2 de setembro de 2009

VIVIANE MOSÉ É MÚSICA


parei de lutar contra o tempo
ando exercendo instante

acho que ganhei presença



Fui ao CCBB ontem, assistir Viviane Mosé no projeto "Toda palavra é música", que pretende traçar "um retrato poético e musical do romantismo, abordando as inspirações de grandes compositores da música erudita nacional e européia e textos de poetas brasileiros, reunidos pela essência romântica de suas obras", conforme o programa.

Sou meio avessa a programas do CCBB por causa das famigeradas senhas, que nos obriga a ir até lá não uma vez, como o desejado, mas duas, para pegar a tal senha.
Mas fui. Sou fã de Viviane Mosé e nesse caso vale a pena.
Mesmo que tivesse que esperar tanto a abertura da sala num lugar sem bancos ou cadeiras.
Pois bem, relato-lhes o que vi: Teatro II repleto. Preço bom, teatro bom. Mas o BB não alivia. Antes de começar o espetáculo, um telão na boca do palco com propagandas do próprio. Como no cinema. Qualquer dia venderão pipocas.

A função começa com Viviane Mosé, não no palco, mas na platéia, dizendo poemas de Álvares de Azevedo. Melhores na voz clara e de belo timbre da poetisa, mais a sua desenvoltura natural. Mas por que no chão? Não sei. Eu, que estava no lado esquerdo, senti reclamações do meu pescoço.
Ato contínuo - música - bastante música. boa, claro. Schumann.

Outra vez Viviane, desta vez subindo ao palco para recitar poemas próprios.
E aí aquela maravilha. Viviane Mosé tornou-se palavra, como quis.

Depois, novamente música. Bastante música.
Saí de lá para a fuligem da Presidente Vargas, para os vizinhos noturnos do CCBB, enfiados em sacos improvisados, a mulher despida para dormir.
E o que permanecia em mim era a palavra de Viviane, pois se Viviane é palavra, e a palavra é música, Viviane Mosé é música.

Ainda espero que o CCBB acredite mesmo que toda palavra é música, e dê à poesia um espaço definitivo, sem que dependa da música propriamente dita.

claro que não os deixarei sem um poema:

pessoas desmancham quando muito
quando não se quebram ao meio ou em pedaços
pessoas dissolvem aos pouquinhos
quando dá tudo certo
ou então se arrebentam por dentro ou por fora
pessoas às vezes explodem em tumores
quando não murcham devagarinho
pessoas dissolvem no chão

muitas doenças que as pessoas têm

são poemas presos
abcessos tumores nódulos pedras são palavras
calcificadas
poemas sem vazão

mesmo cravos pretos espinhas cabelo encravado
prisão de ventre poderia um dia ter sido poema

pessoas às vezes adoecem de gostar de palavra seca
palavra boa é palavra líquida
escorrendo em estado de lágrima



ôpa, um momento: também um de Álvares de Azevedo:

A lagartixa

A lagartixa ao sol ardente vive
E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão de teus olhos me dá vida,
Tu és o sol e eu sou a lagartixa.


Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito...
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.


Posso agora viver: para coroas
Não preciso no prado colher flores;
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amores


Vale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha...
Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa.



6 comentários:

  1. Querida Helena,

    Muitíssimo obrigada por suas doces palavras que muito me honram. Uma pena não ter te visto, gosto muito de você e de seu trabalho. Ainda bem que o Rio te ganhou.
    Com enorme carinho e um beijo

    Viviane Mosé

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  2. Helena querida, tava sentindo falta de poesia nesse blog, mas agora melhorou! Miriam

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  3. Não, Helena, a poesia não precisa de outra música, principalmente em seu blogspot.E quando a veremos em seu novo livro? Um abraço,
    Aricy Curvello

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  4. Que lindo poema..O ruim de morar no fim do mundo é não ter o contato diário com o que há de melhor das artes e da literatura. Amei o poema, me manda alguns dela

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  5. Gosto muito desse poema, quando Viviane Mose diz que tumores sao palavras nao ditas, e eu humildimente digo ou coplemento: Se voce fala de amor, de coisas boas, elogia alguem do fundo do coraçao, os tumores vao derretendo, os nodulos vao dissolvendo. ë preciso falar de amor, sem vergonha, para vencermos as doenças em forma de nódulos. Tive um na mama, venci. Perdi o cabelo, nasceu de novo. Hoje vejo a vida por outra janela, a vida ficou mais bonita, porém, mais real. Assim, sendo a vida mais real, com menos ilusões, as decepções acontecem com menor frequencia.E as doenças não encontram guarida em nós.

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  6. Gosto muito desse poema, quando Viviane Mose diz que tumores sao palavras nao ditas, e eu humildimente digo ou coplemento: Se voce fala de amor, de coisas boas, elogia alguem do fundo do coraçao, os tumores vao derretendo, os nodulos vao dissolvendo. ë preciso falar de amor, sem vergonha, para vencermos as doenças em forma de nódulos. Tive um na mama, venci. Perdi o cabelo, nasceu de novo. Hoje vejo a vida por outra janela, a vida ficou mais bonita, porém, mais real. Assim, sendo a vida mais real, com menos ilusões, as decepções acontecem com menor frequencia.E as doenças não encontram guarida em nós. Suelania figueiredo

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