20 de dezembro de 2010

NATAL

Que pode uma criatura senão entre criaturas, dar espaço ao poeta para falar sobre o Natal?
......
NATAL

...
Fernando Pessoa


Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade

Nem veio nem se foi. O Erro mudou.

Temos agora uma outra Eternidade,

E era sempre melhor o que passou.



Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.

Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.

Um novo Deus é só uma palavra.

Não procures nem creias: tudo é oculto.







O poema caiu em minhas mãos há poucos dias. Guardei-o, já aberto, para hoje, para dedicá-lo aos leitores desse blog que me permitiu, afinal, retornar à crônica, gênero a que me dediquei nos antigos anos da minha juventude.

Para a crônica nunca falta assunto. As coisas estão acontecendo o tempo inteiro, o mundo está em ebulição. Mas a maravilha é que o cronista pode escever sobre outra coisa, uma sombra que viu na parede ao cair da tarde. A janela envidraçada e uma roseira que tremia. Da rua vinha uma luz rosa, depois da chuva.

Mas é Natal, e ninguém consegue fingir que não é. Que posso dizer-lhes? Ritos e mitos. Acreditar ou não. Tudo é difícil. Mais difícil do que ser é crer. Mas sou uma voz anônima em relação ao mundo. Tenho leitores, é verdade, isso nos faz um mundo. Mas estamos inseridos em outro. E na hora da decisão, qualquer decisão, estamos sempre sós. Não sabemos bem no que isso vai dar, mas a dúvida é antiga e, ao que parece, não tem resposta.
Por mim, o mundo é esse corpo que carrego para todo o lado, essa alma tantas vezes esquiva, esquisita como eu, que me sacode todo o dia. Acordo e vejo: estou viva. E então vou viver. Firmeza ou insegurança, bom ânimo ou espírito derrotado. Todo o dia a mesma luta, alguma raiva, alguma ternura. E sempre as dúvidas, as decepções. A traição.
Mas é como aprendemos. Na porrada. Nada nos ensina a felicidade que passa num átimo e dizemos, perplexos: é ela. Erguemos o braço, já se foi.

O mundo somos nós, eu com o meu corpo até o fim, você com o seu. Caminhamos. Caminharemos até que se extingam os dias. Depois virão outros dias. E nós? Vá saber. Tudo é oculto.

Do chão, olho para o alto e pergunto. Quem responde é Gonzaguinha, embora também não possa confirmar.

"A vida poderia ser bem melhor e será,

mas isso não impede que eu repita:

é bonita, é bonita e é bonita."
...

5 comentários:

  1. Felicidade é momento? Ah, se pudéssemos confraternizar todos os dias como se fossem datas especiais! Afinal é clima de Natal? E o que compartilhamos com os mais necessitados? Por que essa comilança desenfreada? É bem uma festa de desperdício... Triste, muito triste para nós adultos que nos afetamos pelo consumismo.

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  2. Não se deve pensar muito, que perdemos força e graça, impolutos demais, conforme quer o capeta. Ademais, quando se tem a oportunidade de ser feliz, pecado é não aproveitá-la, pq a felicidade tem tb status ideológico: é revolucionária. Aliás, tudo é vermelho no Natal - me dou conta, agora. Brademos, pois, e vamos dar muitas e muitas cambalhotas por aí, pelo Alemão e por Ipanema, com aquela risada de criança que ganha um brinquedo. Vivos, sempre vivos, mais que nunca vivos!

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  3. "La vida podria ser mucho mejor y lo será,

    pero eso no impide que repita:

    es bonita, es bonita y es bonita"

    Mis saludos desde Santiago de Chile, un abrazo grande,

    Leo Lobos

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  4. helena,

    obrigado por existir em minha vida. venho muito aqui, quase sempre em silêncio e bato a porta com cuidado. mas hoje precisei te dar um abraço.

    e um beijo

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  5. escreves com a alma cantante... o corpo, esse segue em frente ... o mais é, como dizes, caminhar

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