28 de julho de 2010

CAÇADA AOS LOBOS

Saí quase atrasada, precisava de um livro, pensei em Saramago. Que livro? Me veio à cabeça As Pequenas Memórias, mas o que veio da prateleira foi O ano de 1993, publicado pela Companhia das letras em 2007. Há anos era assim, o Saramago de fim de ano. Esse sim, o mago das letras e das vendas, sem acadêmicos saberes, dono de um conhecimento mais rico, aliado a uma grande capacidade de observação do universo. Muitos o invejavam, e talvez o invejem ainda, agora que desapareceu do mundo dos cegos.
Lembro que li o livro com um certo escárnio divertido. Saramago devia estar ocupado, namorando, quem sabe, e pôde escrever pouco naquele ano. Vai assim mesmo, diz a Companhia das Letras. A Cia Suzano agradece, o Greenpace comparece. E então saiu o ano de 1993. Lembro que era tanto papel para tão pouco texto que até eu aproveitei para escrever um pouco em polen bold. Mas tudo bem. O fato é que ali há coisas como:


A cidade que os homens deixaram de habitar está agora sitiada por eles

Não deve passar em claro o exagero que há na palavra sitiada

Como exagero haveria na palavra cercada ou outra qualquer sinónima perfeita

Os homens estão apenas em redor da cidade tão incapazes de entrarem nela como de se afastaram para longe definitivamente.

São como borboletas da noite atraídas não pelas luzes da cidade que já se apagaram há muito

Mas pelo perfil desarticulado dos telhados e das empenas e também pela rede impalpável das antenas da televisão.


De dia uma enorme ausência guarda as portas da cidade

E a ruas têm aquele excesso de silêncio que há no que foi habitado e agora não.

Na cidade apenas vivem os lobos

Deste modo se tendo invertido a ordem natural das coisas estão os homens fora e os lobos dentro
Nada acontece antes da noite

Então saem os lobos a caçar os homens e sempre apanham algum

O qual entra enfim na cidade deixando por onde passa um regueiro de sangue


Ali onde em tempos mais felizes combinara com parentes e amigos almoços intrigas calúnias

E caçada aos lobos




Aí está. Saramago como sempre. Mesmo quando escrevia pouco era muito. Quando cheguei em casa fui às Pequenas memórias. E achei o que havia esquecido, na minha memória pequena: a dedicatória, coisa que Saramago também faz muito bem.


A Pilar, que ainda não havia nascido
e tanto tardou a chegar


Para que vocês vejam que a qualquer momento estão a acontecer coisas importantes.

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