Helvio Lima
De resto, não sejamos ingênuos. Não existe paz armada. Nem justiça que tarda. Nem democracia racista. Há muito para caminhar. Fiquemos juntos. E sigamos com o sonho, sem o qual também não existem razões para viver.
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A frase é de um filme do genial Ettore Scola, La Terrazza, que se passa numa festa onde circulam intelectuais italianos, gente de cinema e jornalismo. O elenco tem Vittorio Gasmann, Jean Louis Trintignant, Marcello Mastroianni, UgoTognazzi e Stefana Sandrelli. Nada mau, não é? O cinismo e o conformismo marcam o ritmo das situações que ligam os personagens.
O título desta postagem tem a ver, naturalmente, com a passagem do ano. Há muito tempo passo pela mudança de ano, até que um dia ela começou a passar por mim. Hoje já nem sei se nos encontramos, tão rápido é o tempo, tão lenta a passagem. Sei que é no cinema que me encontro, dentro dos filmes que revejo e que me levam a outras épocas, a outras pessoas, e é assim que vou compreendendo, sobrevivendo, vivendo a arte. Devo isso principalmente aos filmes que tinham o que dizer, e que ficaram para sempre na história do cinema, ao contrário de outros, caríssimos, que não duram uma temporada.
A brasileira membro do Greenpeace, por quem certamente pediram todos aqueles que não aceitam a intolerância e o autoritarismo, voltou dizendo que é contra o pré-sal, e eu achei bom, é claro, porque é uma voz em sintonia, mas depois disse que ia agora defender as orcas. Nada tenho contra as orcas, mas talvez o Greenpeace não impedisse a extinção dos dinossauros e outros que vieram depois, na evolução natural das espécies.
"Nossa" Ana Paula esqueceu-se dos "nossos" índios, que estão a perigo e também em extinção. Nossos antepassados, os índios, os guardiães da terra quando chegaram os descobridores, leia-se invasores, que os massacraram e massacram até hoje, tomando-lhes a terra fértil, invadindo as reservas, ensinando-lhes o que há de pior, até que sejam totalmente extintos e as terras possam, afinal, ser desmatadas em paz e transformadas em dinheiro para os madeireiros e seus bandos.
Se o Greenpeace dirigisse os olhos para os nossos índios, que não são baleias nem tartarugas, mas gente, gente nossa, seria um grande feito. O Estado brasileiro comete um crime infame sem que haja uma decisão de fato. É infame. Invadidos, roubados, terras confiscadas, incêndios, ataques, violência, os índios nunca foram vistos como gente. A história da preservação da terra e da cultura indígena é puro cinismo. Vão matando aos poucos até que caibam todos numa oca.
Mas os ativistas preferem as orcas. Enquanto isso, destrói-se um manancial de conhecimento, arte e cultura.
Não agradeci ainda aos caros amigos que se manifestaram por ocasião da morte de Sócrates, o gato. Fiquei grata e percebi que o ser humano mais se compadece com a morte de um animal, mesmo desconhecido, do que com outras questões de que tratamos, como política, polícia e poesia, porque esse fato traz a lembrança de cada um o convívio e a perda do seu próprio animal, a lealdade com que contava e a dedicação desinteressada, coisas raras em seres humanos, hoje.
Não tenho projetos para 2014. Pretendo realizar alguns que não cumpri em 2013, como a leitura de livro inédito de Alexandre Guarnieri, Corpo de festim; do Mafuá do Maluco, de Agilberto Calaça, e d´O homem dos patos, de Diana de Hollanda.
Li as Histórias para lembrar dormindo, de Bráulio Tavares e A Estranha morte do Dr. Antena, de Mário de Sá-Carneiro. Também o livro vencedor do prêmio Portugal Telecom, O Sonâmbulo amador, de José Luiz Passos, de que gosteibastante. E senti muita, muita falta de José Saramago, minha leitura certa de final de ano, encerrada em 2010. Posso reler, é claro, mas não eram só os livros, era a presença dele no mundo que me consolava.
Quanto à legalização da maconha pelo Estado do Colorado, em terras norte-americanas, não chega a me entusiasmar. Se o preço for tão caro como prometem, não irá ajudar em relação ao fim do tráfico. Será, mais uma vez, apenas uma saída (ou entrada) para o lucro, sem preocupações sociais, lugar comum do capitalismo. O que não se sabe é porque foi uma comissão dos EUA ao Uruguai logo depois que o projeto da legalização foi aprovado pelo parlamento. Terá sido para aprender ou para assustar?
Preparemo-nos, pois. 2014 vem aí com Carnaval, Copa e eleições. Não vai ser fácil. Coragem, brava gente, o melhor já passou. Enfrentemos o que virá. E aproveitemos todos os momentos que pudermos perceber de sossego, criatividade e alegria. Sim, eles existem, mas atenção: em um segundo já se foram, um gesto os afasta, um vôo os espanta.De resto, não sejamos ingênuos. Não existe paz armada. Nem justiça que tarda. Nem democracia racista. Há muito para caminhar. Fiquemos juntos. E sigamos com o sonho, sem o qual também não existem razões para viver.
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Cada vez me convenço mais: eis ai uma cronista de mão cheia que aborda assuntos palpitantes e polêmicos, dignos a figurar em qualquer mídia.
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