28 de fevereiro de 2011

A VIÚVA

Morei durante um ano em 2008 num chalé no Laranjal, na rua Mostardas. Na esquina da Santo Ângelo, em diagonal à minha casa, morava um casal de velhos, daqueles que estão sempre juntos. Um levanta, o outro levanta. Um sente frio, o outro sente frio. Vamos? Vamos. Voltei em 2011 e revisitando a área familiar soube que o velho tinha morrido. Lembrei, então, dos dois sentados na varanda, todas as tardes. Não conversavam, não liam o jornal nem mateavam. Ficavam, apenas, de ficar sem reparo, o tempo disfarçando, no eco da buzina do sorveteiro. Quando me instalei lembro que ensaiei cumprimentos. Bom dia, boa tarde. Não percebi muito interesse. Deixei pra lá. Aos domingos vinham os filhos e embicavam os carros no terreno em volta para o churrasco. Saíam à tardinha. No outro dia lá estavam os dois, nas suas vidas cadeiras. A casa está irreconhecível. Puseram grades nas janelas, na varanda. E não contentes cercaram também o muro, ou seja, enjaularam a velha. Terá ela coragem agora de sentar-se à varanda e observar o nada e a poeira? Será vista como um bicho enjaulado. Tornou-se perigoso? Não. Tornou-se frágil demais, sem a presença do homem. Claro que com boa intenção os filhos enjaularam a mãe. Quem quer uma velha de repente em casa alterando as rotinas já tão mal administradas? Melhor mantê-la na própria casa (o que ela certamente preferiu) mas mantê-la "protegida" dos males externos, tais como ladrõezinhos e viciados. Até um velho, tão velho quanto era o marido, era capaz de "impor respeito"? A mulher inicia uma outra fase da sua vida: não só de viúva, mas de carniça. ...

3 comentários:

  1. Terrível, não, Helena? E no entanto veraz. Até quando? Para sempre, creio, enquanto o sistema for esse e dele dependermos desde o nascimento. Uma pena. Não seu texto, fantástico, mas a história, mesmo que também fantástica. Abraços, Pedro.

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  2. Adorei essa crônica, pois vivencio na própria carne uma certa indiferença dos filhos. E Deus me livre ter de morar na casa de um deles, mil vezes prefiro uma geriatria, desde que possa desfrutar de uma certa privacidade. O que não é o pensamento de minha esposa. É da Natureza, que o diga Khalil Gibran...

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  3. Achei lindo e triste este texto. Acho que porque sempre projetamos nosso futuro...

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