Todo o mundo já deve ter lido a entrevista de Ferreira Gullar abrindo seu voto para Serra e a inevitável repercussão.
Dediquei-me ler os comentários sobre a entrevista em vários blogs que a publicaram e acho que o povo está sendo muito severo com o poeta.
Os adjetivos usados são os piores - aqueles que a gente usa quando quer desmoralizar o desafeto. Velho é o mais usado, querendo dizer com isso que deve estar gagá, ou acometido de alguma doença que lhe altere o raciocínio, embora ele esteja, como diz, aos 80 anos, gozando da mais perfeita saúde, e recebendo prêmios.
Não se trata aqui de defendê-lo porque é poeta. Trata-se de compreender que uma pessoa muda de posição e tem direito de mudar. Equivoca-se com o que quer se equivocar. E até se destempera, se lhe dá na telha.
Penso que Gullar e sua poesia foram importantes para o Brasil num determinado contexto histórico. Passado isso, Gullar teve que cuidar da vida, e seguiu em frente. Foi ganhando espaço até chegar a um momento em que foi considerado o mais importante poeta vivo do Brasil - o que seu passado de luta muito ajudou. Mas foi considerado por quem? Nunca se sabe. Pela mídia? Pelo universo de leitores de poesia?
E então, o que aconteceu? Mudou de turma. Ficou livre para ser (sempre foi) amigo de Sarney (deve ter sido Sarney quem lhe disse que no nordeste não existem pobres, conforme está na entrevista), e é colunista da Folha. (Algumas idéias expressas na entrevista parecem vir de editoriais). Não é por nada que Jabor é lembrado junto, quando se trata de dar exemplo de quem mudou de idéia.
Mario Vargas Llosa acabou de ganhar o Nobel e não vi ninguém se insurgindo contra o fato porque ele seja de direita, seja lá o que isso for, mas chamemos de direita o reacionarismo, a rejeição ao novo, o medo dos avanços. Talvez porque Vargas Llosa seja, mundialmente, considerado um escritor enorme. Não sei se Gullar é tão grande como poeta.
Além de votar no Serra, Gullar é contra a legalização das drogas. Tem seus motivos, mas são motivos particulares, e considero no mínimo egoísta querer impedir que uma multidão de usuários deixe de ser perseguida pela polícia porque em algum momento ele mesmo, ou qualquer pessoa com a mesma opinião, precisou lidar com problemas decorrentes. É o mesmo caso de alguns psicólogos e afins que são contra as drogas porque recebem em seus consultórios muitos dependentes. Ora, o universo dos consultórios é mínimo em relação ao número de usuários. E é melhor frequentar consultórios do que cadeias, não é mesmo? Até mesmo para os psicólogos.
Dito isso, considero que a ofensa não é a melhor política para o período que antecede as eleições; que Gullar, se não é nosso maior poeta vivo, ao menos está vivo e é uma voz dissonante. A maioria dos poetas e intelectuais está fora do debate. No máximo, assina listas. E afinal, sempre fui contra o pensamento único.
Quanto a mim, votarei por minha tia, que morreu querendo votar em Dilma. Farei isso por ela porque nela, sim, eu acreditava. Votarei na mulher que Dilma é, com seu passado de militante e sua coragem de enfrentar tantas forças num universo de homens - coisa difícil.
Espero, no entanto, que reveja muitas posições em relação às quais se atrapalhou durante a campanha, imagino que em virtude das abomináveis alianças. De resto, é esperar.
E rezar.
Crente
eu também sou.
A poesia é minha religião.
O sol, meu deus.
A maconha, minha hóstia.
O silêncio, minha igreja.
E meu corpo,
altar para o milagre cotidiano
Dúvidas eu só tenho
sobre quem não duvida
...
Dediquei-me ler os comentários sobre a entrevista em vários blogs que a publicaram e acho que o povo está sendo muito severo com o poeta.
Os adjetivos usados são os piores - aqueles que a gente usa quando quer desmoralizar o desafeto. Velho é o mais usado, querendo dizer com isso que deve estar gagá, ou acometido de alguma doença que lhe altere o raciocínio, embora ele esteja, como diz, aos 80 anos, gozando da mais perfeita saúde, e recebendo prêmios.
Não se trata aqui de defendê-lo porque é poeta. Trata-se de compreender que uma pessoa muda de posição e tem direito de mudar. Equivoca-se com o que quer se equivocar. E até se destempera, se lhe dá na telha.
Penso que Gullar e sua poesia foram importantes para o Brasil num determinado contexto histórico. Passado isso, Gullar teve que cuidar da vida, e seguiu em frente. Foi ganhando espaço até chegar a um momento em que foi considerado o mais importante poeta vivo do Brasil - o que seu passado de luta muito ajudou. Mas foi considerado por quem? Nunca se sabe. Pela mídia? Pelo universo de leitores de poesia?
E então, o que aconteceu? Mudou de turma. Ficou livre para ser (sempre foi) amigo de Sarney (deve ter sido Sarney quem lhe disse que no nordeste não existem pobres, conforme está na entrevista), e é colunista da Folha. (Algumas idéias expressas na entrevista parecem vir de editoriais). Não é por nada que Jabor é lembrado junto, quando se trata de dar exemplo de quem mudou de idéia.
Mario Vargas Llosa acabou de ganhar o Nobel e não vi ninguém se insurgindo contra o fato porque ele seja de direita, seja lá o que isso for, mas chamemos de direita o reacionarismo, a rejeição ao novo, o medo dos avanços. Talvez porque Vargas Llosa seja, mundialmente, considerado um escritor enorme. Não sei se Gullar é tão grande como poeta.
Além de votar no Serra, Gullar é contra a legalização das drogas. Tem seus motivos, mas são motivos particulares, e considero no mínimo egoísta querer impedir que uma multidão de usuários deixe de ser perseguida pela polícia porque em algum momento ele mesmo, ou qualquer pessoa com a mesma opinião, precisou lidar com problemas decorrentes. É o mesmo caso de alguns psicólogos e afins que são contra as drogas porque recebem em seus consultórios muitos dependentes. Ora, o universo dos consultórios é mínimo em relação ao número de usuários. E é melhor frequentar consultórios do que cadeias, não é mesmo? Até mesmo para os psicólogos.
Dito isso, considero que a ofensa não é a melhor política para o período que antecede as eleições; que Gullar, se não é nosso maior poeta vivo, ao menos está vivo e é uma voz dissonante. A maioria dos poetas e intelectuais está fora do debate. No máximo, assina listas. E afinal, sempre fui contra o pensamento único.
Quanto a mim, votarei por minha tia, que morreu querendo votar em Dilma. Farei isso por ela porque nela, sim, eu acreditava. Votarei na mulher que Dilma é, com seu passado de militante e sua coragem de enfrentar tantas forças num universo de homens - coisa difícil.
Espero, no entanto, que reveja muitas posições em relação às quais se atrapalhou durante a campanha, imagino que em virtude das abomináveis alianças. De resto, é esperar.
E rezar.
Crente
eu também sou.
A poesia é minha religião.
O sol, meu deus.
A maconha, minha hóstia.
O silêncio, minha igreja.
E meu corpo,
altar para o milagre cotidiano
Dúvidas eu só tenho
sobre quem não duvida
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Belo texto, Helena! Voto em Dilma, com toda clarividência, mas Gullar é livre para escolher seu candidato, mesmo que seja o #Serrarojas! E gosto da poesia do extraordinário "Poema Sujo", talvez um dos dez maiores já escritos poemas em língua portuguesa (alguns dirão que é demais assim classificá-lo, mas é como vejo o poema que Gullar escreveu no exílio, em Buenos Aires, presenciando as ações horrendas da Operação Condor e com saudades do Brasil). Não se pode desqualificar quem escreveu os Sete Poemas Porgueses, jovem ainda - poesia de densidade ímpar! Merecia, sim, o Nobel, que ainda não temos. Com Caetano Veloso, Gullar tem que ser entendido em suas contradições; e votar em Serra, penso eu, é extremamente difícil, em tempos em que a Cátedra o rechaça, quase à unanimidade - vide manifesto assinado por seis mil professores de universidades brasileiras.
ResponderExcluirPerfeitas as suas colocações, Helena! Multiplicidade e liberdade de expressão já!
ResponderExcluirUm beijo!
Léo Nolasco
Bela cacetada nas patrulhinhas de plantão! Cada um que acredite no que quiser, e tal não lhe tira o valor. Do contrário, ocorre a falta de respeito que encardiu toda a presente campanha.
ResponderExcluirHelena,
ResponderExcluirgrande é você. Grande escritora e pessoa gigante! E mais não digo.
Bom dia gostei da sua explanação e do seu ponto de vista, acretido que cada um possa se expressar,mas, não vulgarizar da forma que esta acontecendo. As algumas pessoas, perdeu ou nunca teve senso de critica ou discernimento para uma "discursão" ou diálogo saudavel para mostrar seus pontos de vista e nem aceitam o ponto de vista alheio, e isto me assusta um pouco.bjs
ResponderExcluirObrigada pela leitura de hoje.
ResponderExcluirParabéns!
Cris Reis
En los años ochenta, la época más oscura de la dictadura militar, los estudiantes gritabamos en la universidades chilenas LIBERTAD DE PENSAMIENTO ESTO NO ES UN REGIMIENTO. Frase que resume la posición que he seguido toda mi vida como una guia de comportamiento politico e intelectual.
ResponderExcluirComparto plenamente con usted cara Helena, poeta por la libertda de expresión y la libertad de convicción politica.
Abrazo,
Leo Lobos
LEMBREMOS:
ResponderExcluirMADRUGADA
Do fundo de meu quarto, do fundo
de meu corpo
clandestino
ouço (não vejo) ouço
crescer no osso e no músculo da noite
a noite
a noite ocidental obscenamente acesa
sobre meu país dividido em classes
Ferreira Gullar
SUBVERSIVA
A poesia
Quando chega
Não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
De qualquer de seus abismos
Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
Infringe o Código de Águas
Relincha
Como puta
Nova
Em frente ao Palácio da Alvorada.
E só depois
Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade
E de justiça.
E promete incendiar o país.
Ferreira Gullar
Helena, belo texto. Daqui de SP sempre que leio o Gullar falando de drogas, arrepio. Para um ótimo poeta, ele é um péssimo pensador de políticas públicas.
ResponderExcluirAbraço
Marco Magri
Coletivo Desentorpecendo A Razão (coletivodar.wordpress.com)
Helena, tema de muito bom gosto.
ResponderExcluirSobre Gullar, bem, somos democratas. Tem gente que não percebeu que nós também não somos obrigados a votar – é o voto nulo. Se você anula, não vota. A diferença é que aqui quem não vai para as urnas paga multas absurdas. Na verdade é uma forma de arrecadar algum, como sempre.
Gullar é um dos meus mestres. E votando em Serra ou Dilma, tanto faz. O País continuará o mesmo sendo outro. 4 anos não bastarão. 8 anos não bastarão. O dia em que o povo entender que está sendo ludibriado, aí sim, alguma coisa mudará.
Mas como grande parte não entende, continuaremos nessa, assim como na poesia – quem não a entende não encontra novos mundos.
É preciso que paremos para que os governos, as industrias, sintam o nosso pesar. Mas nosso pesar está preocupado com o salário no fim do mês e com o presente dos filhos.
Abraços poéticos.
Helena, livre e maravilhosa.
ResponderExcluirGullar, Poeta entre poetas.
Caminhos a gente escolhe.
Somos o templo da nossa religião.
Beijos.
JIVM
Oi, Helena. Gostei muito do seu texto. De fato a liberdade de expressão deve sera tônica. Mas, assim como na política, aqueles que admiram o poeta, o admiram por sua vertente. Quem foi comunista um dia, perseguido, exilado, o tem como "companheiro". E um companheiro não muda de lado... É nesse sentido que as manifestações de decepção se alinham, como um lamento, exceto as de tom mais violento, é claro. Gosto do poeta, gosto do que escreve, mas sua biografia se desalinhou e não terá lugar de destaque na estante de muita gente...pena. Um grande abraço.
ResponderExcluirPS: Sobre o Nobel, acho que o prêmio está um pouco acima das escolhas políticas, mas não acho que tenha sido a melhor escolha a entrega a Llosa... acho que nem ele.
Na próxima vez que publicar algo, farei a leitura.. perdoe os erros no comentário (cheio de "acho"... o pronome obliquo colocado antes...nossa...que vergonha.) abraço
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