24 de janeiro de 2014

ADOLFINHOS

Eu poderia começar com "Quando menos se espera..." Mas não. Essa é uma expressão que não cabe em se tratando do governo do Estado porque dele tudo se espera, e a qualquer hora. Foi de uma audácia surpreendente conceder desconto de 50% no pagamento do IPVA para empresas de transporte público, e ainda para que as empresas possam reduzir as tarifas, que por sua vez já tinham aumentado na véspera. Essa é boa. Eis o governador, sempre capaz de causar impacto. Está mal na foto e nas pesquisas, mas ousa. Sem nada temer, determina o que lhe vai na cabeça, sem nenhum pudor, mesmo depois de tudo que lhe aconteceu em 2013. É assim que acontece com quem se tem em altíssima conta. 

Ao seu lado, com o mesmo perfil, o secretário Júlio Lopes, também arrogante, também audacioso. Ousou até ir ao local do descarrilamento e foi flagrado dando risada em meio ao caos patrocinado pela Supervia. Certamente por ter sido inocentado pela justiça das responsabilidades que causaram o acidente com o bonde em Santa Teresa, em 2011, quando morreram seis pessoas. O culpado foi o motorneiro, morto no acidente. Décadas de abandono, é o que dizem... sempre há uma desculpa para a Justiça comprometida. Está limpo, o secretário Júlio Lopes. 


Também o representante da Supervia diz que os trens estão mal há mais de uma década, e deve ser por isso que também não fez nada para melhorá-los. De modo que devemos deduzir que o tempo é o culpado de tudo. Se você, jovem administrador, chegar novinho em folha para trabalhar e o pessoal disser que você deixe para lá, que o negócio é assim mesmo, cortando as suas pernas, jogando gás de pimenta nos seus projetos - saiba - você está no serviço público, onde nada se mexe. Nem mesmo o transporte. Se mexer, é para fazer você cair no buraco. Ou para pegar a mala, sempre pródiga. Agora o suborno tem o beneplácito da lei.

Fico pensando nele, e também no governador, os dois bebês bonitinhos, para quem os pais sonhavam um futuro brilhante. Espertos, os dois. Inteligentes, os dois - já prometiam. Pois não é que foram se encontrar no mesmo partido? Essas almas sempre se encontram. Formam uma legião. Para que existam é preciso que outros se sacrifiquem; que morram, de um jeito ou de outro, de tiro, acidente de rua ou construindo estádios.

Pobres empresas de transporte, assim incompreendidas. É preciso que se mantenham. Como poderão atirar migalhas aos pobres, como fizeram num casamento no Copacabana Palace?
Me pergunto se a vida inteira é e será essa luta de exploradores contra explorados, de final conhecido. Me pergunto como podem esses homens, as criancinhas de ontem, terem enveredado por um caminho sombrio, a procederem como chefões mafiosos, escancarando as relações criminosas entre governo e empresas.
Quem diria, os bebês, Julinho e Serginho. Só podiam ser da mesma turma. 
E pensando em tudo isso deixo-lhes aqui um poema da imbatível Wislawa Szymborska.



Primeira foto de Hitler
(trad. de Regina Przybycien)

E quem é essa gracinha de tiptop?
É o Adolfinho, filho do casal Hitler!
Será que vai se tornar um doutor em direito?
Ou um tenor da ópera de Viena?
De quem é essa mãozinha, essa orelhinha, esse olhinho, esse narizinho?
De quem é essa barriguinha cheia de leite, ainda não se sabe:
de um tipógrafo, padre, médico, mercador?
Quais caminhos percorrerão estas pernocas, quais?
Irão para o jardinzinho, a escola, o escritório, o casório
com a filha do prefeito?

Anjinho, pimpolho, docinho de coco, raiozinho de sol,
quando chegou ao mundo um ano atrás
não faltaram sinais na terra nem no céu:
gerânios na janela, um sol primaveril,
a música de um realejo no portão,
votos de bom augúrio envoltos em papel crepom rosa,
pouco antes do parto,o sonho profético da mãe:
sonhar com uma pomba - sinal de boas novas,
se for pega - vem uma visita muito esperada.
Toc, toc, quem é, é o coraçãozinho do Adolfinho que bate.

Fralda, babador, chupeta, chocalho,
o menino, com a graça de Deus e bate na madeira, é sadio,
parecido com os pais, com um gatinho no cesto,
com os bebês de todos os outros álbuns de família.
Não,não vai chorar agora,
o fotógrafo atrás do pano preto vai fazer um clique.

Ateliê Klinger, Grabenstrasse Braunau,
e Braunau é uma cidade pequena mas respeitável,
firmas sólidas, vizinhos honestos,
cheiro de massa de pão e de sabão cinzento.
Não se ouve o ladrar dos cães nem os passos do destino
Um professor de história afrouxa o colarinho
e boceja sobre os cadernos.

...

3 comentários:

  1. Excelente texto em sua pertinência, Helena. Só podemos agradecer pelo seu olhar crítico sobre esses adeptos da política de "uma mão suja a outra". Abraços, Pedro.

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