Ah pudesse eu agarrar no meu país
E dá-lo todo todinho a esta esperança nova
E dá-lo todo todinho a esta esperança nova
Amélia Pais
Tenho certeza que o diplomata Eduardo Saboia não conheceu o DOI-CODI, conforme afirma a presidente Dilma com tanta indignação. Foi uma comparação infeliz. Mas a presidente Dilma com certeza não sabe o que é manter prisioneiro, mesmo que seja uma boa bisca, uma pessoa durante 455 dias, tomando conta dela e, querendo ou não, sendo responsável por ela, representando um país que defende os direitos humanos, como se pretende o nosso.
Os contextos são diferentes, os tempos são outros. O fato é que isso não teria acontecido se a Bolívia tivesse dado o salvo-conduto. Mas não deu. E o governo se fez de sonso e acobertou o mau procedimento da Bolívia. Ambos os governos enrolaram. Mas uma vez aceito o pedido de asilo, que seguissem os trâmites.
Nós, pobres mortais, jamais saberemos de fato o que se passa nos meandros da diplomacia. Dizem que coisas horríveis acontecem, mas tudo fica quieto, a voz baixa, o segredo para sempre. O Sr. Eduardo Saboia tem, pelo que pude ver, um olhar messiânico. A acreditar em tudo o que fez, já estaria morto. E convenhamos, consolar os torcedores do Corintia não é lá coisa muito heróica. Aliás, um deles, já de volta, aprontou outra.
Não posso avaliar, portanto, ignorante que sou, sobre o motivo real que levou o Sr. Eduardo Saboia a cometer um ato tão, digamos, inusitado. Senão vejamos: a hierarquia é valor muito apreciado na carreira diplomática. Um funcionário do governo armar a fuga de um inimigo declarado e procurado pela justiça não é coisa para principiantes. De onde o diplomata está tirando toda essa calma? Da sua consciência? Mas aguardemos. Esse caso não acaba aí.
Quanto ao Ministro Antonio Patriota, propriamente, não foi punido. É fraco, já se viu. E ir para ONU é ótimo. Lá as coisas andam ainda mais devagar.
Isso não vai ficar assim - dizem as autoridades nos telejornais.
E vão para casa jantar.
Estamos indignados. E vão ao cinema.
Faremos uma investigação e chegaremos aos culpados.
Mas podemos esperar até amanhã.
Ou quem sabe a gente começa na segunda?
Afinal, não é assim que a banda toca.
Onde andará tocando a banda? Por aqui só passam sirenes e gritos raivosos. Não obstante, os conchavos continuam, as comissões se formam, as decisões se arrastam, as prerrogativas se ampliam, as imunidades amaciam, as impunidades levam ao descrédito.
O que há de real é a fome, a sede, a exclusão, o despejo. Agora é inverno, e então é o frio.
O frio é um monstro viscoso que penetra nos ossos e nunca mais vai embora, junto ao fogo ou sob o sol; uma dor que vai penetrando nos ossos e que nunca mais passa, um trauma que se fixa na memória do corpo. Aquele que sente frio sente também um desconsolo tão grande que nenhum consolo alivia. É do abandono, a tristeza. É doída a sensação de que o frio é para ele, que o destino, que a fatalidade. Rezemos, diz o padre, que o reino dos céus não é desse mundo. Assim se consola o pobre.
A esses ninguém vai salvar. A esses ninguém oferece asilo, comida ou advogado. Desses ninguém quer saber. Não roubaram, não mataram, não desviaram e nem sabem o que é democracia ou estado de direito. Não existem. Não importam.
Mas a mordaça com que foram submetidos, eles mesmo a estão arrancando e enchendo as ruas de gritos guardados, engolidos. Gritos de guerra. Alguns os chamam de vândalos. E são. Mas o tempo passa. Talvez no futuro se chamem esperança.
E pátria não será mais hino, bandeira, governo, fronteiras, mas apenas a compreensão entre todos os seres que habitam o planeta.
Ah pudesse eu agarrar no meu país
ResponderExcluire dá-lo todo todinho a esta esperança nova,
por certo despertaria ruidoso
muitas consciências adormecidas.