A poesia é uma arma carregada de futuro. (Gabriel Celaya)
Na onda das adaptações literárias, com ênfase n´"O alienista", de Machado de Assis, em que podem ser identificados tantos outros alienistas, fico pensando que a coisa não é tão pior do que resumir livros. É apenas igualmente ruim.
Há muito tempo existem livros que "resumem" as obras consideradas mais difíceis ou muito longas. Já me ofereceram um resumo de "Dom Quixote" e de "Os Sertões". Isso foi há mais de 10 anos.
"Facilitar a linguagem", no caso da obra de Machado de Assis, é irmã do "resumo" e ambos são filhos da preguiça. Quem não quer ler não quer ler e pronto, e isso não diz respeito apenas às pessoas sem privilégios. Tem muito garoto com acesso a tudo que também não lê.
O que se imaginava até agora é que há uma idade em que os adolescentes "não querem" saber de coisas que não digam respeito ao seu próximo e ainda pequeno universo. Mas sobre isso posso contar, também resumido, o caso recente de uma professora de escola pública que resolveu ler para seus alunos "Os Miseráveis".
Não se sabe se foram as forças do universo harmonizadas ou se a professora soube ler no texto tudo o que ele contém, ajudando suas colegas a acreditar que nem tudo está perdido, o fato é que os alunos começaram a "adorar" Os Miseráveis, por cuja leitura, em partes, esperavam com ânsia e paixão. Não faltaram mais, chegavam cedo e ficavam em silêncio na hora da leitura. Depois debatiam sobre o tema. Na continuação, foi-lhes mostrado também o filme, do qual também gostaram.
O que foi isso? Então não é preciso adaptar nem resumir a obra para leitores que, a princípio, não o são?
E o trabalho todo do escritor na busca da palavra exata, não vale nada? Centenas de páginas com miles de parágrafos meticulosamente escritos, pensados, substituídos, corrigidos à exaustão - isso não significa nada frente à necessidade de fazer com que o leitor entenda o livro? Ora, o livro só se fará entender se estiver obedecendo a escolha da palavra e da forma usada pelo autor. Fora isso, deixa de ser o livro, ou pelo menos "aquele livro", cujo título será usado não para divulgar a obra literária, mas para vender um trabalho alheio com a desculpa de "facilitar" o entendimento.
Mais fácil é pouco para quem quer aprender. O importante é despertar a curiosidade pelo difícil, informar (aí sim) aos alunos, que se lerem fácil serão medíocres, mas se dominarem o difícil serão outros, melhor formados.
Vamos parar com essa bobagem de que o que vale é a informação e enfiar na cabeça de quem pensa que "pensa a cultura" que o que vale mesmo é o conhecimento. A informação é superficial e demasiada. O conhecimento é profundo, e sempre insuficiente.
O assunto vem à tona também para lembrar a morte do escritor português Vasco Graça Moura, posicionado desde o primeiro instante contra a reforma ortográfica que, na sua opinião, serviu apenas a interesses empresariais. A ela os brasileiros, vergonhosamente, aderiram sem maiores discussões.
Sobre o assunto, também se posicionou Mia Couto quando disse "Não faço guera contra a reforma, mas acho absolutamente absurdo o fundamento da necessidade de fazê-la. Evidente que é uma coisa convencional, não vai mudar a fundo as coisas, mas as implicações que isso tem do ponto de vista econômico acabam sempre por sobrar para os países mais pobres. Com esse dinheiro pode se fazer coisas mais importantes.
Há portanto, uma conspiração contra a língua, contra a literatura, contra a memória dos nossos grandes escritores, contra a liberdade dos escritores em ação e, principalmente, contra o Brasil que, a seguir assim, conseguirá apenas ser maior em relação ao número de miseráveis, com uma população cuja cultura é feita a martelo.
* este blog não segue as normas do acordo ortográfico
Pelo que tenho ouvido falar, muita gente que assiste a uma adaptação cinematográfica de uma determinada obra, termina se interessando por ler o livro original. E por que não tomar conhecimento da íntegra dos autores "canonizados"?
ResponderExcluirSem dizer que o martelo saiu caro. Foi financiado por um desses incentivos à cultura (?). É espantosa a quantidade de retalhos de O Alienista que vêm por aí. No Globo de 5ªf, Deonísio da Silva dá mais detalhes. Muito bom...
ResponderExcluirUm filme pode incentivar ao cara ler determinada obra, como já mencionaram. Mas realmente não dá para comparar um livro com uma adaptação literária em um filme, enfim cada macaco no seu galho, mas acredito que essas artes podem se dialogar na medida do possível.
ResponderExcluirParabéns pelo blog sobre a "simplificação" de Machado. Inacreditável que haja quem apoie esse tipo de, digamos, projeto. E vc tem toda a razão: querem acabar com a língua do Brasil, com a cultura do Brasil, com a faculdade mais inalienável de todas que é pensar. Agora, uma dessas pesquisas nos coloca em penúltimo lugar em termos de educação, não bastassem os desastres da saúde e da segurança. Esse país, com essa gente "simplificadora" dentro dele, está ficando muito e muito perigoso.
ResponderExcluirDaniel Santos
Helena, penso o que é maldade e o que não é maldade. O grau de maldade e o grau de bondade.Às vezes é claro para quem olha.O Bernardo que foi morto pela madrasta. Famílias em volta que gostavam dele, mas como cada família vive encapsulada, nas suas neuroses e psicoses próprias nada se pôde fazer.A família é o cerne da moral e as mulheres são maternalmente divinas. Até o horror de um ato demente. Por quê? Pergunte aos nazistas. A avó e a burocracia da justiça no meio, o juiz bonzinho que acredita que o pai bonzinho agora será mais bonzinho.A estória tem muitos capítulos e um milhão e meio de reais de herança no meio. E os homens, o pai da Isabela Nardone e o avô, o pai de Bernardo. Inocentes úteis
ResponderExcluirLuiza Viana