5 de setembro de 2009

IRACEMA MACEDO


Queixam-se os poetas. Querem mais poesia. Pois bem. Hoje é sábado, olha-se a televisão os jornais e tudo que se movimenta ou agoniza. Para diluir a perplexidade do dia trago-lhes a poesia de Iracema Macedo tal como a conheci, no livro LANCE DE DARDOS, de 2000, que é um dos meus livros preferidos.

Iracema é de Natal, viveu muito tempo em Ouro Preto e agora leciona em Cabo Frio. Espero que a tenhamos cada vez mais perto. Vive entre as letras. É professora. Deve ser o máximo tê-la como professora. É uma felicidade tê-la como poeta. Poetisa, para os puristas. Por que a palavra poeta não pode ser comum-de-dois? Como artista, pianista? Afinal, hoje em dia cada um faz a sua linguagem.
Mas deixemos esta questão mal resolvida, a exemplo de outras, como o verbete púbis, por exemplo, e vamos à poesia de Iracema Macedo.

Quem quiser saber mais sobre Iracema, procure o Google. Ela está no excelente http://www.algumapoesia.com.br/ , de Carlos Machado, e a foto acima é do http://www.palavrarte.com./


A PESTE


Quem lavará o corpo do morto
e o sangue impuro talhado em sua face?
Por que logo eu que sou tão normal
compro mangabas por trinta cruzeiros
acho a vida cara
e olho o número que o hidrômetro marca?
Quanto repouso ser deste mundo
e embranquecer as roupas com água sanitária.
Mas o sangue do morto quem pode resolvê-lo?
Quem pode concluí-lo? com que panos?
Que planos?
Quem levará o morto e para onde?
Por que logo eu
que tinha o pequeno dom das coisas justas e mensuráveis
Por que me cabe ser isto
e fugir sem pressa enquanto a chuva inicia?
E nesta minha fuga omissa e farta
carrego apenas um punhado de palavras:
Vem dançar comigo, Lázaro
Não estás vendo que é verão e as nuvens passam
Não vês o quanto eu sou perecível
e driblo o vírus com preservativos e cartas?
Vem beber comigo um gole d´água
que a vida está seca e parca
e como diz o povo
é curta
e passa


O CÃO DENTRO DA NOITE

O cão dentro da noite exagera
em seu lamento primitivo
eu seria mais sã
se o permitisse
se o construísse
com minha risada perfeita
comminha fala sem rumo
O cão me quer
como se eu gerasse um filho
como se eu trouxesse meu pai para o mundo
como se eu me abrisse e ele me atravessasse
como se eu me devorasse
O cão me quer voraz
e triste como um exegeta
Visa decifrar-me
colher para mim um nome amplo
viu-me aqui quieto, parado
deu-me água e comida
lambeu meus pés com sua língua ferida


A LENDA DA VIÚVA MACHADO

Do fundo de minha casa
vejo navios que partem
e estou intacta
Os dias são os mesmos na província
mato crianças e como
e guardo os restos em arcas
Homens feridos me tocam
quando passo
vestida de luto sob o sol
Mandei construir as estátuas no jardim
Serei eu mesma as crianças que degolo?
É a mim que bebo e brindo?
Não pedirei a esta cidade
não sei a que vim, eu que sou monstro
Não sei por que matei
nem o que buscava
Do fundo de minha casa
vejo navios que partem
e estou intacta
Não sangro nem singro
sagro em silêncio
minhas impossibilidades


A BUSCA

Eu que estava acostumada
a me avizinhar das maldições
fiquei de repente tão pura
que pássaros negros me visitam
sem agouros
e as mariposas pousam
sobre mim apaziguadas
Pequenas traças devoram meu coração
enquanto durmo
Estou habituada a muitos parasitas
e impossibiliddades
mas contra todos que me pensam velha
sou uma menina ainda
e me debruço na janela
com os seios docemente
inaugurados

4 comentários:

  1. Iracema é um trilhão de vezes superior a Viviane. Não sei por que tanta reverência a esta. Enfim ... Mas minha sugestão é que Iracema mude o nome para Iracê Macedo, mode a evitar o cacófato.

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  2. Olá Helena.
    Belissimo Blog o seu. Rico. Escreves divinamente. Amo Poesia e Literatura em geral. Agradeço sua visita á meu blog! Visitarei o seu mais vezes... Volte sempre que puder ao Borboletas. Serás muito Bem-Vinda! Abraços..

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  3. Iracema é poesia prá sábado, domingo, feriado e todo o resto do calendário. E desassossega muito, mas muito mais do que as notícias do jornal... Obrigada, Helena!

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  4. Descobertas de um domingo a tarde, vim conhecer seu blog e não imagina a satisfação com que faço isso. Sou uma dessas leitoras de poesia e que a descobriu (enquanto poeta) há algum tempo e desde então sou fã confessa de tua arte. Sim, eu prefiro poeta, apenas porque a outra palavra não me diz absolutamente nada. Bem sei que a arte em si não enxerga sexo ou demais condições, enxerga apenas o que é belo, talvez por isso mesmo seja arte.
    GRande abraço cara poeta...

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