30 de janeiro de 2013

FOGO FRIO


Em todas as veias do sistema alguma coisa conspirava para que aquela noite não desse certo. Toda a teia burocrática se movia rumo à catástrofe. Ninguém sabia de ninguém. Mas todos deram a sua cota de desleixo para que o fato acontecesse. Impossível impedi-lo.
O princípio que rege a burocracia é: onde puder parar, paremos. Se pudermos complicar, compliquemos. E se pudermos lucrar um pouquinho, melhor. Pode dar problema? Claro que pode. Mas pode não dar.
Mesmo aqueles que montam um negócio como casas noturnas precisam cumprir a lei até determinado ponto. Abriu a casa, o resto se resolve. E a grana começa a entrar.
O que querem os jovens? Os jovens não sabem mesmo o que querem. Querem mesmo é estar juntos, dançando, namorando, fazendo planos para o futuro. A moda é essa? Vamos lá.
Disso tudo se aproveita o empresário: ingresso a 15 reais. Gurizada universitária. Quem se importa com a lotação?
Imagino que dos celulares e afins partam mensagens: está bombando! 
Algumas famílias têm medo que seus filhos se aproximem das drogas. Entretanto, sem que ninguém as prevenisse, as novas gerações estão sendo assolados por um vírus muito mais grave e devastador que é o envolvimento com a breguice. A mídia, como sempre, reconheceu a breguice, promoveu-a a “elemento nacional” e massificou-a para vender.
Gurizada Fandangueira, que tem como “diferencial” apresentações com fogo em recinto fechado já está dizendo a que veio. É, no mínimo, uma vigarice, conforme se viu.

Há momentos em que a crise de inteligência sofre uma explosão. É o momento em que as pessoas se põem a pensar e a buscar responsabilidades. Mas os mortos estão mortos.  

Certamente muitos pais já tinham falado sobre drogas com seus filhos. Mas quem tentou dissuadi-los dessa escolha arriscada, que é da cafonice, da vulgaridade, da enrolação? Quem lhes apresentou outra saída?
Por outro lado, quem de nós, algum dia, foi verificar se a balada que seu filho freqüentava tinha condições de segurança? Ninguém faz isso e será considerado neurótico se o fizer.

A tragédia estava escrita. A autoria é de um conjunto de fatores que, mal constituídos, falharam num mesmo momento. Quem articulou? Difícil captar o sentido de certos acontecimentos terriveis. A morte impressiona. E mais: a morte violenta. E ainda: a morte violenta de jovens, mais de duzentos. O fogo que os consumiu, como se uma espada implacável golpeasse os que vão e os que ficam.. 
As vítimas são brancas, bem nutridas, têm seus lares, são “o nosso bebê” e deveriam estar fora da frente de guerra diária que enfrentam as populações pobres e morrem, sem nome e sem foto, nas quebradas do Brasil. Eis a nossa guerra: contra a ignorância. E como em qualquer guerra, vão-se os jovens primeiro.
Que seus espíritos tenham paz. Que os que ficaram possam suportar esse frio que vem depois, quando tudo silencia, e fica ali doendo, queimando, e nunca, nunca mais vai embora. 



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3 comentários:

  1. Bela reflexão, Helena. Beijo, Gui

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  2. Muy bella, razonada y sensible reflexión frente a una tragedia absurda y una perdida irreparable de vidas humanas (jóvenes por lo además. Nuestra amistad, solidaridad y oraciones desde Santiago de Chile,

    Leo Lobos

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  3. Helena, lembro apenas do professor Sérgio Martins, nos anos 90, que resolveu dar uma espiada numa casa "de família" - ali no Areal - que havia sido alugada por um fim de semana para uma festa desse tipo, onde seus filhos pretendiam ir com as primas, amigos e etc. Ele foi lá, preocupado, "vistoriar o local", no sábado pela tarde, e constatou que a casa era "seguríssima", mas para uma família residir: grades em todas as janelas, uma única porta de entrada e uma outra - nos fundos - na cozinha. Chamou os filhos e disse: "Vocês não irão! Se der um problema não há como sair rapidamente em segurança". A proposta era uma festa para 100 pessoas na casa projetada para uma família de meia dúzia. Apenas hoje dá para ver que ele tinha toda a razão...

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