22 de novembro de 2015

O CRIME FOI EM MINAS


Visões 


O poeta escreve por sua terra,
Itabira, Rio de Janeiro, União dos Palmares
Cajueiro.
Escreve quase sempre triste, quase sempre certo
de que a sorte reservou-lhe apenas
a visão e as chamas do futuro que prevê.
Sabe que seu tempo é outro
por isso escreve por si e pelos homens
Mas quem são os homens?
O vizinho, o homem da banca de jornais, o entregador de água?
Terão sido eles que secaram os rios
e não destruíram os detritos?
A moça à janela não sonha
As grades são grossas
Os tiros apavoram a moça
A lua (a lua, senhores!) foi explodida.
Em vão sofreu o poeta e o mundo segue
obsceno e mudo.
Os homens indiferentes cogitam sobre museus
do mar
do mato
do ar.


O poema não é novo. De 2009, eu acho. Mas lembrei dele e resolvi deixar aqui para marcar um dos acontecimentos mais terríveis dos últimos tempos, no Brasil. Um fato terrível demais para que eu possa agora buscar as palavras certas. Meu corpo já velho e um coração abatido talvez acolham bem a viagem para o fim, mas não aguentam o assassinato de um rio.

Minha barragem (aquela que a gente vai criando com o tempo, aceitando, engolindo, distanciando-se, sabendo-se que os desastres se repetem ciclicamente) também transbordou. O que há agora é um caudal de lágrimas que estiveram retidas, controladas, apaziguadas às vezes, mas que estavam ali, prontas para a maior tristeza dos últimos tempos: um desastre ambiental sem volta, um rio sem futuro, uma população entregue ao medo, vítima do drama terrível que é ser abarcada por uma lama viscosa e fétida, sem que ninguém a anunciasse.

Parece que estou sempre prestes a explodir a cada vez, e cada vez é sempre. Não consigo atinar com outra coisa que não seja a lama invadindo tudo, matando, destruindo, inutilizando para sempre um Rio Doce inteirinho que corria lá pelas bandas das Minas Gerais.
Há minas e minas. Para extração de minérios, para explodir pessoas na guerra. Mas outra Minas, maior que tudo, é feita de gente, de terra e de rios, que infelizmente não existem para o lucro - síntese da exploração desenfreada e irresponsável.

O terrível acontecimento ainda sofreu o agravante do descaso dos responsáveis, da omissão da Justiça, da falta de determinação de quem podia tomar a decisão que mostrasse ao País que sim, o governo existe para nos extorquir, mas quando precisamos ele está lá. Não estava. Não esteve. Não estará. 
O crime foi em Minas. 
Perdão, Carlos.

...

4 comentários:

  1. Obrigado, Helena, por escrever por todos nós.

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  2. ¡Arriba, querida Helena!
    Yo siempre recuerdo aquello de que subimos tres escalones y nos bajan dos. Hay que tratar seguir aun herido, porque nunca la vida es lineal.
    No tienes que pedirme para incluir mi mensaje en tu blog, sé que siempre será para bien. Adelante, entonces.
    Abrazos.
    Miguel Motta

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  3. Ok Querida Sabemos que perdeste , assim como nós estamos continuamente perdendo. Mas peço que não percamos a ti e a teu texto que tanto alento traz , a todos nós , perdedores. Continuaremos a ler-te , mesmo que não escrevas , porque reverbera sempre o que já escreveste.
    Márcia Cavendish Wanderley

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  4. Poucos tem o privilégio de poder transcrever em palavras o pensamento de todos..Acho que é uma missão.Você a desempenha bem. Força ! Muito sucesso,paz e poesia..

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