Li no jornal de hoje a coluna do sr. Arnaldo Bloch sob o título A maconha e o estresse pós-traumático no Brasil. O colunista usa a maconha como gancho para algumas queixas em relação à sociedade em que vive, predominantemente relacionadas ao futebol. Estimulada, escrevi-lhe essa cartinha. Já agora há alguma diferença entre o texto que enviei e o que reproduzo aqui. Mas acho que foi para melhor. Grande abraço aos apoiadores da causa, ou ao menos aos meus apoiadores pessoais. rsrsrsr
Prezado Colunista,
Li sua coluna e decidi comentar alguma coisa, porque não é bom que um "formador de opiniões" escreva para pessoas que têm outra opinião sobre o tema e elas não se manifestem.
Primeiro, acho que o fato de Sean Azzariti ser o primeiro comprador de maconha legal no Estado do Colorado é importante para a sua trajetória pessoal e mais importante ainda porque marca um momento histórico do movimento pela legalização em que a razão se sobrepõe ao preconceito.
Sean deve estar feliz por se tornar, finalmente, um cidadão legal, de posse de direitos individuais que durante tanto tempo lhe foram negados.
Observo que os colunistas do jornal O Globo (mais do que a televisão) estão se tornando mais maleáveis ante a questão, apesar de tratarem o tema com ironia. A ironia é, a meu ver, uma forma bem-humorada de expressar o desencanto. Já na televisão não param de mostrar apreensões, que é uma forma mal-humorada de mostrar força.
Veja você: o que faz com que a polícia "desconfie"de um caminhão rodando pela Via Dutra cheio de maconha? Estarão tão perspicazes assim, os policiais? Ou ainda estão dependendo da delação?
Prende-se quem? O Motorista - para quem aquela era uma viagem em que ganharia algum dinheiro extra.
Traficante grande não dirige caminhão com droga. E a droga? Assim como o preso que morre dentro da viatura, também a maconha deve dar uma de "desaparecida".
Hoje, se nossos netos nos perguntarem por que Mandela esteve preso durante 27 anos respondemos que ele estava lutando pela liberdade do seu povo. O olhar que eles nos lançam não é possível sustentar. Somos burros? Intolerantes? Arbitrários? Sim, respondemos. Fomos assim.
Da mesma forma acontecerá com a maconha legalizada. Ninguém acreditará que pessoas eram presas, mortas e mantidas na cadeia ad infinitum porque estavam fumando um baseado. Ninguém acreditará no quantum de gente morta em "autos de resistência" e, mais modernamente, sem auto e sem resistência. À queima-roupa mesmo, no interior de algum carro tenebroso.
Claro que existem os grandes traficantes. Mas a cadeia é pra arraia miúda.
Outra coisa que necessito comentar é a menção irônica e a respeito das marchas, quando diz que elas se limitam a "ingênuas marchinhas litorâneas sem qualquer sofisticação estratégica". Ora, como é possível ? As marchas são movimentos de jovens, os jovens não têm dinheiro para patrocinar nada. Não sei se você já participou de alguma, acredito que não, mas saiba que se não fosse a energia dos jovens ela não se repetiria a cada ano, tal o trabalho (e as despesas) que dá, mesmo assim. A grande imprensa não aparece, a não ser que haja confusão. Aparecem os independentes, no máximo os CQCs da vida.
A Marcha é fraca, pode ser, mas existe, e existindo elegeu um Vereador. Podia ser melhor? Claro que sim. Não é maior porque as pessoas são ignorantes ou alienadas, pensam que a questão é supérflua, frente aos "problemas de hoje", mas não se dão conta que grande parte dos problemas (e das mortes de hoje) advém da proibição. Também não vão os pais, que outrora fumaram e agora deixaram (para dar o bom e hipócrita exemplo). Não vão os pais que não querem nem conversar sobre o assunto e fazem com que os filhos se afastem de casa. Não vão as mães, pais e irmãos dos jovens presos porque vendiam, portavam, fumavam ou tiveram o flagrante plantado pela polícia.
Gays também não vão, embora muitos fumem.
Políticos não vão porque têm medo. Gabeira, como se sabe, ao ser candidato a prefeito, preferiu afastar-se do tema. Além disso, há em todos os partidos, atualmente, a bancada dos evangélicos, que não admite argumentos contrários aos credos.
Quem, portanto, patrocinaria a Marcha da Maconha? O Eike Batista?
Concordo com você sobre a dissecação das biografias. Mas também me espanta o espaço que a mídia dá a questiúnculas. Afinal, quem faz a pauta?
Talvez fosse bom que intelectuais e artistas se interessassem por causas sociais e políticas, ao invés de abanarem os véus dos próprios umbigos. Os intelectuais e artistas , infelizmente, por problemas contratuais, ou porque se acham acima do bem e do mal, não se aliam ao movimento.
A maconha, sempre é bom lembrar, chegou ao Brasil numa onda de paz e amor. No final dos anos 60 ainda era tranquilo o ambiente no Rio. Os traficantes eram velhos senhores que convidavam o freguês para suas casas, no morro, recebiam com a família e até convidavam para um baseado. Não havia armas. Não havia os soldados do tráfico. A polícia não estava ainda caçando maconheiros. Havia muito ainda o que fazer nos porões da ditadura. A sanha da polícia política estava ainda sendo aplacada. Sangue não faltou.
Foi depois que aconteceu o terror, que segue até agora, numa vergonhosa política de extinção (ou pelo menos de diminuição) de pobres e negros, que leva o nome de guerra às drogas. Parece que tem funcionado, se olharmos as estatísticas.
A outra coisa - que nunca será a última porque o assunto não tem fim - é que o Brasil ainda não fez as contas de quanto lucraria com a maconha. No dia em que fizer, vai mudar direitinho de opinião.
De outra forma, só se os Estados Unidos permitirem. Paradoxalmente, já estão permitindo no próprio território, enquanto o Brasil segue as ordens da matriz. Desse jeito, de emergentes passaremos a náufragos.
Felizmente, a fila anda e a história não pára. E a maconha é tão, tão marginalizada que até uma opinião contra, ou irônica, ou contrária é bem-vinda. Ao menos traz o assunto à tona.
Um dia, quem sabe, os leitores de notícias da Globo registrarão a Marcha da Maconha informando que é "um programa para toda a família".
E os babacas que ligam para a polícia porque não gostam do cheiro, ou que acham que maconha mata, ou "que a maconha é a porta de entrada" ou pais que se revoltam porque há crianças (embora eles mesmos, os pais, digam coisas horríveis à criança) terão que ficar na sua.
Os fatos são imprevisíveis. A história é surpreendente.
Quem era traficante terá status de investidor.
E a terra dará seus frutos para todos.
Era isso. Obrigada pelo estímulo.
Helena Ortiz
Prezado Colunista,
Li sua coluna e decidi comentar alguma coisa, porque não é bom que um "formador de opiniões" escreva para pessoas que têm outra opinião sobre o tema e elas não se manifestem.
Primeiro, acho que o fato de Sean Azzariti ser o primeiro comprador de maconha legal no Estado do Colorado é importante para a sua trajetória pessoal e mais importante ainda porque marca um momento histórico do movimento pela legalização em que a razão se sobrepõe ao preconceito.
Sean deve estar feliz por se tornar, finalmente, um cidadão legal, de posse de direitos individuais que durante tanto tempo lhe foram negados.
Observo que os colunistas do jornal O Globo (mais do que a televisão) estão se tornando mais maleáveis ante a questão, apesar de tratarem o tema com ironia. A ironia é, a meu ver, uma forma bem-humorada de expressar o desencanto. Já na televisão não param de mostrar apreensões, que é uma forma mal-humorada de mostrar força.
Veja você: o que faz com que a polícia "desconfie"de um caminhão rodando pela Via Dutra cheio de maconha? Estarão tão perspicazes assim, os policiais? Ou ainda estão dependendo da delação?
Prende-se quem? O Motorista - para quem aquela era uma viagem em que ganharia algum dinheiro extra.
Traficante grande não dirige caminhão com droga. E a droga? Assim como o preso que morre dentro da viatura, também a maconha deve dar uma de "desaparecida".
Hoje, se nossos netos nos perguntarem por que Mandela esteve preso durante 27 anos respondemos que ele estava lutando pela liberdade do seu povo. O olhar que eles nos lançam não é possível sustentar. Somos burros? Intolerantes? Arbitrários? Sim, respondemos. Fomos assim.
Da mesma forma acontecerá com a maconha legalizada. Ninguém acreditará que pessoas eram presas, mortas e mantidas na cadeia ad infinitum porque estavam fumando um baseado. Ninguém acreditará no quantum de gente morta em "autos de resistência" e, mais modernamente, sem auto e sem resistência. À queima-roupa mesmo, no interior de algum carro tenebroso.
Claro que existem os grandes traficantes. Mas a cadeia é pra arraia miúda.
Outra coisa que necessito comentar é a menção irônica e a respeito das marchas, quando diz que elas se limitam a "ingênuas marchinhas litorâneas sem qualquer sofisticação estratégica". Ora, como é possível ? As marchas são movimentos de jovens, os jovens não têm dinheiro para patrocinar nada. Não sei se você já participou de alguma, acredito que não, mas saiba que se não fosse a energia dos jovens ela não se repetiria a cada ano, tal o trabalho (e as despesas) que dá, mesmo assim. A grande imprensa não aparece, a não ser que haja confusão. Aparecem os independentes, no máximo os CQCs da vida.
A Marcha é fraca, pode ser, mas existe, e existindo elegeu um Vereador. Podia ser melhor? Claro que sim. Não é maior porque as pessoas são ignorantes ou alienadas, pensam que a questão é supérflua, frente aos "problemas de hoje", mas não se dão conta que grande parte dos problemas (e das mortes de hoje) advém da proibição. Também não vão os pais, que outrora fumaram e agora deixaram (para dar o bom e hipócrita exemplo). Não vão os pais que não querem nem conversar sobre o assunto e fazem com que os filhos se afastem de casa. Não vão as mães, pais e irmãos dos jovens presos porque vendiam, portavam, fumavam ou tiveram o flagrante plantado pela polícia.
Gays também não vão, embora muitos fumem.
Políticos não vão porque têm medo. Gabeira, como se sabe, ao ser candidato a prefeito, preferiu afastar-se do tema. Além disso, há em todos os partidos, atualmente, a bancada dos evangélicos, que não admite argumentos contrários aos credos.
Quem, portanto, patrocinaria a Marcha da Maconha? O Eike Batista?
Concordo com você sobre a dissecação das biografias. Mas também me espanta o espaço que a mídia dá a questiúnculas. Afinal, quem faz a pauta?
Talvez fosse bom que intelectuais e artistas se interessassem por causas sociais e políticas, ao invés de abanarem os véus dos próprios umbigos. Os intelectuais e artistas , infelizmente, por problemas contratuais, ou porque se acham acima do bem e do mal, não se aliam ao movimento.
A maconha, sempre é bom lembrar, chegou ao Brasil numa onda de paz e amor. No final dos anos 60 ainda era tranquilo o ambiente no Rio. Os traficantes eram velhos senhores que convidavam o freguês para suas casas, no morro, recebiam com a família e até convidavam para um baseado. Não havia armas. Não havia os soldados do tráfico. A polícia não estava ainda caçando maconheiros. Havia muito ainda o que fazer nos porões da ditadura. A sanha da polícia política estava ainda sendo aplacada. Sangue não faltou.
Foi depois que aconteceu o terror, que segue até agora, numa vergonhosa política de extinção (ou pelo menos de diminuição) de pobres e negros, que leva o nome de guerra às drogas. Parece que tem funcionado, se olharmos as estatísticas.
A outra coisa - que nunca será a última porque o assunto não tem fim - é que o Brasil ainda não fez as contas de quanto lucraria com a maconha. No dia em que fizer, vai mudar direitinho de opinião.
De outra forma, só se os Estados Unidos permitirem. Paradoxalmente, já estão permitindo no próprio território, enquanto o Brasil segue as ordens da matriz. Desse jeito, de emergentes passaremos a náufragos.
Felizmente, a fila anda e a história não pára. E a maconha é tão, tão marginalizada que até uma opinião contra, ou irônica, ou contrária é bem-vinda. Ao menos traz o assunto à tona.
Um dia, quem sabe, os leitores de notícias da Globo registrarão a Marcha da Maconha informando que é "um programa para toda a família".
E os babacas que ligam para a polícia porque não gostam do cheiro, ou que acham que maconha mata, ou "que a maconha é a porta de entrada" ou pais que se revoltam porque há crianças (embora eles mesmos, os pais, digam coisas horríveis à criança) terão que ficar na sua.
Os fatos são imprevisíveis. A história é surpreendente.
Quem era traficante terá status de investidor.
E a terra dará seus frutos para todos.
Era isso. Obrigada pelo estímulo.
Helena Ortiz
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirfaço das suas minhas palavras. assino e rubrico!
ResponderExcluirsaudade
amor
anna
Heleninha, penso que o colunista do Globo, no mínimo, vai ler a sua carta com atenção. Deve ficar orgulhoso com a leitora que tem. Eu ficaria.
ResponderExcluirhelena, voce sempre lúcida e maravilhosa. Sempre leio seus textos e adoro. Estou do seu lado nessa causa e em outras também!!!! Quero ver se antes de morrer ainda vou poder fumar um baseado livre e solto na rua em casa com as janelas abertas sem me preocupar se o vizinho vai ligar prá polícia ou não, sem me preocupar em trancar as janelas. Há 42 anos que vivo isso e quero ver a liberdade antes de morrer. Esse vai ser o dia mais feliz da minha vida. Bjs pedrinho.
ResponderExcluirOi Pedro,
ExcluirSei exatamente do que está falando. Também espero. E também quero ver a cara dos que torcem o nariz e levantam argumentos ultrapassados, e que a
partir da legalização vão ter que contar outra história para as crianças.