8 de maio de 2014

UM ESTRANHO NO NINHO

Viajei. Fui ver o Brasil de perto. As informações passam ao largo da realidade e se vierem via Globo e seus tentáculos, aí vem a parte mais nefasta, porque a organização prima por combater o País. Por isso fui. Por não acreditar em informações duvidosas e, naturalmente, porque sei que este país continente é muito mais do que aqueles que não o merecem. Estava certa.
Foi durante a viagem que soube do crime. Terrível demais, absurdo demais para que a nossa razão alcance, mas a sensibilidade é golpeada de uma tal maneira que traz, até para quem não tem filhos, a dor da perda de um.
De lá, recebi de meu amigo e poeta Daniel Santos este desabafo

Eu sei, eu sei, está tudo uma merda, mas não dói especialmente saber da morte desse garotinho gaúcho? Gente, os detalhes são de uma solidão, de uma dor, que nem sei! Ele era tão rejeitado pelo pai e pela madrasta que procurou a Justiça para lhe arranjarem uma família adotiva. Arranjaram uma gente ótima, ele se deu maravilhosamente bem nesse novo lar, mas o pai conseguiu de novo a guarda do pequeno mártir que, muitas vezes, ficava do lado de fora da casa, pq não lhe abriam o portão, e ele tinha de pular o muro! Mal comia, mal vestia, mal se banhava, não ligavam para ele de jeito nenhum! Parece que o pai consentiu e a madrasta aplicou-lhe uma injeção letal com a ajuda de uma amiga. Que gente, que horror! Depois, enterraram seu corpo na mata e saíram pela cidade procurando por ele - uma cidade já cansada de saber que a família rejeitava inexplicavelmente o garoto tão querido por todos. Segundo a delegada, a madrasta chegou a sorrir ao confessar que se livrara dele!!! O que somos nós, ao final das contas? O que está acontecendo com o povo brasileiro?

Eis uma pergunta que estamos nos fazendo todos os dias. 
Pensando friamente, é verdade que haverá sempre psicopatas, e que com o aumento ininterrupto do crescimento populacional o número deles aumenta proporcionalmente, por isso hoje são tantos, conforme se constata, os casos de pais que matam filhos estimulados pelas atuais. Mas quanta maldade, quanta frieza, quanto escárnio nesses crimes. Como explicar e, pensando bem, para que explicar, se outros morrerão ainda brutalmente?

Logo depois Daniel escreveu, confirmando isso, na certeza de que ainda enterraremos outros Bernardos.


Estranho no ninho


* Por Daniel Santos



Houve antecedentes, sim. Por exemplo, a noite em que despertou esfaimado, e esfaimado voltou à cama. “Falta comida”, alegou a mãe, embora ele soubesse que havia ainda na despensa muito de comer.

E assim foi a vida inteira. Não só a mãe, mas também pai e irmãos excluíam-no, mais por indiferença do que por agressividade. Era como se não reconhecessem nele um semelhante, o que mais tarde evidenciou-se.

De fato, com o tempo, percebeu que seu rosto arredondava-se, enquanto o dos demais estreitava-se como um focinho. Pior, ao contrário dele, glabro, sua família cobria-se de pêlos por todo o corpo, hirsuta!

Entre si, emitiam guinchos como roedores. Algo que constatou na noite em que divertidas risadinhas atraíram-no aos fundos da casa. Lá, a  desconcertante revelação: a família atirava pedacinhos de pão a ... ratos!

Aos ratos, alimento e carinho. A ele, olhares compreensivos que diziam “algum dia, você teria de saber”. E não o escorraçaram. Mas, daí em diante, a porta ficou sempre aberta para quando decidisse partir.


Um comentário:

  1. Cara, é triste ler esse texto, mas é ainda mais triste saber até que ponto vai a maldade humana, sera que somos um projeto fracassado "divino"? Quero ser otimista , mas quando vejo uns casos desses me "baqueio", e quero crer que ainda há jeito para essa merda toda ou para a "gente". Valeu Helena.

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