17 de agosto de 2014

AOS QUE SE VÃO


Ariano Suassuna não existe mais no mundo dos vivos. Há de criar outros mundos, onde estiver, ou outros movimentos, que sua vitalidade ainda era para muito. A sua morte, e as outras que vieram depois ainda tentam se encaixar na realidade quando Eduardo Campos explode no rol das improbabilidades, atropelando todas as outras que se ofereciam a ela: a dos agonizantes, dos suicidas, dos desnutridos. A morte, no entanto, não dá a mínima para probabilidades. Ao contrário, prefere surpreender. Dessa vez concretizou-se numa explosão que impactou o Brasil, trouxe a trágedia para a realidade da família de cada vítima e mexeu profundamente com o processo eleitoral. Não nos queixávamos da apatia? Pois aí está o fato que nos faz cair sentados, sem entender nada, ou pelo menos sem entender por muito tempo, até que chegam as notícias, os analistas, a nossa própria elaboração do que aconteceu. 
Nada muda. Nesse momento há novos filhos sem pai, conhecendo a morte irreparável,  trazendo-lhes uma sombra que pesa para quem tinha a certeza de um futuro promissor. Depois do enterro, a pergunta: e agora, o que vai ser de mim? O tempo, dirão uns, o tempo tudo aplaca. às vezes até cura. 
Passado isso, preparo-me para a morte de amanhã e me pergunto: o que ficou? O presidente do partido e Marina fizeram um pacto de não falar em sucessão antes do enterro, Entretanto anteontem mesmo os jornais já levantavam a possibilidade da viúva de Eduardo Campos ser vice de Marina. Ora, isso quer dizer que a viúva deve ter sido consultada e que portanto não houve pacto nenhum. O pacto era só para figuração, sentimentalismo. E com essa mentira iniciam uma campanha, uma nova campanha. 
Ah espécie humana, tão especial. Chora, ri, sofre e tortura.  Uns são políticos, outros são poetas. Uns riem sempre. Outros têm um cantar estranho.


LÁPIDE

Ariano Suassuna


Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.

Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.

Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundido

que, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!

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