12 de outubro de 2013

MULHERES E LITERATURA

No momento em que a literatura se faz manchete, à cause da Feira de Frankfurt e o escritor Luiz Rufatto se empolga e diz o que pensa, e Ziraldo se exalta, e Michel Temer etc e tal, e que se escreve e ouve falar sobre as minorias, de negros a gays, ninguém fala na única minoria que é, por acaso e estatísticas, a maioria - a das mulheres. Dentro dessa minoria ainda há uma subminoria, que não é vista por ninguém e só é reconhecida quando um milagre, que acontece para poucas, acontece agora com o Nobel de Literatura. Fora disso, a mulher continua sendo "incluída" e mal paga.

Pense aí, agora, no nome de seis (tá, então três), mulheres que, fora da zona de marketing, tenham sua obra lida? Pois assim é. E os estudos a respeito disso, quando são feitos, apontam para o fato, já observado antes por evidências: a maioria dos escritores brasileiros é formada por homens, brancos e de alto padrão. Se não há novidade, já mereceu o estudo.
A ditadura política acaba, ali e aqui, uma vez ou outra. A dominação física e moral sofrida pelas mulheres de todas as classes sociais e profissionais não acaba. Não teve Princesa Isabel que acabasse com ela. Não tem delegacia da mulher que resolva nem justiça que se faça. Se todas as mulheres torturadas "fora dos porões da ditadura" fossem receber indenizações ...   

De qualquer forma, a literatura vai sendo feita. A poesia de Rita Moutinho comparece mais uma vez com o irretocável, na forma e na paixão, Psicolirismo da Terapia Cotidiana,  uma corajosa reunião de poemas elaborados a partir de sessões de terapia. Para quem aprecia o rigor, Sérgio Paulo Rouanet afirma:  "Rita Moutinho tem demonstrado, ao lado de uma crescente densidade de inspiração, uma invejável mestria formal".Um ponto importante na sociedade dos homens, ainda mais os heróis da academia.  

Dois poemas de Rita

2.

Faz tempo que não respiro ar puro,

não me destino à natureza: recuo
por aleias emparedadas,
tentando arborizar pedras.
Inspiro e sou a musa avessa
explorando avidamente
aquilo que não aflorou:
certeza.
No poema (ansiolítico)
a bula nada estipula,
o rótulo nada rotula,
as palavras são meras palavras
até que subitamente
feras.

Minha depressão não é vale entre montanhas.

Mas vinga aquilo que vale, minhas entranhas.


Soneto da Dúvida nas Águas


Os dois remos parecem adormecidos

na travessia lenta para a cura,
e meus lábios molhados de gemidos
pingam máculas mis.Você se acura,
leva-me a perdoar certos pecados,
trazendo lassidão à a amargura.
Outros ainda me pesam represados
- não abri as comportas da censura.
As culpas, cracas fixas no meu casco,
não me deixam chegar à embocadura
da vida aquosa que, tolhida em frasco,
fez-me revolto oceano sem ondura.
        Ah ,quando poderei sã navegar,
        se sou a um só tempo barco e mar?







Lila Maia é outra voz que se expande. Terá uma segunda edição (Segunda edição de poesia, gente!) para o seu As maçãs de antes, já premiado pelo prestigiado Concurso do Paraná, Prêmio Helena Kolody. 
Por acaso o lançamento é na segunda, 14, no Severyna da rua Ipiranga, em Laranjeiras. Vale a pena conhecer uma poesia que é também de persistência e devoção.  

E aos exigentes que ouvirem algum ruído no fato de eu chamar poetas às mulheres, explico: é apenas uma questão de sonoridade.

Dois poemas de Lila

Uma oração

Deus nunca vai me perdoar: não vou  mais sofrer.
Um tigre salta por trás,
nenhum palavrão me vem à cabeça no primeiro ataque.
A salvação? Não rezar mais.

Aos poucos a beleza do corpo vai se encolhendo
o fraco respirar convertido em todos os pecados,
e as folhas preenchidas com poemas são filmes.

Meu melhor papel?
Ter dormido com cordeiros e anjos disfarçados.


A folha branca


Um tigre me espreita.
Fareja cada compartimento da casa
com ar inocente. Nada escapa.
Nem as altas prateleiras da estante.

Eu e a fera nos igualando, nos resumindo.

Quando suas patas me atingem
meu grito é de criança:
oh tigre
      oh criação



Deixo-lhes aqui um outro poema, que não vem do amor nem do grande exercício que se faz na direção do equilíbrio. Vem apenas do grande, tradicional, tenebroso e incompreensível conflito entre homens e mulheres.


De quem?


Nasceu. Que sexo tem?
Menina. 
Ah, também é bom né?
Dá pra enfeitar.

Quem é ela? A mulher do fulano.

Quem é ela? É a minha mulher.
Quem é você? Sou a mulher dele.
Quem é? É a tua mulher. 
Eu sou a mulher do sargento. 
Até a mulher do padre: o último é.
O que é que você quer agora, meu filho?
Eu quero ter uma mulher.
Na minha mulher eu posso bater.

E também posso matar a minha namorada e cortá-la

em pedaços,
porque eu sou ciumento
posso subjugá-la para o sexo 
desse ou daquele jeito
sempre que eu tiver bebido. 
E posso apontar-lhe um revólver
só para me distrair. 
Não sou ninguém, mas mesmo assim sou
um homem

...



3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. E o que você me diz de uma grande artista gaúcha que largou uma carreira promissora só para casar com um sujeito, vulgo “marido da cantora”?

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  3. Helena
    Em Portugal a autora também é pouco conhecida.
    Ontem em Madrid a FNAC tinha uma estante cheia com vários títulos dela o que demonstra que os espanhóis têm bom faro para a literatura. O El País publica ao sábado o melhor suplemento literário de todos os jornais do mundo.
    Também gosto mais de poeta do que poetisa.
    Concordo consigo.
    É uma questão de sonoridade mas também de sujeito.
    Um abraço do
    Joaquim Emidio

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