31 de julho de 2018

A ELEITA



Carente de eleições, resolvi fazer uma, só eu como eleitora, e alguns nomes (poucos) como candidatas. 
A minha candidata, no entanto, bateu todas. Nasceu grande. E destemida. Durante toda a vida observou (e sentiu) o preconceito que até hoje neutraliza a obra das mulheres. Nasceu poeta e contestadora.
Há muitas mulheres poetas, casadas, que ficam toda a vida na sombra do marido. Vai-se ver, a poesia delas é maior que a deles, a quem também aplaudem. Há inúmeros exemplos disso. 
A minha eleita não se casaria com um homem assim. O seu companheiro, Afonso Felix de Sousa, era um homem de verdade, além de grande poeta, e a estimulava, escreviam poesia e trabalhavam juntos em traduções, em alguma época necessárias frente às durezas do regime militar, ao qual se opôs na primeira hora.
Por sua obra vária e prolífica, por seu destemor e convicções, por sua luta, por sua sinceridade e modéstia, elegi-a como A Grande Dama da Poesia Brasileira. 
Autora de uma obra extensa, e na condição também de professora, domina a norma culta, de um jeito que se vai perdendo. Conhecedora da alta poesia, tem ali um espaço de liberdade que foi e ainda é estímulo e escudo para construir o seu mundo interior, ao mesmo tempo em que registra revolta com a iniqüidade, protesto e espanto com a injustiça.
Elegi, com o título de A GRANDE DAMA DA POESIA BRASILEIRA, a poeta  Astrid Cabral, não só pela extensa obra em poesia, prosa, ensaio, tradução e conhecimento, como por seu caráter íntegro e sua simplicidade. Seu livro recém reeditado, Transanteontem, que traz crônicas escritas Brasília, entre 67 e 68, é absolutamente imperdível, e é em acontecimentos aparentemente domésticos que a autora já demonstra suas convicções humanísticas. 
ASTRID CABRAL bate bonito vários nomes da Academia, no entanto não está lá. Já se sabe o porquê. 
Fiquemos com a sua sabedoria e os seus encantos. Astrid não privilegia clubes. Vai ao lançamento dos amigos, prestigia os novos, encanta-se com a convivência com os poetas e os ajuda em sua caminhada. Grande poeta, grande mulher, grande mãe. E sempre rejuvenescendo.

3 comentários:

  1. Muito inspirado e sábio o seu texto.
    Melhor que a critica de qq livro é dar a mão para chegarmos à autora do livro ou dos textos do livro.
    É muito raro, cada dia mais raro, alguém sair do seu cadeirão para dar o lugar ao amigo/a.
    Gosto de si e dos seus textos solidários/literários
    Joaquim

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  2. Valeu, amigo. Gostei do cadeirão.`Pois eu não tenho não. Conheço bem a minha cadeirinha. Abraço

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  3. Entrevistada Conceição Evaristo, esta acusou nossa sociedade como machista e racista, já que na ABL, entre os inúmeros "imortais" apenas um negro e três mulheres chegaram a ocupar cadeiras nessa Academia. Parece que antevendo ser preterida em razão de que poderia ser a primeira mulher negra a vestir um malfadado fardão... Ou fardo corrompido?

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