O assunto está quase antigo, mas começo com ele a história do blog porque vai na contramão de tudo o que saiu na imprensa, esclarecendo que a idéia do evento é ótima, mas infelizmente os organizadores incorreram no erro de torná-lo essencialmente midiático, esquecendo o espírito da literatura. Se Manuel Bandeira fosse vivo, por exemplo, seria convidado para a FLIP enquanto bancava seus livros? Apenas uma pergunta.
Terminou dia 5 de julho mais uma FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty. De fato, uma verdadeira festa para empresários em geral, onde pontificou a Livraria da Vila (SP) com o monopólio das vendas. Verdade que distribuiu belos programas (um deles tem 130 páginas) informando quem são os autores de quem a maioria do público nunca ouviu falar, razão pela qual ficam mais conhecidos em Paraty do que em seus países de origem. Além disso, graças a um acordo entre A Casa Azul, uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) e a Prefeitura Municipal foram varridas das ruas as esperanças e os livros de autores independentes ou editoras menores que tentassem comercializar seus produtos. Porque o livro passou a ser exatamente isso, um produto na sociedade de mercado, de que a FLIP é apenas uma vitrine. Das paredes do casario histórico, do meio das pedras incômodas e escorregadias, mal colocadas depois da última obra, a qualquer tempo podia surgir um fiscal da Prefeitura (e eram inúmeros) que, com o apoio da Casa Azul, se encarregava de assustar os “criminosos” e, no caso de reincidência, apreender o material.
Além dos escritores perseguidos, reclamaram também os artesãos, a quem a prefeitura acusa de “sujar a cidade” e as comunidades tradicionais, compostas de quilombolas, caiçaras e índios guaranis, contra um “desenvolvimento” baseado no turismo de luxo, que ocupa os espaços e expulsa os povos daquelas comunidades. Chico Buarque, ao final da sua participação, fez-se porta voz desse protesto.
Já que a Festa é Internacional, naturalmente há um grande número de autores estrangeiros. Como já é do conhecimento do público, interessam os autores que as editoras, principalmente de São Paulo, traduzem. De qualquer forma, em sétima edição, com tanta tecnologia à disposição e tantos milhões do Unibanco, os organizadores já poderiam ter providenciado tradutores homens para traduzir autores e mulheres para traduzir autoras. Não é, no entanto, o que se vê (e ouve), e não raro a mulher que estava falando com voz de homem passava, de repente, a falar com voz de mulher e vice versa, num estranho revezamento que tornava ainda mais estranha a apreensão das idéias, que já não eram muitas. Além disso, no telão nunca se tem uma idéia geral do que se passa na tenda principal. Na maioria das vezes uma só câmera foca no entrevistado ou no entrevistador, sem planos gerais.
As mesas literárias da Feira, para quem não sabe, realizam-se numa tenda armada ao lado do rio Perequê-Açu. Como é insuficiente para todos aqueles que querem “respirar” literatura (ao menos uma vez por ano), as pessoas podem assistir pelo telão, num espaço coberto, mas não fechado, localizado do outro lado do rio, a que se tem acesso por uma pequena ponte. Neste espaço, não raro, o espectador é incomodado por celulares em geral, seguranças com rádios, carros de polícia que circulam inutilmente, e gritos esganiçados vindos dos animadores(?) da Flipinha, um outro filão editorial em vertiginoso crescimento.
A cada ano a FLIP se torna mais midiática, tendo como convidados jornalistas, críticos de música, autores de histórias em quadrinhos e até cineastas, o que leva a crer que para os organizadores a literatura se vai esgotando. Apesar do evento ter homenageado Manoel Bandeira, com abertura de Davi Arrigucci Jr., um estudioso da obra do poeta, a poesia mereceu pouco tempo e espaço. Paralelamente, existe também a OFF-FLIP, organizada por quem não entrou na FLIP, o que equivale a dizer que se tivesse entrado talvez não se tivesse organizado. Mas isso não vem ao caso. Os organizadores da OFF são responsáveis por eventos paralelos como concursos, além de leituras, exposição e venda de livros.
Ressalte-se o melhor: a simpatia e hospitalidade do povo de Paraty, a variada gastronomia e o bom atendimento dos funcionários da FLIP, que trabalharam quase 14 horas por dia para que o turismo e as vendas, principais objetivos, resplandeçam.
E mais: o livro “Te pego lá fora”, de autoria de Rodrigo Ciríaco, professor da rede púbica na periferia de São Paulo, mostrando o que é, hoje, a educação possível, inclusive reproduzindo a linguagem das salas de aula, um universo distinto e distante, muito distante da FLIP, que literalmente, o perseguiu, sem saber (e sem querer saber) que ali estava uma promessa literária a que se deve prestar atenção.
Pois muito que bem! Beleza de blog - uma das labaredas da tua tocha incendiária. A crítica à Flip caiu como luva. Na verdade, a Literatura anda bem longe daquilo ali, onde a mídia sempre bisbilhoteira e hiperativa pretende agora o maior realce. Pois, sim! AR-15 neles, já!
ResponderExcluirXi, esqueci de perguntar: o blog aceita eventuais colaborações de participantes voluntários, tipo eu? Hein?
ResponderExcluirHeleníssima,
ResponderExcluircomeçou muito bem, beleza pura! Bom conhecer o lado B da famosa Flip, a banda que a grande mídia não mostra.
E sucesso para os novos livros!
Abração,
Tchello d'Barros
Maceió/AL