Há movimentos que emergem vagarosamente, reconheço, mas poucos, muito poucos em relação à infame escravidão.
Fiquei contente, por exemplo, com o curta que assisti num festival no cine Odeon, o IV Encontro de Cinema Negro Brasil África e Caribe. Um dos participantes, Carlos Maia, frequentou uma oficina de poesia que fiz uma ocasião, no morro do Cantagalo. Dos oito que se inscreveram, só ele ficou. E fez um trabalho muito bom, sabe Deus com que sacrifício. Mas é um que se preserva. E os outros?
Há cadeias repletas, imundas, indignas, ocupada principalmente por negros. A chocante campanha institucional para o Censo (alguém viu?); novos quilombos na Bahia (novos!), construídos para que os negros se protejam da polícia (negra).
Soube, e mostro a ação da polícia numa tentativa de remoção na Vila Taboinha, na zona oeste do Rio, na tarde do dia 09 de novembro de 2010. Uma ação cruel e desnecessária, engendrada pelo "choque de ordem" do governo.
http://www.youtube.com/watch?v=R3T9c0fNBP0
Agora, finalmente, descobre-se que o Brasil sofre do maior dos preconceitos, que é o de acreditar que não tem preconceito. Somos preconceituosos, sim. E muito mais do que pensávamos. E pior: estamos nos tornando ainda mais. A raiva está aumentando, as pessoas estão mais agressivas, o medo faz com que tenhamos reações que humilham os nossos diferentes. Os arrastões diários, as explosões que se sucedem aqui e ali, entre crianças ou adolescentes, nas brigas de trânsito, na vida doméstica. Onde quer que se apresente um motivo, por mínimo que seja, ou mesmo sem motivo algum, alguém pode agir de maneira brutal, como nunca pensamos que seria possível.
Relutei em falar no fato que mais me impressionou nos últimos tempos: a cabeça de um homem jogada no meio de uma rua movimentada de Madureira. A cabeça de um homem!
Já não esperamos a invasão dos bárbaros, como no livro de Cotzee. Eles já chegaram, estão em todas a parte e crescem ante o nosso medo. Se bobear, seremos as próximas vítimas, ou quem sabe faremos parte deles. A extrema violência é o resultado da extrema violência. Já sabíamos no que ia dar. Apenas aguardávamos.
Pela consciência sem cor, deixo aqui um poema de 2001. O que mais posso fazer?
pena
122 anos de abolição e não estamos muito longe das práticas anteriores os negros carregam nossas cadeiras recolhem nosso lixo varrem nossa sujeira trazem mate mate-limão coca light se queremos trazem também a preta ou a branca se queremos se preferimos matar seguir matando eles nos trazem as armas e fazem o serviço sujo e se por acaso alguma coisa não der certo se por azar ou se Deus não permitir escapar do flagrante do inquérito do esquema eles vão mais uma vez pelo crime cometido por nós cumprir a pena 122 anos.
...
Por aqui se fala no tal de branqueamento das consciências, conforme me relatou um amigo afrodescendente que constatou uma certa lavagem cerebral apontada por seus filhos em alguns livros didáticos, uma barbaridade que acontece bem diante do nosso nariz. E você deve estar lembrada daquele protesto que participou num evento literário no Rio Grande do Sul, retirando-se junto com outros colegas, solidários a um companheiro, do recinto onde se apresentava um pseudo-humorista contando piadas de negros.
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