29 de outubro de 2009

DRUMMOND PARA SEMPRE






Quando Drummond vivia entre nós eu vivia apreensiva com sua morte. Como poderia viver sem o poeta? Poderei suportar o sentimento do mundo? Chegava a chorar só de pensar.
Em agosto de 1987 fazia um frio insólito em Porto Alegre. A estufa ligada tempo integral, a friagem penetrando por baixo da porta, o vento cortante na rua. Eu fazia tricô e assistia televisão. Assim estava quando soube: morreu.
Não resistiu sobreviver à filha, sua única filha. Para quê? A obra feita, os amores vividos, as decepções escritas na pedra.

Foram as crônicas de Carlos Drummond de Andrade que traduziram, para mim, o ânimo daqueles que nasceram em erro geográfico. Cidadãos auto-exilados de suas cidades, aqui está a cidade do Rio de Janeiro. Aqui não sereis mais responsáveis pelo cavalo que foge ou pelo côro de viúvas pranteando.

Drummond transferiu o hábito de sofrer que tanto o divertia para o Rio de Janeiro e da tribuna do Jornal do Brasil pedia socorro para a cidade que via ruir, para a Terra inteira. Ele vinha de Itabira, sabia do que estava falando. E a Vale também sabia o que estava fazendo.

Foi-se o homem, mas não se foi o medo. Estamos 90% de ferro nas almas.
Bem fizeste, poeta, bem fizeste ao pedir

... a paz das estepes
a paz dos descampados
a paz do pico de Itabira quando havia pico de Itabira
a paz do cima das Agulhas Negras
a paz de muito abaixo da mina mais funda e esboroada de Morro Velho
a paz
da
paz.


Há muitas coisas que não gostarias, nem merecias ver. Principalmente, talvez, a tua estátua em Copacabana. Tu que eras calado, homem sem confidências, agora nem te retrais aos afagos dos desconhecidos nem podes resistir aos maltratos dos vândalos de sempre. Será isso a glória? pensa a estátua de Chopin na Praia Vermelha. Mas o coração não pensa mais.

Teu aniversário, poeta, 31 de outubro. Sei que muita gente não se lembrará porque o Halloween, como sabes, sempre ajuda a te desbancar. Assim está o mundo. Com a globalização, os anjos tortos nem estão mais saindo da sombra. Mas pelo menos sabemos que existem.
Agora que és eterno, deixo, em teu nome, para os que te amam, um consôlo. (O acento em consôlo é para não estranhares).






Consôlo na praia



Vamos, não chores
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo
Não tentaste qualquer viagem
Não possui casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te – de vez – nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.












3 comentários:

  1. Este consolo na praia é o consolo da vida, linda lembrança e mais ainda o poema, o resto é saudade do tempo em que a poesia era a televisão dos alfabetizados.
    beijo

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  2. saludos afectuosos desde Santiago de Chile, por favor querida amiga, escribeme a mi correo personal: tallerleolobos@yahoo.com

    para retomar nosso dialogo, afectuosos saludos desde el sur de America

    Leo Lobos

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