 8O anos ou ele sempre foi escorregadio? De repente me veio a palavra réptil. Logo eu, que prefiro cobras e lagartos a FH.


Dar a Fernando Henrique um papel de ativista da legalização é, no mínimo, mau caratismo da mídia. Oportunismo dos dois lados. Gabeira ninguém procura mais. Por que? Gabeira desertou mas não fica mentindo para ninguém, não fica se aproveitando da situação. Quem faz isso são aqueles que não podem deixar de espreitar, sorrateiros, a hesitação da presa, dar o bote e arrastar-se pelas charnecas do poder com a carniça entre os dentes.








Obs: Devo uma resposta ao leitor Diniz, que me considerou pouco sensível em relação aos comentários sobre a morte do ex-ministro Paulo Renato de Souza. Talvez a imagem tenha sido perversa, Diniz, mas veja bem: eis que se torna branda frente à administração do dito ministro, muito mais abrangente, muito mais deletéria, muito mais destruidora do que qualquer adjetivo que eu possa, mesmo levianamente, ter usado, tendo em vista que foi sentida por uns tantos milhões de brasileirinhos, na época vítimas da má educação implantada no governo FH.



Devo uma outra resposta a outra leitora que me escreveu perguntando se "na minha idade" eu não tinha coisa melhor para defender?


Não usarei o exemplo de FH, claro, que aos 80 nem se lembra mais se tragou ou não, mas quero dizer que não vejo causa maior do que a luta pela liberdade, tenha ela o formato que tiver. E nunca é demais lembrar Simone: Para ser livre é preciso que os outros sejam livres.


Isso, de sermos um e sermos todos, Murilo Mendes disse melhor:





Somos todos poetas


Assisto em mim a um desdobrar de planos.
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.




In: A poesia em pânico. Rio de Janeiro, Cooperativa Cultural Guanabara, 1938.

Um comentário:

  1. que leitora iluminada foi essa, duplamente preconceituosa? (com idade e drogas).
    vê-se que na terceira idade ela será uma sábia, se depender da mentalidade que anda construindo agora.

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