30 de abril de 2014

LOS ORIENTALES


Assisti a uma entrevista de Pepe Mujica, presidente do Uruguai, concedida a jornalistas brasileiros. Sempre me dá vergonha que profissionais experientes tentem ainda criar alguma celeuma entre autoridades, mas Mujica é inteligente demais para cair. Não lhes ofereceu mate, nem os convidou para dentro da casa.  Havia muitas diferenças intransponíveis e os dois lados sabiam disso. Ali estavam eles, estarrecidos com aquele que é a anulação do ego (sem práticas terapêuticas) e a representação (pelo voto) do reconhecimento do outro, do outro que é ele mesmo, do vizinho, do vivente, do semelhante.
Não só os brasileiros, o mundo está besta de ver tamanho desapego a bens e tão grande apego a convicções. Perdeu-se a noção do ser humano solidário. Daí o espanto.
Enfim, a erva não rolou.
É uma pena que só agora o Uruguay tenha se tornado de interesse geral por conta da legalização da maconha. Não que não seja importante, é muitíssimo, é fundamental, mas pelo fato de que isso só tenha acontecido agora, por conta de um tema que para muitos é tabu, e ainda desconhecermos, do nosso invejável vizinho, a língua, a cultura, a arte, o entendimento daquele olhar comprido para o horizonte desafiando o imobilismo, um ar soturno, quieto e triste, apaixonado  - e a literatura magistral.
As lutas sangrentas contra a exploração criam um sentimento fraterno que une o povo. Tudo isso é um modo de vida que os brasileiros, na sua maioria não conhecem. O Brasil é tão imenso, tão vário, que a gente, ao atravessá-lo, percebe em cada estado de grandes extensões evidentes mudanças na cultura e na própria organização da sociedade. Somos muitos, em sendo um. O Uruguai é um, completamente. O Uruguai, por ser pequeno, fica mais junto, se une mais, politicamente. E lê, principalmente é um país que se fez com grandes escritores e leitores.  
Os uruguaios têm uma paixão em comum - a Pátria. E a essa paixão, como ao amor, se entregam até à morte. A experiência da maconha controlada é pura paixão. Los orientales não se querem marginales. Querem uma sociedade para todos.
Para isso serve um governo.   Se não é para isso não serve para nada.
Há resistentes, sempre há, incrédulos na sinceridade quando ela se apresenta possível. Mas reconheçamos, os predestinados dão um adianto legal na história.
Vamos torcer para que dê certo. Deixemos de falsos moralismos. Problema reconhecido merece solução. É preciso ter coragem para tentar, mas enfim apareceu o corajoso. Para que apostar no contrário? É a vitória da inteligência sobre a força armada. Isso é pacifismo. É tão difícil de entender?

Deixo-lhes aqui a poesia de Idea Vilariño, que sempre me faz chorar, ainda mais com esse frio e o céu assim, azul azul, separada que estou do Uruguai apenas por uma linha imaginária.

(De Pelotas, 14 de abril de 2014)


LOS ORIENTALES
(Idea Vilariño - José Luis Guerra)
Gravado por Los Olimareños

De todas partes vienen,
sangre y coraje,
para salvar su suelo
los orientales;
vienen de las colinas
con lanza y sable,
entre las hierbas brotan
los orientales.
Salen de los poblados,
del monte salen,
en cada esquina esperan
los orientales.

Porque dejaron sus vidas,
sus amigos y sus bienes,
porque les es más querida
la libertad que no tienen,
porque es ajena la tierra,
y la libertad, ajena,
y porque siempre los pueblos
saben romper las cadenas.

Eran diez, eran veinte,
eran cincuenta,
eran mil, eran miles,
ya no se cuentan.
Rebeldes y valientes
se van marchando,
las cosas que más quieren
abandonando.
Como un viento que arrasa
van arrasando,
como un agua que limpia
vienen limpiando.

2 comentários:

  1. Perfeito...

    Infelizmente, preferimos outros modelos mundiais cujo o propósito é anular as diferenças, as culturas e tornar as pessoas igualmente medíocres, fúteis e tolas.

    ResponderExcluir
  2. Li outro dia: A classe média brasileira tem dois sonhos:
    Deixar de ser classe média e deixar de ser brasileira.

    ResponderExcluir