11 de junho de 2010

ENFIM, UMA SENTENÇA


Chego de viagem. A Copa não me abala, não tenho nada com isso, embora a África seja estimulante para todos quantos lutam pela liberdade. Meu time é outro. Torço por um Brasil com boas escolas, crianças alimentadas, professores preparados, com salários à altura de educadores. Mas não vejo nenhuma perspectiva de levantar a cortina de sombra que cai sobre o futuro. Venho do Uruguai, e venho constrangida.

Mas não é sempre assim. De vez em quanto uma alegria dîminui o desassossego.

Depois de 10 anos chegou a sentença que condena a Ford a pagar ao Estado do Rio Grande do Sul cerca de 1,4 bilhão pelo não cumprimento do contrato assinado no governo Antonio Britto, em 1997, que antecedeu Olívio Dutra no Governo do Rio Grande do Sul, quando a montadora pretendia se instalar lá.

Olívio estava certo ao negar-se a desembolsar a segunda parcela prevista no contrato, mas o fato da Ford ter preferido a Bahia não foi só por isso. Uma quadrilha organizada (a mesma de sempre, FHC e asseclas) estava por trás de tudo, apoiada pela poderosa RBS, principal empresa de comunicação do Rio Grande do Sul, acusando Olívio até de ter nascido.

Olívio era bancário, cresceu politicamente no movimento sindical, foi preso pelos militares, andava de ônibus, não enriqueceu no cargo. E as oligarquias nunca gostaram da ascensão popular. No entanto, foi na campanha que elegeu Olívio que surgiu outra vez, como tantas, pela voz da militância, a esperança do Rio Grande em toda a sua força, como se as vozes viessem de longe, muito antigas, de muito antigas campanhas, empunhando bandeiras que se encontravam nas ruas, engrossavam fileiras rumo a um futuro diferente e possível.

A mentira de que o radicalismo extremado de Olívio tinha "mandado a Ford embora", desprezando empregos e investimentos foi espalhada por todo o Estado e fez, junto com outras calúnias, com que perdesse a eleição até mesmo nas prévias do partido em 2002, quando Tarso Genro foi escolhido, concorreu e perdeu para um apagado Germano Rigotto. Em 2006 Olívio concorreu e perdeu no segundo turno para Yeda Crusius, uma paulista sinistra que tem dado o pior de si. As denúncias de corrupção não fazem, no entanto, com que a RBS mexa um dedo contra ela. Podia ter caído como um arruda. Não caiu. É grande a força que a sustenta.
Olívio deve estar rindo discretamente por baixo do bigode, enquanto toma o seu chimarrão. Tranqüilo com a sua vida decente, incólume ante as negociações que fizeram com que fosse substituído por Márcio Fortes no Ministério das Cidades.
Talvez se lembre de uns versos, dos tantos guardados por sua prodigiosa memória e que certamente ajudaram a formar seu caráter.
São para Olívio Dutra que ofereço os versos do poeta Jayme Caetano Braun, um gaúcho como ele, que não compactuou com a vilania.



Está na hora
Jayme Caetano Braun
Composição: Jayme Caetano Braum/Pedro Ortaça


Eu penso enquanto mateio,
e mateando a gente pensa,
será que morreu a crença
da indiada do pastoreio?
Com três séculos e meio,
fazendo pátria e querência,
ou será que a incompetência
de uns e a má fé de outros
tiraram de índios potros até
o ar de independência!

Aprendi na mocidade,
algo que ninguém me tira,
que não há meia mentira,
tampouco meia verdade
e nem meia liberdade,
pois não pode ser cortada,
quem acha o rumo da aguada,
não morre de sede a míngua,
e quem fala meia língua,
termina dizendo nada!

Já é hora da indiada,
que a velha capitania,
dentro da democracia,
voltasse o que foi outrora,
gaúchos de ontem, agora,
sempre o mesmo sentinela,
a pátria verde-amarela
nasceu aqui nestes planos,
e os velhos taipas pampeanos
nunca se apartaram dela!

Meu grito de revolta
neste descontrole imenso,
mas um alerta ao bom senso,
e é sempre a melhor escolta,
para que o país de volta,
por si só se siga sozinho,
o patrocínio daninho, de fora,
nós não queremos,
deus permita, superemos,
'solitos' nossos caminhos.

Dentro da filosofia a qual
sempre nos filiamos
quando pátria nos tornamos
na essência e na ideologia,
o gaúcho de hoje em dia,
tem a mesma dimensão
e guardada a dimensão
entre presente e passado,
é o mesmo pastor soldado,
do início da formação.

Se as distâncias encolheram,
as inquietudes ficaram
se os tempos se transformaram,
as ânsias permaneceram,
e os centauros não morreram,
no sentir e no pensar,
o impulso de gauderear,
latente se transfigura,
na defesa da cultura
que ninguém pode esmagar.

Aí está o gaúcho atual,
muito mais do que pilchado,
alerta e conscientizado
de todo o seu potencial,
a transformação social foi feita,
ele permanece,
tem consciência, não esquece,
conhece a luz que procura
e sabe que a noite escura,
termina quando amanhece!

É hora depois da espera,
que haja uma volta por cima,
o povo, matéria prima,
merece uma primavera,
e os que manejam a esfera
encontrem uma maneira
p'ra que a nação brasileira,
não vá a tranco e solavanco,
pulando de banco em banco,
como coruja em tronqueira.


Imagino que muitos de vocês nem se lembrem desse fato da política rio-grandense. Outros não podem lembrar porque nem souberam. Mas eu passei por lá e senti que a sentença passou como um vento na alma dos gaúchos que ainda sonham que a justiça se cumpra.

...

3 comentários:

  1. Ótimo Helena, gostei do artigo.
    Odeio a RBS, que além de ser o símbolo de uma dominação global sobre o Rio Grande do Sul, das oligarquias sobre os gaúchos, é também o símbolo da colonização das oligarquias gaúchas sobre a mídia catarinense...
    E sou fã do Olívio. Quantos os de caráter no meio da política, que são deixados no limbo... Olívio é um deles.
    Abraços.

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  2. Obrigada Helena,
    as tuas palavras lavaram a minha alma, escreveste o que eu gosto de ouvir e o que gostaria que todos se dessem conta,
    beijo da Isolde

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  3. Cara Helena,
    Sou do Rio de Janeiro e eleitora do PT. Embora não conheça a política do Rio Grande, sempre admirei o Olívio e sabia de seu caráter exemplar. E seu texto, Helena, é muito bom.
    Mas não é sobre isso que quero falar. Tenho três blogues. Em um deles, faço análise literária e falo sobre literatura brasileira, minha grande paixão. Pois bem, minha última postagem foi sobre sua produção poética. Convido-a a ir lá - http://literaturaemvida2.blogspot.com -, o que me encherá de alegria. Nele, posto o "Palavra sobre palavras" em que vou trazendo conceitos literários de forma bem prática, para atrair o leitor comum. Tem dado resultado, eles gostam e eu mais ainda, pois fico muito feliz.
    Se quiser, convido-a, ainda, a meus poemas - http://poemavida.blogspot.com - e meus contos: http://cont-gotas.blogspot.com.
    Desejo ainda agradecer a oportunidade que me proporcionou, com seus textos, de fazer uma postagem de alta qualidade e que enriquecerá a semana de meus visitantes.
    Eliane F.C.Lima

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