Já sabemos que os poetas mortos ressuscitam vez ou outra por causa dos poetas que não os deixam morrer de todo. Sempre haverá o poeta que se lembra de um outro que não é divulgado, como a maioria, mas que num momento impreciso crescerá aos ouvidos e aos olhos dos que o descobrem ou que o relembram. Assim é a arte: desdobra-se infinitamente a contemplar todos aqueles que a procuram e até os que não.
Tudo isso para lembrar a poesia de Lila Ripoll, que chegou pela voz de um amigo, que por sua vez a tinha recebido de outro.
Perpassando tudo, a poesia dessa gaúcha de Quaraí nascida em 1905, e que hoje dá nome a um concurso instituído pela Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Além de poeta, militante política.
"Lila foi para Porto Alegre ainda jovem, e se formou no Conservatório de Música. Nos anos 30, após o assassinato de Waldemar Ripoll, seu irmão de criação, iniciou uma militância política que jamais abandonaria. Mais tarde dirigiu o Departamenteo Cultural do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto alegre e candidatou-se a deputada pelo Partido Comunista. Presidiu a seção regional da UBE e organizou em Porto Alegre o 4º Congresso Brasileirio de Escitores. Em 1951 recebe o prêmio Pablo Nerudo da Paz. Quando do golpe militar de 1964 foi presa e libertada pouco tempo depois em função do câncer que a vitimaria. Morre em fevereiro de 1967, deixando uma obra pequena e quase desconhecida. Desde então, não tem mais seus livros editados."
Este é o texto da orelha da antologia Ilha difícil, publicada em 1987 pela Editora da Universidade Federal do Rio Grande do sul, de onde retiro os poemas que seguem.
Retrato
Chego junto do espelho. Olho meu rosto.
Retrato de uma moça sem beleza.
Dois grandes olhos tristes como agosto,
olhando para tudo com tristeza!
Pequeno rosto oval. Lábios fechados
para não revelar o meu segredo...
Os cabelos mostrando, sem cuidados,
Uns fios brancos que chegaram cedo.
A longa testa aberta, pensativa.
No meio um traço, leve, vertical,
indicando uma idéia muito viva
e os sérios pensamentos: - o meu mal!...
O corpo bem magrinho e pequenino.
- Sete palmos de altura, com certeza. -
Tamanho de qualquer guri menino
que a idade, a gente fica na incerteza!
E nada mais. A alma? Ninguém vê.
O coração? Coitado. Está bem doente.
Não ama. Não odeia. Já não crê....
E a tudo vive alheio, indiferente!...
Meu retrato. Eis aí: bem igualzinho;
O espelho é meu amigo. Nunca mente.
No meu quarto, ele é o móvel mais velhinho.
E sabe desde quando estou descrente!...
Vim ao mundo em agosto
Sou triste de nascença e sem remédio.
vim ao mundo no triste mês de agosto.
o mês fatal das chuvas e do tédio,
e nasci quando o sol estava posto.
Vim ao mundo chorando ...(o meu presságio!)
Um vento mau marcava na vidraça
o plangente compasso de um adágio
anunciando agoirento uma desgraça.
Sou triste. É irremediável este mal.
e eu não quero curar minha tristeza.
Só ela para mim tem sido leal.
Na minha via-sacra da incerteza.
Sou triste de nascença. É mal sem cura.
A vida não desfez meu nascimento.
Sou a menina triste e sem ventura,
que em agosto nasceu, com chuva e vento.
Aviso
Um pássaro bateu as asas na janela,
por engano.
Os vidros estavam invisíveis
sob a luz.
Ah! não te enganes também
com minha alma!
Lila Ripoll é uma grande poeta, basta ler estes poemas, o corpo se entrega mas o sentimento expresso em versos é eterno. A militante comunista, guerreira e corajosa continuará como exemplo nesses tempos em que vende-se a alma em troco de nada.
ResponderExcluirBela lembrança.
Quando o poeta morre, seus versos viram ecos e ficam por aí, esbatendo-se contra paredes, provocando infiltrações na alma de toda gente. Pinicam e coçam, perturbadores, como os desta nossa Lila.
ResponderExcluirLindas poesias, Helena... Ficam muito bem quando lidas em voz alta. Fiz o teste. Bjs.
ResponderExcluirporque de poesia
ResponderExcluirse vive a vida,
se morre a vida
se ama
desamando
enfeitando o cinza.
bjs
adorei tudo aqui.